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Jardim de infância

16 de Fevereiro de 2018, por Evaldo Balbino

Birra de criança não é fácil. Tive direito às minhas nos diversos momentos em que vinham a calhar.

Muitas vezes, porém, a birra vem junto ou é consequência de coisa séria. Algo terrível fica escondido nos sentimentos. E do lado de fora, nos gestos crispados e cara emburrada, nas lágrimas copiosas e convulsas, fica apenas a impressão de que a criança é cheia de momos (“momenta”, como diziam diversas pessoas em Resende Costa). Muitos não veem o que está por trás, ou melhor, dentro da mente infantil cheia de fantasmas. E os guris são julgados. Na secura da vida, os juízes cruéis, com senso adulto, não se esforçam por buscar o âmago das coisas.

Assim aconteceu comigo em 1984. Em maio eu faria já 8 anos, e de jeito nenhum queria ir pra escola. Era rebelde, de uma rebeldia convicta de si mesma. Desde os seis anos, portanto desde 1982, meus pais queriam me arrastar até o Grupo Escolar Assis Resende. De pedra, eu não aceitava isso, numa irreversível vontade própria. E o medo dos professores? O horror às responsabilidades que viriam bater à minha porta? Ler e escrever era muita coisa pra mim! O medo é que me dava coragem pra resistir aos adultos. Desse modo não frequentei o que se chamava pré-escola ou jardim de infância.

Chamava-se equivocadamente de pré-escola algo que, na verdade, já era escola. “Você só vai colorir, meu filho! Fazer desenhos, brincar....”. E eu chorando, recusando. De onde tiraram que desenhar, colorir e brincar não são atividades que também fazem parte de um currículo escolar?! E o nome “pré-escola” não escondia aquilo que me dava medo: a seriedade de uma vida cheia de atividades, de deveres, de regras.

Já do nome “jardim de infância” eu gostava. Imaginava gramas, caracóis, lesmas. Via passarinhos, flores, malvas, perpétuas, “mentrastes” (quase ninguém dizia “mentrasto”) e muitas margaridas (belas e supremas margaridas). Também não faltavam copos-de-leite, erguidos com soberba e brancura. Por fim, escorregadores e gangorras (de madeira e de corda), cavalinhos-de-pau, cata-ventos.... Como percebem, meu jardim era também um parque de diversão. Diversão sem os encargos de ler e escrever.

O adiamento das responsabilidades, no entanto, foi inevitável. Eu tinha que entrar pra escola, não podia ficar analfabeto. Nem que eu estudasse só até a 4ª série primária (hoje 5º ano). Pras pessoas da minha classe, lá na roça e na pequena cidade, o comum eram quatro anos de escola, da 1ª à 4ª série.

Em janeiro de 1984, mamãe foi conversar sobre o meu delicado caso com a diretora do Assis Resende, a dona Aparecida do seu Élcio Maia. Lá na roça não tinha jardim de infância. E mesmo em 82 e 83, já na vila, o menino difícil que eu era não quisera ir pra escola, embirrado que nem mula empacada. A diretora foi solícita, carinhosa. Me abraçou e me apertou que só vendo! Ficou até parecendo ser minha mãe também. A cara dela me dizia amores, brincadeiras, parques, animais alegres, felicidades. Mesmo assim a minha desconfiança ainda era cavalo bravo, crinas soltas.

O dia inadiável chegou. A minha mana Ceia já estava na terceira série. Ela tinha começado a estudar em 1982 lá na roça, Ribeirão de Santo Antônio, com a professora dona Maria das Graças. Só começado, e por três meses, porque em abril daquele ano fomos de mala e cuia pra Vila, Resende Costa. Então a mana me levou pra Escola Assis Resende, com avisos carinhosos da mãe pra ela ter cuidado comigo. Me senti protegido.

Na escola, aquele monte de gente. A criançada feliz, parecia, e as professoras com cara de adulto. Eu de mão dada com a Ceia, na retaguarda. Vai que alguém me atacasse!!

De repente o sino, o horrível sino, som estridente e longo, o chamamento pro que eu não queria. A mana me colocou na fila da 1ª série e se foi pra da 3ª. Fiquei sozinho, no meio de estranhos. Pra cada série, duas filas: meninos de um lado e meninas do outro. Tinha alguns grandões. Naquele tempo se tomava bomba até falar chega e ficava cada cavalão na 1ª série que só vendo. Todos de prontidão, braços descidos rente ao corpo. O Hino Nacional foi seguido do Hino de Resende Costa.

E desde o início da formação da fila, o medo crescendo dentro de mim, até virar um monstro incontrolável. Depois dos hinos, o choro. Entrei chorando na sala, e continuei assim na aula da tia Jusceia. O “rio de lágrimas” inundaria tudo, se a tia não me levasse pra junto da minha irmã. Minha vontade foi feita. E na primeira semana fiquei com a Ceia, “aprendendo” as coisas da 3ª série. Depois disso tive que me conformar na sala da 1ª.

E desde então não saí mais da escola. Gostei tanto dela que hoje sou professor. Aprendi a ver nela o meu mundo. O meu jardim de infância.

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