Nova Resende: café de qualidade, indústria de lingerie e troca de lixo por alimento


Política

José Venâncio de Resende1

Vista aérea

Nova Resende - quase na divisa entre o sul e o sudoeste de Minas, 482 km distante de Belo Horizonte - é conhecida pelo seu café de qualidade e pela florescente indústria de moda íntima (lingerie). Mas este ano ganhou destaque pela maneira criativa como estimula seus cidadãos a lidar com o lixo, que é trocado por alimento. 

O município de Nova Resende teve início nas primeiras décadas do século XIX. O primeiro Resende a chegar à região foi o Tenente Coronel João Gonçalves de Rezende, bisneto de João de Rezende Costa que emigrou dos Açores para Lagoa Dourada. João Gonçalves é neto de Thereza Maria de Jesus e sobrinho-neto do inconfidente José de Rezende Costa. 

Há cerca de seis anos, a administração municipal lançou o projeto “Cidadão Consciente”, que é um dos 30 finalistas do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2013 (um dos seis melhores na categoria “Gestores públicos”), entre mais de mil concorrentes. O vencedor (tecnologia com maior pontuação média em cada categoria) será conhecido em 19 de novembro durante cerimônia em Brasília. 

Curiosamente, este projeto é vinculado à Secretaria de Assistência Social. Primeiro, porque o município não tem Secretaria do Meio Ambiente; e, segundo, a ideia foi buscar uma alternativa ao assistencialismo, explica a secretária Selene Aparecida Alves.   

Diariamente, moradores - a pé ou de carro - procuram o ponto de recebimento no local de reciclagem para entregar seu lixo. Cada tipo de material é pesado e, com base numa tabela de preços, o morador recebe um vale correspondente ao valor total. Por exemplo,  o vidro é avaliado em R$ 0,05 o quilo; papel fino, R$ 0,05 kg; papelão, R$ 0,10 kg; plástico fino, 0,20 kg; bateria, 0,30 kg; plástico duro, 0,35 kg; pet, 0,55 kg; metal, 2,80 kg; e cobre, R$ 3,00 kg. 

Os resíduos sólidos recolhidos passam por processo de separação e prensagem (com exceção de ferragem e plástico). Os fardos resultantes são vendidos para compradores de Alpinópolis, São Sebastião do Paraíso e Alfenas. Este resíduo enfardado rende em média R$ 9 mil por mês.  

Mercadinho

No mercadinho municipal, os moradores trocam vales da reciclagem por produtos hortigranjeiros (frutas, legumes e verduras), bem como por produtos industrializados (alimentos, material de limpeza e escolar). Os hortigranjeiros são cultivados na horta da prefeitura ou são oriundos da agricultura familiar (frutas). Alguns exemplos de preços: couve-flor custa R$ 0,80 o quilo; cheiro verde, 0,10 o maço; chicória, 0,10 o pé; alface, 0,20 o pé; couve, 0,10 kg; abobrinha, R$ 1,00 kg; e tomate, 0,80 kg. Em caso de diferença, a pessoa recebe o vale-troco que pode ser utilizado em outra oportunidade. 

Outra opção é utilizar o vale no restaurante popular, implantado em 2012, cuja refeição custa R$ 2,00 (quem pagar com vale acima desse valor, recebe a diferença em vale-troco). A ideia do restaurante foi incentivar ainda mais a reciclagem, inclusive no meio rural, conta o prefeito Celson José de Oliveira. 

Todo dia, a partir das 11h30, forma-se uma fila na entrada do restaurante, que serve em média 200 refeições diárias. No período da colheita do café (entre abril e setembro), esta média sobe para 300 refeições/dia, por causa do maior afluxo de pessoal da roça (tanto colhedores quanto os próprios produtores). 

O projeto melhorou a limpeza da cidade e a qualidade da alimentação, além da preservação do meio ambiente, resumiu o prefeito.      

Usina de reciclagem   

Cerca de 6 a 7 toneladas de lixo seco e molhado coletado diretamente nas ruas pela Prefeitura chegam diariamente à Usina de Reciclagem, de acordo com seu coordenador José Feliciano Ferreira. Desse volume, 2 a 3 toneladas são descartadas como rejeitos. 

Selene Alves considera que houve um certo relaxamento da população da população, que antes costumava separar o lixo seco do molhado. Tanto que a ideia é promover, a partir de novembro, uma campanha de mobilização (escola, rádio, palestras, passeatas etc.) para estimular a separação entre os dois tipos de lixo. Assim, o caminhão da Prefeitura recolheria os lixos seco e molhado em dias alternados.  

Por enquanto, os funcionários da usina separam os lixos seco e molhado e o rejeito. O lixo seco, prensado e enfardado, tem o mesmo destino dos resíduos sólidos provenientes do ponto de recebimento. Já o lixo molhado é transformado em adubo orgânico (cerca de 2 a 3 toneladas por mês) – para uso na jardinagem da Prefeitura - e os rejeitos são encaminhados para o aterro sanitário.  

Segundo Selene Alves, os resíduos de saúde (lixo de hospital e de unidades de saúde) de Nova Resende são coletados por um consórcio específico, criado pela Associação dos Municípios da Microrregião Baixa Mogiana (AMOG). A entidade também está criando o consórcio de pneumáticos para recolher os pneus usados dos 16 municípios filiados. 

Café 

O café é a principal atividade agrícola do município, com média de produção de 400 mil sacas por safra em área de 13,1 mil hectares. Cafeicultura de montanha (altura média de 1.100 metros e índice pluviométrico de 1.600 mm), 100% arábica, tipicamente de agricultura familiar (90% dos 3.500 produtores). 

Entre 70 e 80% da produção são destinados ao núcleo da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda. (Cooxupé) no município. Dos 3 mil associados da cooperativa, 1.800 são de Nova Resende, conta Rogério Silva Araújo, extensionista agropecuário da EMATER-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais).

Outros destinos do café de Nova Resende são a Cooparaíso (de São Sebastião do Paraíso); a Exportador Guaxupé; três armazéns locais; a microindústria que produz o café Cafundó e a Coopervitae, que trabalha com o café Fairtrade (comércio justo).       

A colheita de café absorve grande volume de mão de obra, tanto local (concorre com a indústria de lingerie) quanto de outras regiões (norte de Minas, Paraná, Bahia  nordeste).  

Outras atividades agrícolas relevantes são as culturas de milho (cerca de 410 mil sacos por safra), soja (em torno de 25 mil sacos), trigo de inverno (15 mil sacos), olericultura (destinada ao Programa de Aquisição de Alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento e ao Programa Nacional de Merenda Escolar, além do consumo local) e a produção de leite (cerca de 5 mil litros/dia).    

Lingerie 

A indústria de moda íntima começou há cerca de 8 a 10 anos, por iniciativa de alguns empreendedores locais. Possivelmente, foram influenciados pelo tradicional polo industrial de lingerie de Juruaia, há 21 quilômetros do município, de acordo com José Admilson de Melo, presidente da Associação dos Produtores de Lingerie de Nova Resende (APROLIN). 

Hoje, são cerca de 35 a 40 empresas de confecção (legalizadas e informais) - a maior parte micros e pequenas – que fabricam conjunto de sutiã e calcinha, peças avulsas como calcinhas, sutiãs, camisolas e biquinis, além da linha masculina (cuecas e pijamas). A maioria das confecções fornece em torno de 10 a 13 empregos (costureiras, auxiliares etc.), envolvendo de 500 a 600 pessoas, direta e indiretamente (serviço terceirizado). 

Este ano, o município realizou em setembro sua 6ª Exposição de Moda Íntima (Expoíntima), com a participação de 16 confecções locais, visitada por atacadistas e varejistas do centro e do sul de Minas, distribuidores do interior de São Paulo e pessoas que querem comprar peças avulsas. O evento foi patrocinado pela Prefeitura Municipal e pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento, informa José Admilson. Ele destacou ainda a participação do Sebrae-MG e do Banco do Brasil, e está apostando, para os próximos anos, no maior envolvimento do Sebrae e do Governo do Estado, além do tradicional apoio da Prefeitura. 

Segundo José Admilson, já começa a surgir um arranjo produtivo na cidade, com a presença de dois fornecedores de tecidos e aviamentos (elástico, laço, alça, linha, etc.), bem como a produção de bojo (espuma que vai no sutiã) e de embalagem. E um dos objetivos é ampliar o horizonte com a participação em feiras de capitais e grandes cidades, além de outras formas de marketing para divulgar o produto. 

A ideia é fortalecer o setor de lingerie para aumentar o poder aquisitivo da população (mais empregos e melhor remuneração), explica a farmacêutica Mônica Maria Nogueira Cruvinel Silva, presidente da Associação Comercial Industrial e de Serviços de Nova Resende. Nesse sentido, o plano é criar um fórum de estímulo ao empreendedorismo, com representantes dos diversos segmentos produtivos da sociedade local. A intenção é estimular o turismo de compras.

O dinamismo do comércio local já começa a atrair as cidades vizinhas de mesmo porte ou menores, conta Mônica. Já são 400 pontos comerciais (entre legalizados e informais) que representam cerca de 1200 empregos. 

História 

Nova Resende, cuja sede está localizada a 1.250 metros (acima do nível do mar) na região administrativa do médio Rio Grande, ocupa área de 390,15 quilômetros quadrados e tem população estimada de 15.374 habitantes. Faz divisa com oito municípios: Carmo do Rio Claro, Conceição Aparecida, Alterosa, Monte Belo, Juruaia, São Pedro da União, Bom Jesus da Penha e Alpinópolis.  

A região pertenceu à Comarca do Rio das Mortes, lembra o advogado, pesquisador de História e autor de livros sobre a cidade, Orlando Salles Filho, o Orlandinho. Tanto que, em novembro de 1764, em giro de reconhecimento passou pela região a comitiva do governador da capitania das Minas Gerais, Luiz Diogo Lobo da Silva, acompanhado de seu secretário Cáudio Manoel da Costa.    

A povoação com o nome de Santa Rita surgiu em torno de uma capela construída em área doada por Domingos Rodrigues de Lima, João Dias da Silva e Manuel Rodrigues de Lima, de acordo com Edital de Patrimônio da Capela de Santa Rita publicado pelo Bispado de São Paulo em 4 de janeiro de 1823.        

Entre os outros doadores do Patrimônio da Freguesia de Santa Rita do Rio Claro, estava o Tenente Coronel João Gonçalves de Rezende. De Lagoa Dourada, ele foi para São Carlos do Jacuí e, em seguida, para Santa Rita por volta de 1830. Casou-se com Inocência Maria de Jesus e, ao falecer em 25 de agosto de 1857, deixou nove descendentes em Santa Rita, Juruaia e Muzambinho. 

Em 1866, o povoado tornou-se Freguesia de Santa Rita do Rio Claro, pertencendo a Jacuí. Em 1875, passou a vincular-se a Passos e, em 1878, a Cabo Verde. Devido à grande plantação de café, por volta de 1880 era popularmente chamada de “Santa Rita do Café ou dos Cafezais”. O capitão Francisco Anacleto de Rezende, neto de João Gonçalves, foi o primeiro vereador de Santa Rita junto às Câmaras de Passos e Cabo Verde.    

Em 1901, Santa Rita voltou a pertencer a Passos quando foi elevada a vila, com o nome de “Vila Nova de Rezende”. 

A emancipação política de Nova Rezende veio em 2 de janeiro de 1902, com a instalação da vila, O primeiro presidente da Câmara Municipal e agente executivo (espécie de prefeito) foi o major Cândido Carvalho de Rezende, neto de João Gonçalves. Seu primo Tenente Coronel Rozendo Aprígio de Rezende, também neto de João Gonçalves, foi juiz de paz, vereador, presidente da Câmara e agente executivo de Nova Rezende no período de 1911 a 1918. 

Em 24 de janeiro de 1925, a vila passou a pertencer à Comarca de Muzambinho com a grafia “Nova Resende”. Em 10 de setembro do mesmo ano (Lei 893), a vila foi elevada a cidade. 

Entre fatos curiosos de Nova Resende, Orlandinho cita o caso do músico Ari Barroso. “Em 1930, foi nomeado juiz municipal o doutor Ari Barroso, por influência de seu tio Alarico Barroso. Quinze dias depois, Ari voltou para o Rio. Chegara a conclusão que não nascera para juiz e sua vida estava definitivamente ligada à música.”

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     

 

 

 

 

Comentários

  • Author

    Ao colega jornalista
    José Venâncio de Resende

    Prezado colega,
    “...troca de lixo por alimento” não foi uma ideia feliz para um título sobre a matéria. Se você quer impacto, que seja por uma informação positiva e verdadeira. Sim, porque ninguém está trocando LIXO por alimento. Voce tem dúvidas?
    Voce disse, com todas as letras: “...estimula seus cidadãos a lidar com o lixo, que é trocado por alimento.” É isso mesmo? Lidar com lixo? Deve ser, porque você insiste: “...procuram o ponto de recebimento no local de reciclagem para entregar seu lixo.” Não é, não, porque também disse: “Cada tipo de material é pesado...” Bom, se é material que pode ser trocado por algo de algum valor, então NÃO É LIXO.
    Caro colega, esse tipo de desinformação é a causa principal para o fracasso da prática da saudável, necessária e urgente existência da COLETA SELETIVA DE MATERIAL RECICLÁVEL em cada um dos municípios brasileiros.
    Sua matéria continua assim: “Os resíduos sólidos recolhidos passam por processo de separação e prensagem...” Então, NÃO É LIXO, concorda? A confusão permanece na cabeça do leitor cidadão, que já tem sua natural dificuldade de apreender o que lê. Uma pena!
    Me perdoe se me expresso de forma franca e direta, sem rodeios e essa neofrescura do “politicamente correto”. É que eu lido com isso há mais de 17 anos e essa ignorância coletiva é o que entrava a real solução para o problema mais grave para o ambiente do planeta: o lixo.
    Se você ama a natureza e quer, realmente, ver o nosso planeta mais limpo, por favor ajude a desfazer essa imperdoável confusão que o jornalismo faz na cabeça do cidadão. Permita-me explicar, mais uma vez: lixo é material contaminado, perigoso, que não serve para nada; só para ser incinerado e eliminado do ambiente. Isso é lixo. Tudo o mais é MATÉRIA PRIMA RECICLÁVEL, a saber: papel, plástico, metal, vidro, tecido e madeira. Pode ter sido usado e descartado, mas é MATÉRIA PRIMA QUE VALE DINHEIRO. Não é lixo. Quando essa ideia, finalmente, entrar na cabeça e na compreensão das pessoas, elas deixarão de tratar esses materiais como lixo e passarão a considerar tudo como MATÉRIA PRIMA UTILIZAVEL PARA RECICLAGEM e reaproveitamento. É isso o que as pessoas estão trocando por alimento, muito afortunadamente. É isso o que um bom jornalista deve ter em mente ao escrever sua matéria sobre o tema e deixar muito bem claro para o cidadão leitor.
    Se, para um bom entendedor, meia palavra basta, então eu já dei o meu recado e mais não direi. Não comentarei outras impropriedades que aparecem na matéria. Apenas me coloco à sua disposição para eventuais esclarecimentos sobre o assunto em pauta.
    Cordiais saudações de Antonio Carlos M. Gonçalves


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