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A gargalhada do vilão

17 de Outubro de 2015, por José Antônio

Se tem uma coisa que me intriga é a gargalhada do vilão. É famosa aquela gargalhada estridente e esganiçada da bruxa. E a do Drácula? Dizem que é uma risada grave e gutural, apesar de eu nunca ter visto o vampiro parente do Batman dando gargalhadas.

Certa vez, eu estava visitando uma casa do pavor, num parque temático, e eis que do nada surge à minha frente um esqueleto. E a caveira caiu na gargalhada para me assustar. Rindo de quê? Que humor é esse?

Em filmes de mocinho e bandido, então, as gargalhadas dos vilões proliferam. Quem é que nunca viu uma cena em que o bandido aponta o revólver para o bom rapaz e fala, sadicamente:

Você vai morrer agora! – logo a seguir, a risada maldosa: Ah! Ah! Ah!

Ou esta outra cena, em que a pobre garota está em apuros, tentando escapar do maldito criminoso e este, ato contínuo, ri prazerosamente encurralando a coitada.

Passei a olhar o riso dos vilões e percebi que eles são bem-humorados. É difícil o herói aparecer às gargalhadas. Acho que nunca vi um herói risonho. Deve ser aquela coisa da condenação do riso, que o riso deprecia enquanto a seriedade valoriza... aquelas coisas lá dos mosteiros da Idade Média.

Elucubrações à parte, há de se convir que os vilões têm muita serotonina. É até covardia: enquanto o herói entra com uma injeção de adrenalina, o vilão bebe um balde de serotonina e outro de dopamina. O resultado é aquela risaiada que a gente não sabe se é alegria ou loucura. Mas que tem prazer, isso tem. Se não tivesse, quem riria?

O Leovaldo, meu amigo contemplado pelas agruras de uma vida repleta de cismas, dúvidas e angústias, teve uma namorada assim: ria que não acabava mais. Você chegava, dava bom-dia e a Antônia disparava a rir. Ah, sim, ela se chamava Antônia. Mas todo mundo a tratava por Toninha.

Ria demais a danada. Carregava umas oito calcinhas dentro da bolsa, pois ria a ponto de lacrimejar tanto pelas setentrionais órbitas oculares quanto pelos canais uretro-meridionais. Pus um apelido nela: Serotoninha.

Toninha só não ria em velório de deputado, para os outros não pensarem que ela era a viúva. Leovaldo, afogado em cismas, chegou a duas conclusões dilacerantes: Toninha era louca e ele era palhaço. E resolveu terminar o namoro, pois de palhaço e louco todos têm um pouco... e ele tinha demais!

Agora, os vilões... Ainda não consegui ver o humor que eles encontram no medo da vítima, na maldade que eles fazem, nas destruições que promovem. Conversei com meu amigo Marcus Vinicius de Andrade Peixoto, especialista em Filosofia e existencialista por comodismo. Dedica-se agora aos estudos sobre o Nada nos intervalos da batida do Olodum. Passa o dia inteiro escutando momentos sem som para ver se encontra o Nada, numa de psicodélico zen.

Como sempre, ele fechou os olhos e respondeu naquela serenidade da moleza de Caymmi com sono:

– Há risadas do bem... Deus conta piadas aos espíritos puros. Há risadas do mal... o diabo faz cócegas nos espíritos impuros.

– E pessoas como a Toninha? – indaguei.

Marcus Vinicius de Andrade Peixoto acabou de comer lentamente o acarajé, limpou os lábios com um pedaço de pano, passou repetidas vezes a língua pelos dentes, mantendo a boca fechada, e disse em sua sabedoria vestida de abadá:

 

Tem gente que é boba mesmo. 

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