Era assim que eu costumava me referir aos meus alunos quando os via agasalhados naquelas noites geladas de maio e junho. Em Resende Costa, esses dois meses pintam o céu com um azul diferente e esfriam as horas com um vento que só quem nasce por aqui conhece.
Nunca fui de usar muita roupa. Muitas peças me tiram o movimento e a agilidade. Gesticulo muito ao falar e, quando estou com muito pano, parece que estou amarrado.
Noites cortantes, até os ossos ficavam molhados de sereno. E eu lá, o único no Assis Resende usando manga de camisa.
– Você não está sentindo frio? Virou homem de aço?
Eu dava um sorriso torto, meio cínico, meio sádico:
– Frio é psicológico.
Isso irritava o agasalhado que me ouvia. Mas, por outro lado, me fazia sentir um certo prazer de superioridade. O homem que não sente frio. Uma noite, estávamos tocando violão e cantando nas lajes da Matriz. Olhei ao redor e formávamos uma orquestra encapotada. Menos eu.
– O que é isso, gente? Frio é psicológico.
Frio é psicológico... Só mesmo um doido de gelo pra pensar assim. E essa minha loucura glacial me levou a pagar um mico quente.
Numa festa junina em São João del-Rei, tomei não sei quantos copos de quentão. Bebi tanto quentão que já estava dizendo que frio é psicológico em cinco línguas, todas travadas. Não deu outra: inflamação forte na garganta. Não deu outra também: cama e antibiótico.
Fiquei sem ir a Resende Costa uma semana. Quando voltei, apareci na escola com uma jaqueta grossa e uma blusa cacharrel de lã. Lembro-me de que eu estava entrando na sala onde quase todo mundo tinha se estrepado com a minha prova de literatura. As relações estavam ao mesmo tempo tensas e frias... e essas relações frias não eram psicológicas.
A turma foi entrando aos poucos e todos me olhavam ora com estranhamento, ora com um olhar de deboche. Eu agasalhado?
O psicológico falhou. Ficaram sabendo que estive adoentado e teria que usar aquela fantasia de urso até o inverno ir embora. O frio deixou de ser psicológico.
Uma das alunas, Ana Cristina, passou por mim com cara fechada e entrou na sala dizendo para uma amiga, com um risinho desafiador:
– Frio é psicológico.
Tentei responder, mas falar o quê? Meus argumentos estavam congelados.
Ao longo da aula, de vez em quando eu tentava lançar um olhar bravo para a turma, pois o pessoal se esforçava para não rir do Professor Freezer. Naquela época, estava na moda o RPM. Lembrei-me da música Olhar 43. Então lancei para todos o meu olhar 43.
... 43 graus de febre!
Frio é psicológico
16 de Junho de 2011, por José Antônio
Leitor do JL - 18/06/2011
Adorei a crônica.Me lembro direitinho da cena :eu e Cléia passando pelo nosso amado professor todo agasalhado no corredor...Não podíamos deixar de comentar,afinal ele sempre ostentou que frio era pisicológico...Saudades do nosso querido mestre,do nosso Assis Resende...abraços Zé...