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Pé de valsa

13 de Julho de 2010, por José Antônio

Eu ainda era adolescente, aluno de colégio. Uma das colegas estava fazendo quinze anos e ganhou do pai uma festa de debutante. Era uma daquelas meninas no frescor da idade: muitos risinhos, muitos chorinhos, cheirinho nos lápis, na borracha, no estojo, coisinhas vermelhas amarradas no cabelo... uma frescura completa.
 
A tal da menina cismou de arranjar quinze pares para a dança da valsa de debutante. Conversa daqui, anuncia dali, promete mais acolá... Pronto. Eu era um dos quinze.
 
No primeiro ensaio, todos a postos. A mãe da menina realizava a façanha de ser mais fresca do que a filha:
 
Atenção, meus amores que dançam! Vocês vão participar da valsa mais importante de suas vidas. Quinze anos da Juliana. Quero todos bem alegres.
 
E começou a bater palminhas e dar pulinhos:
 
Bem alegres. Sorriam, a vida é florida.
 
Aquilo não iria dar certo. Ainda mais porque ninguém ali sabia dançar valsa. Porém, não havia tempo de transformar aquela porção de bibelôs em dançarinos. A grande noite chegou e cada casal tentou dançar a sua própria valsa. Lembro-me de que dancei jogando os pés pra fora, que nem pato angustiado. Pisei nos pés até da menina do outro par.
 
O tempo passou e já era fim de 1986: formatura dos terceiros anos do Assis Resende, uma turma de Contabilidade e outra de Magistério. Eu estava em sala de aula quando recebi um recado de que a Eunice, diretora da escola, estava me chamando.
 
Gostaria que você ensinasse os formandos a dançarem valsa. Você sabe dançar valsa?
 
Lembrei-me do pato angustiado.
 
É coisa simples. É que o pessoal está meio duro. Falta um pouco de molejo. Você faria isso por mim?
 
Sempre gostei muito da Eunice e acabei aceitando. Botaram o Danúbio Azul pra rodar e comecei as lições.
 
Atenção, meus alunos que dançam! Vocês vão participar da valsa mais importante de suas vidas. Quero todos bem alegres.
 
Lembrei-me da mãe da Juliana e parei de falar antes que eu começasse a bater palminhas e dar pulinhos.
 
Na noite do baile, a hora da valsa. Todos fizeram silêncio. Os rapazes chegaram em fila elegantemente vestidos e se aproximaram das moças – lindas naquele salão. As vênias foram feitas e o Danúbio Azul voltou a rodar. E todos os pares fizeram exatamente como eu tinha ensinado. Notei que todos os casais jogavam discretamente os pés pra fora. Estilo do mestre.
 
Quando tudo terminou, voltei sozinho pra casa. Pensei até em montar um balé. Mas logo afastei a ideia. Já existe a Morte do Cisne. Pra que montar a Morte do Pato?

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