Voltar a todos os posts

Simbolismos do corpo na Bíblia – Parte 2: A cabeça e os cabelos

15 de Dezembro de 2016, por João Magalhães

Sátiro sobre uma placa de Meguido (Israel; séc. XIII/XII a.C.). Em hebraico, o bode se chama “Cabeludo”. O demoníaco é relacionado ao cabeludo. De acordo com Lv, no Dia do Perdão, os pecados dos Israelitas são carregados sobre um bode, o qual é enviado ao demônio Azazel, no deserto.

Como abordamos na parte 1 desta série, as línguas semíticas primam pela riqueza simbólica de suas expressões, de seus signos. Para a construção de sua semântica, o corpo, sobretudo o humano, mas também dos animais, fornece uma vigorosa contribuição.

O vocábulo hebraico traz frequentemente uma riqueza escondida só descoberta pela análise de sua etimologia, de seu esquema sonoro (onomatopeias etc.), sua personificação, processo em que entra em cheio o corpo com seus múltiplos órgãos. É necessário descobrir primeiro o sentido original de um texto antigo para, depois, poder atualizar sua mensagem. “No texto hebreu fica transparente o paralelismo entre a história narrada e o simbolismo dos nomes” (R.C.de Souza: Palavra, Parábola, Ed. Santuário).

A maior força de comunicação dos seres humanos vem da cabeça e suas partes. Daí, em nosso vernáculo: o “perder a cabeça”, “menear a cabeça”, “cabeça dura”, “arregalar ou piscar os olhos”, ”empinar o nariz”, “face a face”, “ouvidos moucos” “bocudo”... Nas culturas orientais e em Israel - terra da Bíblia – é a mesma coisa.

O espaço permite apenas uma degustação, seguem, pois, curtas pinceladas, alongando-as um pouco mais nos cabelos, devido a seu forte simbolismo em todas as culturas.

“A cabeça: ápice do ser humano. A cabeça do ser humano desde sempre foi considerada a mais proeminente das partes do corpo. Tornando-se pars pro toto, ela representa o ser humano por inteiro”, escrevem Schoer e Staubli, meus padroeiros nesta série e donde vêm todas as citações (“Simbolismo do Corpo na Bíblia”); e continuam: “destarte, a cabeça é ao mesmo tempo particularmente ameaçada e singularmente honrada”.

Daí o significado horrendo da decapitação, que é o completo extermínio humilhante da pessoa e a longa tradição na Ásia Menor dos crânios como troféus de guerra etc.

Mas também, a parte honrada. Desde o período neolítico, os crânios dos mortos eram cuidadosamente sepultados à parte ou belamente enfeitados e colocados nos aposentos da casa. No Egito, por exemplo, era costume colocar amuletos em forma de cabeça junto aos mortos como forma de garantir o funcionamento do corpo para além da morte.

E na Bíblia, “as cabeças dos profetas e reis eram ungidas ou coroadas. “Então Samuel pegou um frasco de azeite e o derramou sobre a cabeça de Saul..(lSam,1): “Aproximou-se dele uma mulher, trazendo um frasco de alabastro, derramou-o sobre a cabeça dele[Jesus]” (Mc 14,3); o gesto de inclinar a cabeça em ato de humildade ou de cobri-la de cinza em momentos de tristeza e desespero; o profeta Amós condenando severamente os que “esmagam sobre o pó a cabeça dos fracos(Am 2,7); o verso da apaixonada no “Cântico dos Cânticos: “Meu querido é claro, rosado, o mais insigne entre dez mil. Sua cabeça é um lingote de ouro” (Ct 5,10-11).

O destaque vai para o cabelo que simboliza vitalidade, erotismo, força física, virilidade, sedução, vaidade, virtudes e as propriedades das pessoas. “Desde os tempos antigos até hoje, por assim dizer, o cabelo longo e forte é um símbolo humano, até mesmo divino ou ainda demoníaco, de vitalidade e de erotismo, de rebeldia e de protesto”. Tem simbolismos múltiplos, vastos e universais, expressos pelos mitos, costumes e as artes de cada povo. Cabelos em partes diferentes do corpo têm significados diferentes.

Voltando à Bíblia, impossível não se referir à lenda de Sansão e Dalila. “Faz parte de uma tradição de heróis cabeludos do Oriente Próximo. Na Bíblia, Sansão personifica o tipo do nazireu: um homem consagrado a Deus, que não bebe vinho, não encosta mão em cadáver e cujo cabelo jamais uma navalha deve tocar” (Nm 6,2.4.5.6).

Raspar a cabeça é uma grande vergonha não somente para as mulheres, mas também para os homens (2Sam 10,4). Somente em casos de luto, o símbolo- cabelo enfraquece. Os homens ocultam a barba, e as carpideiras arrancam os cabelos. O ritual do descarrego dos pecados sobre o bode, em hebraico “O cabeludo”, é um símbolo de grande força.

Mas de uma forma geral, o cabelo tem um sentido positivo, desde a cabeleira abundante dos jovens (Ez 16,7) até os veneráveis cabelos grisalhos dos idosos: “cabelos brancos são coroa de honra; a gente os acha nos caminhos da justiça” (Pr 16,31).

“No Cântico dos Cânticos, até mesmo o cabelo solto da amada é cantado no mais alto tom, em imagem que expressa dinamismo, plenitude e força selvagem: “Desvia de mim teus olhos/, que me enfeitiçam. Tua cabeleira é como uma tropa de cabritas/Cascateando do Guilead.(Ct 6,5)”.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário