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Unhas pintadas

14 de Novembro de 2017, por José Antônio

A mulher pinta as unhas. Ou pinta as garras? Como felinas cromáticas, sabem arranhar colorido. Cravam cores e matizes na pele vulnerável da vítima masculina. Então a corrente sanguínea vira esmalte.

E as tonalidades? E os nomes para as tonalidades? Covardia para os meus pobres bastonetes.

Foi num jantar que reparei quando ela erguia suavemente a taça de vinho até os lábios:

– Bonito o esmalte!

– Nunca fui santa...

– Hein?

– É a cor do esmalte: “Nunca fui santa”.

Outra noite, no concerto sinfônico. Ela se virou para mim... e falou baixinho e insinuante:

– Beijo roubado...

A ocasião fez o ladrão. Ela ficou brava:

– O que é isso? Ficou maluco? Estamos num concerto. Tem plateia aqui. Onde já se viu? Beijar...

– Mas você disse...

– “Beijo roubado” é o nome do esmalte.

Afundei-me na cadeira, mais vermelho que nariz de palhaço... que, por sinal, também é nome de esmalte.

Musas fiandeiras do coração do homem...

Mãos ágeis... mãos sagazes... mãos ternas... mãos sádicas...

Mãos esmaltadas.

As Mãos de Eurídice roubaram o pobre Gumercindo Tavares com o esmalte “Desejo”. Depois, Eurídice pintou as unhas com o “Destino dos sonhos”. E o roubado Gumercindo abandonou a família para enricar uma aventureira. Quando o Gumercindo acordou, já era tarde. Suas próprias unhas já estavam roídas e ele afundado na miséria. Eurídice, com o esmalte “Saia justa”, assim também deixou o homem. O final da história foi esmaltado com “Ponta de ira”: a acetona amargurada de Gumercindo arrancou a tinta viva da amante.

Ariadne, com unhas do esmalte “Avista”, deixou o fio para Teseu avistá-lo e sair do labirinto. Penélope, com o esmalte “Deitar na rede”, passou anos tecendo e destecendo a mesma coisa todos os dias à espera de Ulisses.

A malfadada Eva, com o esmalte “Causei”, fez jus à cor da unha. Vai ver que não viu que a serpente usava o esmalte “Malícia”...

Unhas coloridas... São belas. São perigosas. Sabem traçar possibilidades nos riscos. Sempre que a unha pintada coça o meu desejo, eu me entrego aos arranhões da “Garota Verão” e... “Deixa beijar”!

A mulher pinta as unhas, as garras e as guerras.

E vencem.

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