Se o mundo é um imenso teatro onde homens e mulheres desempenham variados papéis, bem que Shakespeare podia ter completado que tais papéis são desempenhados com máscaras. Os papéis são variados para cada ser humano, assim como as inúmeras máscaras que ele tem que assumir para que a sociedade não morra por causa da implosão das conveniências.
Nossas mais primitivas intenções e necessidades viram negações cretinas proferidas pela ditadura do disfarce. Talvez tenha que ser assim mesmo, pois se tirarmos as máscaras, o rosto que vai aparecer é terrível demais para ser visto. Na vida social, a verdade é igual à Medusa: atrai, mas não é bom que seja encarada.
Já pensou se aparecessem estabelecimentos com cara de Medusa? Já pensou se surgissem anúncios que tirassem a máscara?
Uma casa de velório:
NOME: O ponto do velório
SLOGAN: Guardamos a sua visita.
Um dentista:
NOME: Dr. Jacinto Nascimento das Dores
SLOGAN: O martírio que alivia.
Um açougue:
NOME: Açougue Vaca Morta
SLOGAN: Matando a sua fome.
Um motel:
NOME: Paga & Geme
SLOGAN: O gasto do gosto.
Uma farmácia:
NOME: O refúgio do doente
SLOGAN: Douramos a pílula.
Uma funerária:
NOME: Funerária Alças do Adeus
SLOGAN: Mais de três décadas sepultando possibilidades.
Seguro de vida:
NOME: A alegria do alheio
SLOGAN: Toque o pandeiro para os outros dançarem.
No fundo, esses títulos e slogans estão certos. Mas as conveniências os transformam em metáforas suaves, maquiando a cara da Medusa. Talvez a literatura seja um pouco disso também: cruel e cínica. Cruel ao cutucar na inexorável e dolorida peregrinação do homem rumo ao seu próprio fim. Cínica ao se fantasiar de estética verbal.
Que me desculpe o Shakespeare, mas o “Ser ou não ser, eis a questão” não passa de um simples “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.