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Bicho de papel

12 de Novembro de 2019, por José Antônio

Vai aí uma crônica para a criança que me lê. Principalmente para a criança que está dentro de você, meu leitor amigo, minha leitora confidente.

Criança que me lê, gostaria eu de deixar alguma coisa para a sua vida, para a vida do ainda de sua existência. Difícil tarefa com poucas palavras e uma crônica. Mas literatura é isto: buscar o muito mexendo com o pouco.

Você, com certeza, gosta de bicho. Bicho é divertido, companheiro, simples e... ensina muito. Faça de conta que minha crônica é bicho: diverte-se com as palavras, companheira das reflexões, simples no despojamento de frases chiques e – quem dera! – procurando ensinar algo. Vamos soltar os bichos pra gente entender o que é o bicho da crônica!

A crônica, criança, tem que aproveitar o momento, sem grandes pretensões, pois mais vale um pássaro na mão que dois na gaiola. A inspiração é assim: chega sedutora, mas exige trabalho. O jeito é escrever: o dono do boi é quem pega no chifre.

Às vezes, sai um texto bom e fico alegre como se tivesse visto o passarinho do rabo verde; outras vezes, sai um texto pobre, chato, conversa pra boi dormir. É aí que a gente tem que ser macaco velho: quando a crônica não está aparecendo como devia, é hora do cronista dar uma parada, ler, conversar, ouvir e prestar atenção, igual coruja. Assumo essa cautela, pois, como sou macaco velho, não meto a mão em cumbuca.

Por outro lado, já escrevi porcarias... e alguns gostaram. Também já aconteceu de eu escrever coisas ótimas... e poucos entenderem. Uma vez, quase me processaram. Que fazer? Os cães ladram e a caravana passa. Sabe? Cachorro que muito late não morde.

O desafio da crônica vale a pena: a pena de brigar com as palavras feito cão e gato; a pena de acordar no meio da noite, que nem galo pontual, e escrever para não perder a ideia; a pena de colocar risos e lágrimas, vidas e mortes em linhas contidas, para que o texto supere as palavras. Sempre soube disso e, quando escrevo, não posso pensar nessas coisas senão a crônica não sai. Eu quero é a minha crônica. Pode ser ela engraçada ou lírica, não me interessa. Tenho que abrir o curral das minhas angústias e soltar a embriaguez do meu coração. Não quero saber se o pato é macho ou fêmea, o que eu quero é o ovo.

Pois é... mas como conseguir isso, perguntarão alguns. Sinto muito, não ensino o pulo do gato. Apenas procuro organizar o que penso e o que escrevo, cada macaco no seu galho, apesar da minha crônica ser uma árvore em que cada leitor põe o seu próprio galho. No entanto, os macacos sempre variam de galho e a escrita leva a universos imprevisíveis. Por isso, meu texto parece um bicho, um bicho de estimação: revela mas não confia, brinca mas pode ferir. É um bicho, mesmo que de papel.

Aí vai mais uma crônica... ou será que aí fica mais uma crônica? Um dia, pretendi a permanência e a efemeridade me feriu. Gato escaldado tem medo de água fria. É melhor dizer que aí está mais uma crônica. Se vai ou se fica... só vou saber quando galinha tiver dente.  

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