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Milton Nascimento e sua música

12 de Marco de 2019, por Renato Ruas Pinto

Em uma coluna recente, mencionei livros sobre música que havia lido e fiquei devendo escrever sobre o excelente “A Música de Milton Nascimento”, do instrumentista, compositor e pesquisador Chico Amaral. Chico Amaral é um artista impressionante por transitar tão bem em diversas praias. Saxofonista respeitado nos circuitos de música instrumental, Chico também domina a linguagem da canção. Mais conhecido do grande público por sua vertente pop e parcerias com Samuel Rosa e o Skank, Chico Amaral assina as letras de várias músicas que estouraram, como “Garota nacional” e “Vou deixar”. E falando em letra, Chico mostra nesse livro que também domina as palavras em um formato bem diferente da canção.

É um livro surpreendente em vários aspectos. A começar pelo seu formato menos usual, que mescla uma parte descritiva e de análise da obra e vida de Milton Nascimento, com uma longa entrevista com o próprio. Além disso, o autor traz também uma breve resenha dos discos mais significativos da carreira de Milton. Por fim, no anexo vem uma série de entrevistas de artistas ligados a Milton e que trazem uma visão muito interessante acerca do músico. Uma outra característica um tanto interessante, especialmente para musicistas profissionais ou para quem se atreve um pouco mais em teoria e harmonia, são as partituras analisando alguns trechos de música. Ao final, ainda há algumas partituras completas comentadas. Não é possível falar de Milton sem tratar da revolução que ele fez na harmonia da música popular. Assim, esse recurso usado no livro, de analisar com detalhes alguns trechos, é algo que enriquece e muito a leitura e a busca das respostas que o autor se propôs a responder na introdução.

A primeira pergunta é: “De onde vem a música de Milton?”. O ponto aqui é entender como um músico sem estudo formal de harmonia conseguiu criar caminhos tão inovadores que fazem com que a academia hoje se debruce sobre eles para entendê-los. A segunda pergunta é se quem comenta e analisa Milton e sua obra – imprensa, pesquisadores e outros – não subestima o seu papel e importância. Duas perguntas nada triviais, mas para as quais o autor propõe respostas elegantes e possibilidades interessantes. Sobre a harmonia de Milton, como citei, foi uma das grandes revoluções que ele fez na música brasileira. Possivelmente, a principal do ponto de vista musical no Brasil desde a Bossa Nova. Uma revolução que atravessou fronteiras e colocou Milton em destaque no cenário mundial, ganhando admiração (e regravações) de músicos do calibre de Herbie Hancock e Wayne Shorter, além de discos lançados exclusivamente para o mercado norte-americano.

A riqueza da música de Milton não se deve só à sua harmonia, mas também ao seu leque amplo de influências e temáticas. Ele foi muito influenciado pela música brasileira que se ouvia no rádio e discos de seu tempo, como o samba-canção e a Bossa Nova. Curiosamente, ele afirma que seu estilo de cantar foi moldado por sua admiração pelas grandes cantoras do rádio, como Ângela Maria. Não lhe agradavam os cantores da época por conta do canto baseado somente na potência da voz. Milton preferia suavidade e emoção. Além dessas influências mais óbvias, estão presentes na obra de Milton a música ibérica, a música religiosa e a música de manifestações populares, como o congado.

Todo esse caldo resultou em um estilo único e que formou uma geração de artistas a ponto de Milton ser considerado um dos expoentes de algo que se considera um movimento, o “Clube da Esquina”. Não bastasse isso, sua voz incrível e seus falsetes influenciaram cantores em todo o mundo. Tal como Chico Amaral questiona, será que estamos dando a devida importância ao trabalho de Milton e o seu lugar que lhe é de direito no panteão da música? De todo modo, a resposta à primeira pergunta, de onde vem toda essa música, permanece um mistério mesmo após a leitura. Creio que o melhor a fazer é contemplar essa maravilha chamada Milton Nascimento.

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