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O mico dos finados

14 de Maio de 2019, por José Antônio

A maior infelicidade das frases infelizes é felicitar o ridículo. E a relação é inversamente proporcional: quanto mais infeliz a frase, maior o mico.

O homem até hoje está aprendendo coisas básicas desde que desceu das árvores. Falar é uma delas. Sempre há aquela palavra que não deveria ser dita. O negócio acontece porque ainda não entendemos que na relação entre pensamento e palavra, o pensamento é sempre o mais importante. Pensar no contexto, em quem vai ouvir o que vou dizer, os possíveis sentidos do que vou falar... pra depois a frase ser proferida.

Quantas brincadeiras bem intencionadas que viraram frases de mau gosto... Quantos elogios rasgados transformados em retalhos de constrangimento... quantas opiniões impensadas que tropeçaram na ofensa...

Costumo ir ao cemitério no Dia de Finados. Visito os túmulos dos meus parentes que estão me aguardando. Até mesmo no cemitério as frases infelizes aparecem pra dizer que ainda não morreram. Ao lado de mim, uma mocinha ajeitava umas flores sobre a lápide de mármore. Deu um último retoque, levantou-se, olhou fixamente o túmulo e suspirou. De repente, chega uma outra moça e...

– Olá! Quanto tempo!

– Oi! Que bom te encontrar por aqui!

“Que bom te encontrar por aqui...” A gente nunca deve falar uma frase dessa quando encontra alguém no cemitério.

Lá no portão, a frase infeliz também apareceu. Uma mulher vendia flores e, na hora em que eu entrava, lá veio a pataquada:

– Olha a flor, moço! Leve umas pra agradar o morto.

Ainda no portão, ouvi outra. Alguém saía e se encontrou com um conhecido que chegava. Quem estava saindo do cemitério emplacou o implacável:

– Oi, primo! Pode esperar lá dentro. Só vou dar uma saidinha e volto logo.

A vida tem umas coisas assim. Meu amigo Mané Cráudio é sempre protagonista dessas coisas da vida. Mané Cráudio nasceu pagando mico. Vive pagando mico. Vai morrer devendo mico. Mané Cráudio não nasceu: ele deu um fora. Nesse Dia de Finados, meu amigo (amico!) pagou o símio no terreno dos mortos. Chegou perto de uma mulher que chorava à beira do túmulo e perguntou, compungido, apontando para o nome do sepultado:

– Morreu?

O mico persegue o Mané Cráudio. É sua segunda natureza. Até mesmo para conhecer a pessoa amada. Pois ele conheceu sua cara metade num Dia de Finados, enquanto ele passeava entre os túmulos. Trocou olhares com uma que também estava por ali... o papo rendeu... encontraram-se mais vezes... e estão casados. Aí, sempre tem um que pergunta:

– Onde foi que vocês se conheceram?

E o Mané Cráudio, sem titubear:

– No cemitério.

E é mentira?

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