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A psicodelia no Brasil

13 de Marco de 2018, por Renato Ruas Pinto

A música brasileira vai ganhando pouco a pouco livros dedicados à sua história. De biografias de grandes artistas, como Elis Regina ou Tim Maia, a volumes dedicados a estilos específicos como o recém-lançado sobre samba-canção, de Zuza Homem de Mello. Porém, sempre senti falta de mais livros sobre o rock em nossa terra. O rock no Brasil tem uma história complicada e é comum, ao se falar do estilo, ouvir só referências à Jovem Guarda, Mutantes, Raul e Rita Lee ou o movimento dos anos 80. Assim, é muito gratificante ver um projeto de grande envergadura levado a cabo pelo jornalista, pesquisador e colecionador Bento Araújo em seu livro “Lindo Sonho Delirante – 100 discos psicodélicos do Brasil” (PoeiraPress, 2016), que vem justamente mostrar que outras águas passaram entre a Jovem Guarda e a volta ao básico do Punk e New Wave dos anos 80.

O rock desembarcou no Brasil com a turma dos anos 50: Elvis, Little Richard e outros. No começo dos anos 60 vieram os Beatles e Rolling Stones. Bastante influenciados por esses últimos, surgiu a Jovem Guarda, encabeçada por Roberto e Erasmo Carlos e Wanderléa. O fato é que o rock passou, no resto do mundo, por uma evolução gradual e acelerada. Saiu da inocência e rebeldia juvenil dos anos 50 e começo dos 60 para um estilo engajado e denso por conta de trabalhos de artistas como os Bob Dylan, Beatles ou Grateful Dead. No Brasil eu considero que não houve essa evolução gradual. Ao contrário, Os Mutantes levaram o rock brasileiro a dar um grande salto rumo à psicodelia e produções elaboradas com o apoio dos tropicalistas Caetano e Gil e dos maestros Rogério Duprat e Júlio Medaglia. Era o fim da inocência do rock em terras brasileiras.

E os ventos vindo do norte não refrescaram somente a música dos Mutantes, mas também a de diversos artistas e é isso que mostra Bento Araújo em seu livro. Ele é um grande pesquisador, colecionador e editou por muitos anos a excelente revista PoeiraZine, dedicada à música, e, infelizmente, já fora de circulação. Hoje ele edita o ótimo PoeiraCast, um podcast dedicado ao rock e que mantém a pegada da revista em termos de profundidade. E quando Araújo anunciou a nova empreitada, um livro dedicado à música psicodélica no Brasil, a ser lançado na base do financiamento coletivo, não hesitei e contribuí na pré-venda.  E fiquei muito feliz com o resultado final. Um material de primeira qualidade em todos aspectos, da parte gráfica à pesquisa primorosa, marca do trabalho de Araújo. O livro disseca 100 discos nacionais que sofreram forte influência do rock psicodélico, ainda que nem todos possam ser classificados como álbuns de rock.

Como toda lista, sempre vai ter questionamento sobre as escolhas e ausências. Porém, ainda assim é uma fonte incrível para se debruçar e fazer descobertas surpreendentes. A começar da escolha do título do livro, “Lindo Sonho Delirante”, título de um álbum do cantor Fábio, que foi parceiro de Tim Maia, e que é uma referência nada indireta ao LSD. Outras surpresas estão no livro, como o ótimo trabalho psicodélico de Ronnie Von, comumente associado à música romântica. O livro escolheu um formato consagrado naquela série “1001 [discos/livros] para você [ouvir/ler] antes de morrer”, com uma bela foto do disco em uma página e uma lista de músicas e análise na página adjacente. Sobre as fotos, o trabalho só foi possível devido à colaboração de colecionadores que disponibilizaram discos raros para o registro. Pela raridade de muitas obras, é até difícil encontrar alguns álbuns. O YouTube, porém, tem sido de grande ajuda, pois sempre tem um apaixonado disposto a compartilhar.

Fico na torcida para que esse trabalho sirva de ponto de partida para outras pesquisas e para trazer mais conteúdo sobre o que aconteceu aqui entre os anos 60 e 80. E recomendo para quem gosta mesmo de rock conhecer o trabalho do Bento Araújo no site www.poeirazine.com.br, onde rolam sempre verdadeiras aulas sobre o estilo.

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