BICENTENÁRIO: “200 anos de Independência do Brasil: pouco a celebrar, muito a questionar”


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José Venâncio de Resende0

"Independência ou morte", quadro de Pedro Américo.

Enquanto tem um Imposto de Renda altamente regressivo (a faixa mais alta é de 27,5%, bem abaixo dos 37% nos Estados Unidos, 40% no Chile, 48% em Portugal e 56% no Japão), o Brasil está “acumulando uma enorme massa de desempregados, subempregados e não empregáveis sem perspectiva realista de solucionar o problema”. É o que aponta artigo do cientista político José Murilo de Carvalho, publicado em 1º/01/2022 no jornal O Estado de S. Paulo.

“Olhando agora para a frente, mesmo que em prazos mais curtos do que os dos chineses, digamos uns 30 anos, podemos nos perguntar se ainda somos um país viável no sentido de sermos capazes de formarmos uma sociedade includente, sem a enorme marginalização que hoje a caracteriza”, alerta Carvalho que é formado na UFMG, com pós-doutorado em História pela Universidade de Stanford. “A hipótese pode soar apocalíptica, mas talvez estejamos a brincar, ou a brigar, na praia, alheios ao tsunami que se delineia no horizonte”, conclui.

Carvalho inicia o artigo observando que o Brasil não tem sorte com seus centenários. No primeiro, em 1922, teve de conviver com os restos da devastação causada pela gripe espanhola, com cerca de 35 mil mortes concentradas no Rio de Janeiro e em São Paulo. O segundo, a ocorrer este ano, virá na cauda de outra pandemia, a da covid-19, que já matou cerca de 620 mil brasileiros.

Ao examinar a natureza do percurso feito até aqui, ele propõe “verificar onde acertamos, onde erramos e como chegamos à situação atual”. Também podemos “perguntar sobre o que nos pode esperar no futuro próximo”. Considera que sofremos de “Alzheimer coletivo” e que “dois séculos já são tempo suficiente para fazermos um balanço do que fizemos e perscrutarmos nosso futuro próximo”.

Carvalho reconhece que as mudanças nesses 200 anos foram enormes, em população, em urbanização, na evolução econômica, na diversificação da população, na ocupação territorial. “No entanto, todos os analistas que se encarregaram do tema de nossa trajetória, como Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Viana, Nestor Duarte, Raimundo Faoro, Gilberto Freyre, Roberto DaMatta, entre outros, reconhecem que há mais continuidades do que rupturas. Somos um país sem revoluções. O que chamamos de revolução, como a de 1930, não passou de ajustes entre grupos dirigentes. O povo só entrou no sistema político a partir da segunda metade do século 20, tendo sido logo contido por uma ditadura.”

Para Carvalho, o “problema da desigualdade, que é de todos conhecido, mas sobre o qual, a meu ver, mais se fala do que se faz”, desautoriza celebrações. “Segundo dados do IBGE, o auxílio emergencial criado para atender os mais necessitados, adicionado aos recursos do agora extinto Bolsa Família, abrangeu cerca de cem milhões de pessoas, quase a metade da população. Somos o oitavo país mais desigual do mundo e ocupamos a 84.ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2010, o 1% mais rico da população detinha 44% da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, há três décadas, estamos crescendo a taxas medíocres incapazes de gerar os empregos necessários e viabilizar políticas sociais mais substanciais.”

O país tem sido incapaz de aprovar no Congresso medidas redistributivas de renda, como o aumento do imposto sobre heranças, a taxação de dividendos, a alteração nas faixas do Imposto de Renda, observa o cientista político mineiro. Isto, “apesar de termos uma das mais altas franquias eleitorais do mundo ocidental (16 anos)”. E sintetiza: “Distribuímos, mas não redistribuímos”.

 

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