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Meu desenho

16 de Agosto de 2020, por José Antônio

Sonhei que sabia desenhar.

Nos contornos do meu sonho, eu criava imagens, sombreava panoramas, traçava diferentes ângulos em variadas perspectivas... Uma beleza que só vendo!

Meus desenhos eram em preto e branco. Curioso, pois em todos os meus outros sonhos sempre identifiquei as cores das roupas das pessoas, os matizes de uma paisagem, coisas assim. Mas nesse sonho não. Foi a primeira vez que sonhei em preto e branco.

Lembro-me de que desenhava um rosto de mulher. Ela usava um chapéu floppy e tinha os olhos agateados. Assim que acabei o desenho, entreguei-lhe a obra. Ela recebeu sorrindo e a pendurou no céu.

Meus sonhos sempre foram um caleidoscópio de cenas e imagens, tudo de modo esparso e de mudanças bruscas. Ainda no mesmo sonho, eu desenhava a lua. E o desenho ficou lindo. A lua quase pulsava. Em cada fase, uma feição diferente. Coloquei a lua entre as nuvens e escrevi: “As faces da lua.”

Num corte súbito, eu já estava desenhando um antigo gato que tive. Já falecido. O gato parecia redivivo. Olhava fixamente para mim e miava de um modo tranquilo. Tão traquilo quanto à tonalidade suavemente cinza de seus pelos.

Acordei entusiasmado.

 No banho, a água deslizando em minha pele fazia contornos que pediam definições. Meu corpo e a água queriam desenhar. Cheguei a riscar o esboço de uma ave no vidro embaçado do box. Asas abertas e peito abraçando o voo. O sonho que tive à noite me fez descobrir em mim um artista que eu não conhecia. Eu estava convicto de que sabia desenhar.

Mas... não seria o sonho que estava continuando? Absolutamente! O sonho tinha virado realidade. Realidade molhada e limpa, higienizada dos meus limites quanto a saber desenhar.

Saí voando do banho, sem enxugar a inspiração. Alguns minutos depois, já estava eu à mesa construindo a minha obra. O lápis corria enquanto eu tomava o meu café com leite. E comecei a desenhar uma tartaruga.

Desenhei-a vista de cima, caminhando para o mar. Caprichei nos contornos do quelônio vagaroso. Fiz até um dégradé interessante entre o preto, o branco e o cinza.

Enfim, minha tartaruga ficou pronta, depois de setenta e cinco minutos e oito copos de café com leite.

– Aí, filho! Olha o que eu desenhei!

E ele, na sinceridade cruel e crua que toda criança já consegue ter com três anos:

– Nossa, pai! Que legal o ovo frito que você desenhou!

E continuou a brincar com os seus toquinhos de madeira no chão.

Minha tartaruga morreu numa frigideira...

Fazer o quê? Não insistir, pensava eu enquanto massageava a minha barriga inundada de café com leite.

Quem nasceu pato não chega a pavão. Mas, pelo menos, o ovo que a pata botou eu desenhei bem.

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