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Violeta inviolável

21 de Setembro de 2022, por Evaldo Balbino

Aline Tamires - meu anjo eterno (foto arquivo pessoal)

Para minha irmã Aline Tamires Silva (minha eterna filha)
★21/06/1989
† 16/08/2022

 

Guardo comigo uma violeta. Das plantas que ganhei ou comprei, ela é a única que permanece aqui. Todas morreram ou foram habitar outras casas, porque se tornaram presentes meus para pessoas queridas. Esta violeta, porém, se apegou a mim; e eu, a ela.

É uma planta singela, nascida em tempo tardio e amoroso. Gosta do sol, mas de modo oblíquo, pois a luz direta lhe faz mal. Não sei se todas as violetas são assim, mas esta, tão minha, tem seu modo único de ser.

Todos os dias a olho com ternura, escuto o que ela tem a me dizer, acaricio-lhe as folhas aveludadas e lhe beijo as flores roxas quando estas vêm alegres com seu hálito fraterno em meu rosto. Uma vez por semana águo seus pés, e seu corpo guarda o fluido que eu levo, com todo o amor que possa haver no mundo.

Muitas vezes ela se mostra triste, apesar do lindo sorriso visto por todos. Somente comigo ela desabafa, respira as próprias dores e exala seu perfume que é um pedido de ajuda, de socorro. Introspectiva, em diversos momentos depressiva e melancólica, diz que me ama e pede amor.

Procuro botânicos que possam cuidar dela. Em sua sabedoria, eles buscam fazer isso. No entanto persiste a duração da dor. E da minha violeta dorida me torno companheiro cada vez mais.

Confesso não saber direito lidar com ela, com sua dor, mas busco dar o melhor de mim. Abraço-a forte sem querer machucar seu corpo, deito-a no meu colo e tento ser mãe, ser pai, ser o todo no pleno vazio. Assim ela parece melhorar, sentir o dia e o ar que respiramos.

Minhas mãos tocam seus instantes melancólicos e tentam oferecer a ela uma liturgia. Tentam mostrar-lhe o mundo que se descortina para além da paisagem quaresmal, da vida que se abre como flor dadivosa contra o silêncio do escuro.

Quando assim nos encontramos, abraçados, ela se despe dos tristes paramentos, ergue-se do silêncio sufocante e conversa alegre comigo.

É nesses momentos de felicidade que o seu roxo exala o que ele tem de vida plena. Vida encarnada, corpórea, real. Ela, assim, é mística, é corpo espiritual, magia e mistério se desvendando em mim. Ficamos os dois, em minutos eternos, de mãos dadas. Minha violeta e eu. Unidos, vamos purificando corpo e mente, libertando-nos de nossos medos e outras inquietações. Meditamos na vida que nos abranda.

De repente, um dia, ela faz um voo de pássaro. Muitos não sabem, mas plantas e flores também são aves. E todas perfazem o seu risco no espaço. Um arabesco, um desenho sem fim no ar, imagem querendo evaporar-se.

E depois desse “de repente” ficamos tristes. Normal. Pois não entendemos de partidas. Não aceitamos que as nossas flores nos deixem, que elas parem de existir na sua materialidade. Choramos, erguemos vários porquês sem respostas. Indagamos ao mundo e a Deus; e, parece, nada nos responde, nem mesmo o eco de nossa voz.

Depois do depois desse “de repente”, buscamos compreender o que não se compreende. Desejamos aceitar o que nos parece inaceitável. Aí vem a percepção de que Deus é também uma folha caindo da árvore sem que nossa vontade interfira na sua queda. A difícil arte da aceitação.

Meditando profundamente, em meio à terrível e rumorosa dor, conseguimos ver uma luz no escuro da vida e passamos a aceitar que a vida necessariamente também é escura. Então nossos olhos brilham, passam a ser um escuro cintilante. Assim como minha violeta vive agora eternamente transformada. Minha violeta permanece.

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