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Histórias secretas

18 de Fevereiro de 2021, por Renato Ruas Pinto

O que você acha do som da banda “Os Carbonos”? Possivelmente não conhece o nome ou nunca ouviu falar. Mas tenha certeza de que você já os ouviu tocando em dezenas de gravações, incluindo grandes sucessos da música brasileira, como “É o amor”, de Zezé di Camargo ou “Summer Holiday”, de Terry Winter. Aliás, sabia também que esse último artista, com nome gringo e cantando em inglês, é na verdade brasileiro? Essas e outras histórias curiosas estão no ótimo documentário “A história secreta do pop brasileiro”, disponível no Amazon Prime e outros serviços de assinatura.

A série de oito episódios é dirigida pelo jornalista e escritor André Barcinski, que conhece como poucos os temas tratados no documentário. Barcinski é o autor de “Pavões Misteriosos”, livro sobre o qual já escrevi aqui na coluna, e ele traz para a tela algumas histórias do livro, bem como dá rosto e voz aos personagens. Tal como no livro, o documentário faz um recorte específico da música brasileira, entre meados dos anos 70 e o começo dos 80. Foi um período de grande crescimento do mercado fonográfico e vendas generosas sustentavam toda uma indústria que ia desde o estúdio, com técnicos, músicos e cantores, até os shows dos artistas e disc jockeys (os DJs) de prestígio de rádios e bailes.

O documentário dá um peso maior justamente ao lado “indústria” da música, de produção em escala e com foco no atendimento de determinadas demandas ou oportunidades de mercado. Os episódios mostram principalmente o trabalho duro de bastidores de músicos e produtores e, assim, trazem histórias para lá de interessantes. Algumas destas histórias estão ligadas ao crescimento acelerado do mercado, que abriu oportunidades para gravadoras menores. As grandes gravadoras tinham matriz no exterior, de modo que tinham um catálogo de artistas estrangeiros à disposição. Se as menores não tinham esse acesso, então elas criaram os seus “estrangeiros”. E para isso se valeram de dois recursos, verdadeiras cópias de artistas estrangeiros e os falsos gringos. No primeiro caso, pegava-se um artista com algum reconhecimento no estrangeiro e colocava-se um artista nacional com um nome parecido interpretando as mesmas músicas. O documentário mostra, por exemplo, a história do brasileiro José Gagliardi, que cantava com o nome artístico Prini Lorez, que imitava o jeito de cantar e o repertório do norte-americano Trini Lopez.

O segundo recurso, o dos “falsos gringos”, rendeu frutos e alguns artistas que se faziam de estrangeiros conseguiram sucesso de alguma forma. O caso mais conhecido é o de Morris Albert, cujo nome é Maurício Alberto. Morris Albert emplacou um grande hit, “Feelings”, que foi regravado por artistas famosos como Johnny Mathis, Paul Anka e Ella Fitzgerald. Ou Michael Sullivan, que teve grande sucesso comercial compondo músicas infantis para a Xuxa e o Trem da Alegria. Artistas como Fábio Júnior começaram a carreira se passando por estrangeiros e, quando não sabiam falar inglês, iam aos programas de auditório ou shows sem poder abrir a boca para entrevistas para não entregar a encenação.

Por trás desses artistas havia alguns personagens essenciais, que eram os músicos de estúdio. Um capítulo do documentário é dedicado ao grupo paulista “Os Carbonos” e outro episódio, aos cantores de estúdio e de coros, responsáveis pelos backing vocals. A história d’Os Carbonos é digna de registro. O grupo é composto por três irmãos de talento que trabalhavam em estúdios incessantemente, de segunda a segunda, fazendo as bases para uma infinidade de artistas de vários estilos. Foram tantas gravações que nem eles sabem em quantas músicas e discos tocaram. Se houvesse registro, pelas contas de Barcinski, provavelmente o grupo estaria no livro Guinness como os artistas com mais horas registradas em fonogramas.

O documentário ainda trata de várias outras histórias bem legais como, por exemplo, o surgimento do mercado de música infantil no Brasil. São episódios curtos, algo como 30 minutos, e de conteúdo rico. Fica a dica para quem quiser saber mais sobre nossa música. E fico na torcida para ter uma segunda temporada.

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