“Sete anos de pastor Jacó servia Labão...” E quem era o Labão? Pai de Raquel, uma bela serrana. Mas o Jacó servia patavina ao Labão. Ele estava de olho era na bonita Raquel. Como é que essa história termina? Vai lá na bíblia e lê. Tem também uma versão mais curta: a do Camões. Só quatorze linhas.
Comigo, a coisa não deu soneto nem sonata. O meu Labão era um funcionário do... bem, digamos... trabalhava fora de Resende Costa. Tinha um sítio nas cercanias da cidade. Rico, enorme sítio, imenso patrimônio, uma linda filha e um inusitado sonho:
– Quero passar num concurso público. Sempre a mesma história: a prova vence e eu nunca ganho.
Ah, sim. O homem era chegadinho num cacófato.
– Nem precisa assumir nada. Só quero passar. É necessidade da alma minha.
Amigos seus já tinham passado em concursos e ele era o único que não. Queria só sentir o gostinho. Tanto insistiu que aceitei dar umas aulas pra ele... mas, na verdade, não servia a ele e sim a ela, e a ela só por prêmio pretendia: sua linda filha, que, por sinal, já andava arrastando asa pro meu lado.
Toda quarta-feira eu ia ao sítio dar aula de gramática pro homem. A filha sempre me trazia um café, deixando seu braço roçar o meu ombro. Eu não reagia, claro. O pai jamais viu isso, pois aquilo era um objeto indireto alcançado por uma regência oblíqua sem complemento. Coisa raríssima.
Cobrava barato dele. E ele topou pagar:
– Topei dar vinte pratas!
Era finzinho dos anos oitenta. O Edílson Daher iria inaugurar um scotch bar em cima da padaria Sobrado, com Paulinho Pedra Azul e tudo. Porém, o Labão das Lajes me convidou para almoçar naquele fim de semana. Aceitei o convite e convidei a garota para o show.
Depois do almoço, o homem me contou a história dele.
– ... e aí, o sítio ficou pra mim. Eu fiquei como herdeiro. Eu havia dado o contra, mas acabei aceitando.
Parou de falar e olhou ao redor, como que procurando alguém. E gritou:
– Fada! Vem cá! Traz os cavalos!
Chegou a linda filha com dois cavalos arreados. Arrepiei, pois eu nunca tinha subido num cavalo. Nem de carrossel. O pai, num pulo só, já estava em cima do bicho. Tentei imitar o giro do Labão e subi. De repente, a cabeça do cavalo sumiu.
– Você montou ao contrário. – disse o irmãozinho.
O cavalo já me olhava de lado, como que cismado. No que tentei descer, escorreguei e caí deslizando e agarrando as ancas do cavalo. O equino, desconfiado das minhas intenções, despachou um coice que raspou a minha orelha.
– Tenta de novo – era o irmãozinho outra vez. – Esse cavalo nunca foi montado e você também nunca montou. É bom que vocês dois aprendem juntos.
À noite, fui ao show com a garota. A fada me beijava e flertava com outros. A fada abraçava outros e me flertava. Quer saber? Resolvi colocar uma pedra azul em cima do assunto. Fui embora sozinho, porém em paz.
De vez em quando, eu meu lembro de tudo isso. Será que o Labão conseguiu passar em algum concurso? E a garota? Linda! Essa fada...!