A mulher pinta as unhas. Ou pinta as garras? Como felinas cromáticas, sabem arranhar colorido. Cravam cores e matizes na pele vulnerável da vítima masculina. Então a corrente sanguínea vira esmalte.
E as tonalidades? E os nomes para as tonalidades? Covardia para os meus pobres bastonetes.
Foi num jantar que reparei quando ela erguia suavemente a taça de vinho até os lábios:
– Bonito o esmalte!
– Nunca fui santa...
– Hein?
– É a cor do esmalte: “Nunca fui santa”.
Outra noite, no concerto sinfônico. Ela se virou para mim... e falou baixinho e insinuante:
– Beijo roubado...
A ocasião fez o ladrão. Ela ficou brava:
– O que é isso? Ficou maluco? Estamos num concerto. Tem plateia aqui. Onde já se viu? Beijar...
– Mas você disse...
– “Beijo roubado” é o nome do esmalte.
Afundei-me na cadeira, mais vermelho que nariz de palhaço... que, por sinal, também é nome de esmalte.
Musas fiandeiras do coração do homem...
Mãos ágeis... mãos sagazes... mãos ternas... mãos sádicas...
Mãos esmaltadas.
As Mãos de Eurídice roubaram o pobre Gumercindo Tavares com o esmalte “Desejo”. Depois, Eurídice pintou as unhas com o “Destino dos sonhos”. E o roubado Gumercindo abandonou a família para enricar uma aventureira. Quando o Gumercindo acordou, já era tarde. Suas próprias unhas já estavam roídas e ele afundado na miséria. Eurídice, com o esmalte “Saia justa”, assim também deixou o homem. O final da história foi esmaltado com “Ponta de ira”: a acetona amargurada de Gumercindo arrancou a tinta viva da amante.
Ariadne, com unhas do esmalte “Avista”, deixou o fio para Teseu avistá-lo e sair do labirinto. Penélope, com o esmalte “Deitar na rede”, passou anos tecendo e destecendo a mesma coisa todos os dias à espera de Ulisses.
A malfadada Eva, com o esmalte “Causei”, fez jus à cor da unha. Vai ver que não viu que a serpente usava o esmalte “Malícia”...
Unhas coloridas... São belas. São perigosas. Sabem traçar possibilidades nos riscos. Sempre que a unha pintada coça o meu desejo, eu me entrego aos arranhões da “Garota Verão” e... “Deixa beijar”!
A mulher pinta as unhas, as garras e as guerras.
E vencem.