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Halloween

17 de Novembro de 2016, por José Antônio

A ideia foi do Percival:

– Chega desse troço aí de Halloween estrangeiro, cara! Pra que usar assombração gringo? A gente tem os nossos. Cadê o orgulho?

O Percival era implicante com tudo. Logo que nasceu, já quis entrar com um recurso contra o obstetra, alegando maus tratos por causa daquele tapinha na bunda pra ele chorar.

– O que você quer dizer com isso, Percival? – quis saber o Pereira.

– Que a gente pode fazer um Halloween com assombração do nosso folclore. Nada de sair por aí vestido de bruxa ou Drácula. Isso é coisa de gringo. A gente nunca é brasileiro. Fomos descobertos por portugueses, invadidos por holandeses e até hoje somos fiscalizados por americanos.

– Mas o que você quer?

– O Halloween é amanhã. Vamos dar o grito de resistência e vestir figuras nossas. Eu posso citar dois assombrações já de cara: o Saci Pererê e a Mula sem Cabeça.

– Tem também o Boitatá.

Era o Bonifácio, que até agora estava calado.

– Pronto! O grupo está formado. Amanhã à noite, vamos fazer um Halloween brasileiro. Eu vou de Mula sem Cabeça, tenho a fantasia. Você, Pereira, bota um calção vermelho e um gorro. Você será o Saci. O Boitatá vai ser o Bonifácio.

E marcaram pra se encontrar no portão do Cemitério do Sumiço, carinhosamente apelidado pela comunidade.

O Percival foi o primeiro a chegar. Não veio fantasiado. A carcaça da mula descabeçada estava dentro de uma sacola grande. Logo depois, chegou o Bonifácio. Trajava uma cobra ridícula, mais parecia uma mangueira do corpo de bombeiros pegando fogo.

– É pólvora que eu coloquei nesse canudo, mas é só pra fazer fumaça. Não vai explodir nada. Cadê o Pereira? Ele não é o Saci?

Foi só falar no Pereira que o Saci apareceu. Desceu do carro com gorro, calção e um cachimbo apagado. Só que não escureceu a pele. Não deu tempo. O Percival estrilou:

– Saci Pererê branco? Isso não existe. Além disso, todo mundo vai ver que é você, Pereira.

– Saci Perereira... – disse baixinho o Boitatá fumegante.

– Vamos assim mesmo. Fazer o quê? – resignou-se com raiva o Percival.

Quando já estavam prontos pra sair pelas ruas brasileiras, o Percival encrencou;

– Desse jeito não vai dar, Pereira. Além de saci branco... saci de duas pernas? E ainda por cima arqueadas?

O Pereira foi pra trás do cemitério e voltou um pouco depois. Cortou uma das pernas da calça e enfiou as suas duas numa só. Só que elas continuavam arqueadas lá dentro... espremidas e arqueadas. Tal como uma perereca ensacada. Ele ainda deu uns pulinhos pra ficar mais real.

– Saci Perereca... – outra vez o Boitatá.

E foram assim mesmo. Tudo pela causa do bem de todos e felicidade geral da nação.

Nem bem começou a caminhada, o trio nacionalista teve que desistir da intentona: a pólvora do Bonifácio explodiu e mandou fogo na calça apertada do Pereira. Foi aquela correria, todo mundo tentando apagar, o Pereira gritando, a Mula sem Cabeça mais sem cabeça ainda... mico geral.

Ontem, o Percival e o Bonifácio foram visitar o Pereira no hospital. Queimadura séria, coitado. Ficou que nem pele de porco tostada. Nem bem entraram no quarto e o Bonifácio comentou baixinho:

– Saci Pururuca.

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