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Vai encarar?

15 de Setembro de 2017, por José Antônio

Já ouvi por aí que a verdade é a perfeita correspondência entre a realidade e seu conceito. Ora, se cada um busca a sua própria perfeição, vive a sua própria realidade e se orienta pelos seus próprios conceitos, então a verdade é relativa. E isso tem até uma certa vantagem. Se a verdade é relativa, nada está definido e as situações não são inflexíveis. As situações se situam. Entenderam bem, radicais de viseira?

Tem vezes que a própria verdade nos obriga a assumir seu lado relativo e mostrar que ela pode ser interpretada de modos diferentes... e inesperados.

Outro dia, fiquei sabendo mais uma do Mané Cráudio, meu amigo pagador de mico. Mané Cráudio tem a alquimia do peru: engraçado, constrangedor, desajeitado... e aquela sensação de “não é que é mesmo?”.

Pois é. O Mané Cráudio resolveu comprar – escondido – umas revistas masculinas. Entrou na livraria e foi direto aos jornais. Enquanto folheava alguns, varria com o canto do olho tais revistas dentro dos pacotinhos de plástico. Discretamente, apanhou umas cinco, cujas capas concentrariam a circulação sanguínea na face de qualquer ser humano que tenha um só pingo de vergonha.

Na hora de pagar, Mané Cráudio, querendo sair logo dali, alegou que estava com pressa. O caixa não sabia quanto as revistas custavam, pois haviam mudado de preço. Foi aí que o rapaz, levantando aquela porção de pernas, bocas, seios e otras cositas más, gritou para o colega lá no fundo da loja:

– Piu-Piu! Ô Piu-Piu! (Até o apelido contribuiu para o requinte da coisa.) Qual é o preço dessas revistas de mulher pelada? É pro rapaz aqui, ele tá com pressa.

Mané Cráudio quase botou um ovo.

Foi logo se desculpando, assumindo a verdade num outro viés, diante de uma loja inteira que olhava para ele. Nessa hora, todo mundo vira pesquisador:

– É que eu estou fazendo uma pesquisa sobre o comportamento sexual dos habitantes do...

Foi embora sem terminar a frase, deixando nas mãos do amigo do Piu-Piu toda aquela ginecologia embalada em plástico.

A verdade tem suas exigências. Como esta outra que presenciei numa cerimônia de formatura no ginásio da escola. Lotado. Foi quando uma voz anunciou nos alto-falantes:

– Há um fusca cor-de-abóbora, com as portas azuis e um autocolante do Mickey no vidro de trás estacionado em frente a uma garagem. O proprietário, por favor, queira retirar o veículo, pois o dono da garagem precisa entrar.

O recado foi dado repetidas e cansativas vezes, mas o tal proprietário do fusca cor-de-abóbora jamais apareceu. Se estava lá na cerimônia, preferiu assumir a verdade de modo relativo e deixar que o guincho levasse embora seu jerimum de quatro rodas. Mais tarde, ele se explicaria na polícia.

Talvez fosse melhor.

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