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Os “Turcos” em Resende Costa – VI

10 de Agosto de 2010, por João Magalhães

Dona Rafa e seu irmão Pedro Carlos

A família El Corab – II

Antes que alguém questione, não são turcos, são os sírio-libaneses que, por aqui, foram apelidados de “turcos” por virem de regiões dominadas, na época, pelo império turco.

As raízes mais profundas e amplas dos El Corab em Resende Costa devem-se a Pedro Carlos El Corab e, sobretudo, a Rafa El Corab, carinhosamente chamada pela população de “dona Arafa”.

Elisabete (Bete), sua filha, a quem devo a quase totalidade das informações, explica: “Rafa” vem do hebraico: “Rafika”, em português, “Rebeca”.

Parafraseando o Evangelho de Mateus (Mt 1): Pedro Jorge El Corab e Rafa Isaac El Corab geraram Carlos Pedro El Corab. Kalil José El Corab e Franzie Saade El Corab geraram Maria Kalil El Corab. Carlos Pedro El Corab e Maria Kalil El Corab (primos em 1º grau) geraram Pedro Carlos El Corab e Rafa El Corab, a dona Arafa.

Exceto Pedro Carlos e Rafa, todos nasceram no Líbano, em Hallet, patriarcado de Monte Líbano. Como temos visto, uma boa parte dos sírio-libaneses que adentraram nossa região são familiares ou amigos, nucleados naquela localidade do Líbano.

Bete informa que por volta de 1910, seu avô Carlos veio com o irmão Addia e os tios deles, Tobias e Ibrahim Isaac El Corab, pai do conhecido José Abrão (Yussef Ibrahim El Corab). A família de sua avó materna (Maria Kalil El Corab), inclusive sua bisavó, Franzie Saade, também veio, quase toda.

Todos esses “turcos” percorreram trajetórias parecidas: imigração sob tormentosas condições, trabalhos exaustivos no mascateio e em seus estabelecimentos fixos. Por fim, êxito social e econômico.

Carlos Pedro casa-se com Maria Kalil, monta residência em Desterro de Entre Rios, firmando-se aí, após muita luta, como próspero comerciante, que vende de tudo, como todos, aliás, seus conterrâneos do Líbano. Em 10 de janeiro de 1914, nasceu Pedro Carlos e a sete de março de 1919, Rafa. Quando Rafa tinha mais ou menos, dois anos, a família voltou para o Líbano, retornando, porém, após um ano, por problemas de doença nos olhos de Pedro e Rafa. Neste tempo em que estiveram no Líbano, tiveram mais um filho: Alberto. Na viagem de volta ao Brasil, o bebê faleceu e foi sepultado em Gênova.

Carlos: calmo de temperamento, emotivo e muito reservado, embora gostasse de cantar em árabe. Era também muito alegre e receptivo às crianças. Emotivo. Como tinha o hábito de ouvir notícias pelo rádio, chorava quando ouvia notícias de guerra em sua terra natal, da qual tinha saudades. Religioso, ia à igreja quando vinha à cidade e lia a Bíblia diariamente. Vida cultural, também, pois Bete lembra-se de dona Rafa comentar sobre o romance “O Conde de Monte Cristo” (Alexandre Dumas). Muito popular em Desterro, reunia-se, frequentemente, com amigos e fregueses para papos, comer alguma coisa, ouvir novela pelo rádio. Apreciador de legumes crus, principalmente jiló e quiabo. Aos poucos, com glaucoma, foi perdendo a visão. Mesmo assim, pelo tato, conhecia o valor das notas. Faleceu em 12 de outubro de 1962.

Maria Kalil: Temperamento forte e muito brava. Exímia cozinheira, sobretudo, de pratos árabes. Famosa por seus pães sírios. Muito habilidosa, também, em trabalhos manuais, como crochê, bordados, rendas etc. Não se alfabetizou em português, que falava com dificuldade. Os dois, em casa, conversavam entre si em sua língua natal. Faleceu em 1960.

Os dois filhos, criados com muito mimo, ao se casarem, se transferem para o município de Resende Costa. Pedro Carlos casou-se com Adotiva Aarão (Estrelinha). Eles não tiveram filhos, no entanto criaram sua sobrinha Sônia. Foram donos da Fazenda dos Coelhos. Pedro Carlos faleceu em cinco de dezembro de 1965.

Em 14 de maio de 1938, Rafa casou-se com Antônio de Resende (1916-1973), o nosso conhecido Antônio Honório. Escreve Bete: “Meu pai foi um grande político e idealista, tendo grande visão de progresso. Foi vereador em Resende Costa por três legislaturas e prefeito por dois mandatos (1955-59; 1967-70)”. O JL já o destacou merecidamente, em “Gente que Fez e faz História”, texto de Maristela de Oliveira Peluzi (JL, ano III, ed. 34, 2006, p. 4).

Do casamento com Rafa nasceram 13 filhos: Humberto, Hugo (falecido em 17 de março de 1992), José Geraldo (Lalado), Lúcia (falecida em 14 de maio de 1963), Maria Helena (Lena), Sônia, Antônio (Toninho), Carlos Roberto (Carzinho), Luciano (Grilo), Maria das Mercês (Cezinha), Elizabete (Bete), Goretti e Luciene.

Donos da fazenda São João (hoje propriedade do advogado Márcio Resende, Filho de Cassiano Resende e Eni). A fazenda prospera com a criação de gado, produção de leite, fábrica de doce, manteiga e polvilho. Muita movimentação, emprego para muita gente.

1960/61, anos cinzentos. A filha Lúcia, que já era debilitada, piorou muito. Gastaram tudo o que puderam e não puderam. Venderam a fazenda. Mudaram para São João del- Rei e lá, na Colônia do Marçal, Lúcia “partiu” aos 18 anos. No 2º mandato de prefeito, Antônio de Resende retorna apara Resende Costa e a família começa a residir na conhecida “Chácara” (hoje do Luciano). Com a morte do marido, em 1973, novamente momentos difíceis para dona Arafa, que já sofrera muito com o falecimento da filha. Bete novamente: “Ele faleceu em 28 de dezembro de 1973, com tumor na medula. Com sua ausência, o meu irmão Hugo tornou-se o esteio e o porto seguro de minha mãe e de todos os irmãos. Tínhamos apenas onde morar e os irmãos mais velhos iam ajudando os mais novos, até todos terem condições de se manter e ajudar minha mãe”.

Rafa (dona Rafa): mulher laboriosa, caridosa e religiosa. Era catequista em Desterro de Entre Rios. Às vezes, na narrativa de Bete, “roubava” alimentos e roupas na venda para dar aos pobres. “Não gostava que ninguém que estivesse precisando saísse de sua casa com fome ou frio” Assumiu com muita garra a administração doméstica de sua numerosa prole. Craque na cozinha árabe, donde saíam quibes, tabules, lentilhas, coalhadas sírias e grãos de bico de excelente qualidade. Dona Rafa deixou-nos, em 2 de setembro de 1986, mas o clã El Corab, por ela expandido para Resende Costa, continua fortificando a vida de nosso município em todos os setores.

Permita-me o leitor, finalizar com um momento pessoal, ao dedicar este texto ao amigo, colega de adolescência e de escola, Hugo Resende, que se “despediu” de nós, muito cedo. Estudamos juntos da 1ª à 4ª série do primário, no Assis Resende, sempre com a mesma professora, para nós inesquecível: dona Maria Ivone Sousa.

Comentários

  • Author

    Que texto lindo!
    Continua o mesmo, João!
    Será que se lembra de mim? Fui sua aluna no Magistério do Stella Maris... gostaria muito do seu contato, será possível me passar para nos reencontrarmos?!
    Bjos...


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