Voltar a todos os posts

Frio é psicológico

16 de Junho de 2011, por José Antônio

Era assim que eu costumava me referir aos meus alunos quando os via agasalhados naquelas noites geladas de maio e junho. Em Resende Costa, esses dois meses pintam o céu com um azul diferente e esfriam as horas com um vento que só quem nasce por aqui conhece.

Nunca fui de usar muita roupa. Muitas peças me tiram o movimento e a agilidade. Gesticulo muito ao falar e, quando estou com muito pano, parece que estou amarrado.

Noites cortantes, até os ossos ficavam molhados de sereno. E eu lá, o único no Assis Resende usando manga de camisa.

– Você não está sentindo frio? Virou homem de aço?

Eu dava um sorriso torto, meio cínico, meio sádico:

– Frio é psicológico.

Isso irritava o agasalhado que me ouvia. Mas, por outro lado, me fazia sentir um certo prazer de superioridade. O homem que não sente frio. Uma noite, estávamos tocando violão e cantando nas lajes da Matriz. Olhei ao redor e formávamos uma orquestra encapotada. Menos eu.

– O que é isso, gente? Frio é psicológico.

Frio é psicológico... Só mesmo um doido de gelo pra pensar assim. E essa minha loucura glacial me levou a pagar um mico quente.

Numa festa junina em São João del-Rei, tomei não sei quantos copos de quentão. Bebi tanto quentão que já estava dizendo que frio é psicológico em cinco línguas, todas travadas. Não deu outra: inflamação forte na garganta. Não deu outra também: cama e antibiótico.

Fiquei sem ir a Resende Costa uma semana. Quando voltei, apareci na escola com uma jaqueta grossa e uma blusa cacharrel de lã. Lembro-me de que eu estava entrando na sala onde quase todo mundo tinha se estrepado com a minha prova de literatura. As relações estavam ao mesmo tempo tensas e frias... e essas relações frias não eram psicológicas.
A turma foi entrando aos poucos e todos me olhavam ora com estranhamento, ora com um olhar de deboche. Eu agasalhado?

O psicológico falhou. Ficaram sabendo que estive adoentado e teria que usar aquela fantasia de urso até o inverno ir embora. O frio deixou de ser psicológico.

Uma das alunas, Ana Cristina, passou por mim com cara fechada e entrou na sala dizendo para uma amiga, com um risinho desafiador:

– Frio é psicológico.

Tentei responder, mas falar o quê? Meus argumentos estavam congelados.

Ao longo da aula, de vez em quando eu tentava lançar um olhar bravo para a turma, pois o pessoal se esforçava para não rir do Professor Freezer. Naquela época, estava na moda o RPM. Lembrei-me da música Olhar 43. Então lancei para todos o meu olhar 43.

... 43 graus de febre!

Comentários

  • Author

    Adorei a crônica.Me lembro direitinho da cena :eu e Cléia passando pelo nosso amado professor todo agasalhado no corredor...Não podíamos deixar de comentar,afinal ele sempre ostentou que frio era pisicológico...Saudades do nosso querido mestre,do nosso Assis Resende...abraços Zé...


Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário