Sonhei que sabia desenhar.
Nos contornos do meu sonho, eu criava imagens, sombreava panoramas, traçava diferentes ângulos em variadas perspectivas... Uma beleza que só vendo!
Meus desenhos eram em preto e branco. Curioso, pois em todos os meus outros sonhos sempre identifiquei as cores das roupas das pessoas, os matizes de uma paisagem, coisas assim. Mas nesse sonho não. Foi a primeira vez que sonhei em preto e branco.
Lembro-me de que desenhava um rosto de mulher. Ela usava um chapéu floppy e tinha os olhos agateados. Assim que acabei o desenho, entreguei-lhe a obra. Ela recebeu sorrindo e a pendurou no céu.
Meus sonhos sempre foram um caleidoscópio de cenas e imagens, tudo de modo esparso e de mudanças bruscas. Ainda no mesmo sonho, eu desenhava a lua. E o desenho ficou lindo. A lua quase pulsava. Em cada fase, uma feição diferente. Coloquei a lua entre as nuvens e escrevi: “As faces da lua.”
Num corte súbito, eu já estava desenhando um antigo gato que tive. Já falecido. O gato parecia redivivo. Olhava fixamente para mim e miava de um modo tranquilo. Tão traquilo quanto à tonalidade suavemente cinza de seus pelos.
Acordei entusiasmado.
No banho, a água deslizando em minha pele fazia contornos que pediam definições. Meu corpo e a água queriam desenhar. Cheguei a riscar o esboço de uma ave no vidro embaçado do box. Asas abertas e peito abraçando o voo. O sonho que tive à noite me fez descobrir em mim um artista que eu não conhecia. Eu estava convicto de que sabia desenhar.
Mas... não seria o sonho que estava continuando? Absolutamente! O sonho tinha virado realidade. Realidade molhada e limpa, higienizada dos meus limites quanto a saber desenhar.
Saí voando do banho, sem enxugar a inspiração. Alguns minutos depois, já estava eu à mesa construindo a minha obra. O lápis corria enquanto eu tomava o meu café com leite. E comecei a desenhar uma tartaruga.
Desenhei-a vista de cima, caminhando para o mar. Caprichei nos contornos do quelônio vagaroso. Fiz até um dégradé interessante entre o preto, o branco e o cinza.
Enfim, minha tartaruga ficou pronta, depois de setenta e cinco minutos e oito copos de café com leite.
– Aí, filho! Olha o que eu desenhei!
E ele, na sinceridade cruel e crua que toda criança já consegue ter com três anos:
– Nossa, pai! Que legal o ovo frito que você desenhou!
E continuou a brincar com os seus toquinhos de madeira no chão.
Minha tartaruga morreu numa frigideira...
Fazer o quê? Não insistir, pensava eu enquanto massageava a minha barriga inundada de café com leite.
Quem nasceu pato não chega a pavão. Mas, pelo menos, o ovo que a pata botou eu desenhei bem.