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Darci Terezinha de Resende na cidade e na Escola Estadual Assis Resende: memórias de infância

12 de Novembro de 2019, por Edésio Lara

Dona Cici, ex-aluna do Grupo Escolar Assis Resende (Foto Edésio Lara)

Quando dona Darci nasceu, a Escola Estadual Assis Resende estava em seu oitavo ano de fundação. É conhecida na cidade por Cici, ou Cici do Geraldo Procópio, de quem ficou viúva há vinte e quatro anos. Estatura mediana, franzina, pode-se dizer, Darci Terezinha de Jesus (27/05/1927), de 92 anos de idade, com voz clara, firme e fluente, é de uma vivacidade de dar inveja. Certa vez, perguntou para sua mãe o motivo de não ter em seu nome os sobrenomes Barros (da mãe) e Vieira (do pai), como os dos seus irmãos. A resposta foi: “Achei seu nome bonito assim e pus.” O Resende, com a supressão do Jesus, foi acrescentado após o casamento.  

Darci iniciou os estudos aos sete anos. Depois, houve uma interrupção quando foi morar em Belo Horizonte. A rematrícula se deu ao retornar a Resende Costa para concluir os quatro primeiros anos do grupo, aos treze anos de idade, em 1930.

As lembranças da época de aluna são de dedicação à escola e ao trabalho. Antes de terminar o curso, buscava duas latas d’água na Fonte João de Deus para entregá-las na casa do senhor Geraldo (Porteiro), que fica ao lado da Matriz e da Câmara Municipal. Outra incumbência era a de “acordar às 4h para catar lenha destinada ao fogão de sua casa.” Na Escola Estadual Assis Resende, todos os dias e na hora do recreio, outra tarefa: ir até a casa da sua professora Dona Célia, buscar café para ela. Na escola, Cici ficava assentada na fileira da frente, em carteiras destinadas aos mais adiantados. “Era boa aluna. Fui aluna de dona Nair, dona Mariinha, dona Célia e dona Dulce Mendes, com quem tirei o diploma”, disse. “Dona Dulce colocava os melhores alunos pertinho dela, para aprender. Quando chegou o dia do exame (exame final, prova oral), ela colocou um tanto de papelzinho em cima da mesa. Eu tirei o número cinco. Eu então estudei tudo do número cinco, decorei tudo e não estudei mais nada. Então eu rezei muito, muito mesmo, para Nossa Senhora da Penha. No dia da prova, no sorteio do ponto, tirei o número cinco. Eu nunca mais esqueci isso.”

A fé inabalável em Nossa Senhora da Penha e que começou ainda na infância, segundo ela, a salvou de grave acidente em agosto de 2011. “Foi um dia em que faltou luz na cidade, estava tudo escuro e a minha cozinha estava cheia de gente. Eu acendi duas velas e comecei a subir a escada de quatorze degraus para ir até o quarto onde estava meu neto Gustavo jogando no computador, o filho dela que morreu, bateu o carro (nesse momento ela apontou para a filha Lúcia, que, ao nosso lado, já estava com os olhos cheios de lágrimas). Quando ia descendo a escada, faltando três degraus, eu confundi, achando que faltava um. Foi quando meu neto correu, me abraçou e disse: ‘Vó, uma coisa cutucou na minha cabeça (para ele, o neto, era Nossa Senhora) para ir aonde a senhora estava.’ Quando eu levei o pé, ia embarcar, estaria quebrada até hoje, né? Ia ser uma coisa terrível. Ele me salvou”, afirma dona Cici.

Quando completou quinze anos de idade, a filha de dona Adalgisa Barros, professora do estado, optou por seguir os passos da mãe e lecionar principalmente em fazendas do município. Sua primeira experiência como professora foi na Capelinha dos Machado. “Lá, além das aulas, a gente socava arroz e ainda catava lenha para a casa do João de Lima. Eu dava aula no Curralinho dos Machado, Curralinho dos Paulas, Barro Vermelho e Barracão. Depois eu fui chamada a dar escola (sic) na Fazenda do Retiro”. Nesta fazenda dona Cici conheceu Geraldo Procópio de Resende, filho do fazendeiro, que seria o seu futuro marido.

A vida da jovem, que teve outros namorados antes de se casar, não foi fácil. “Eu tinha dezenove anos e minha mãe não queria que eu me casasse.” Geraldo Procópio, na época, com trinta e oito anos de idade, ficara viúvo e com a responsabilidade de cuidar dos dez filhos que tivera com a primeira esposa, que faleceu durante o parto do décimo segundo filho. Dona Cici, depois desse fato, voltou para Resende Costa. No entanto, os dez filhos do Geraldo tomaram amor por ela, durante sua estada na fazenda. Não teve jeito. Mediante o choro e o chamado das crianças, ela retornou à fazenda para se casar e assumir a responsabilidade de cuidar do marido e das dez crianças. Casada com o Geraldo, ela teve outros catorze, sendo nove homens e cinco mulheres, fazendo dele pai de vinte e quatro filhos vivos, não incluídos aqui outros dois que faleceram.

Na plenitude dos seus noventa e dois anos de idade, dona Cici esbanja vivacidade e simpatia. Participa do grupo de terceira idade, assiste à missa todos os dias, e de joelhos, do início ao fim da celebração. Ela sabe de cor – na ponta da língua, como se diz – vários poemas e a tabuada, que recita numa rapidez incrível.  

Eu a encontrei no Hospital Nossa Senhora do Rosário para a entrevista. Lá, durante quatro dias, ela se recuperou de uma queda que sofrera em casa. Estava pronta para receber alta e querendo, a todo custo, retirar um colete que o médico, doutor Paulo, mandara colocar no pescoço da paciente para proteger a coluna cervical.

Antes de nos despedirmos, dona Cici recitou de cor quatro poemas dos vários que começou a decorar desde os treze anos de idade. Um deles deixo transcrito aqui e com uma reflexão bem particular: a dedicação à família numerosa e ao trabalho nunca a abateu, tampouco a fez esmorecer. Muito pelo contrário, tornou-a uma senhora especial, cujo gosto pela vida nota-se facilmente refletido em seus gestos e em seu rosto. 

Senhor, o dia terminou, a noite se aproxima
Venho ajoelhar-me aos teus pés, Senhor
Para meditar e refletir.
Tão pouco fiz para te oferecer
Trabalhei, diverti, sofri, aqui chorei
Sem muita paciência e, talvez, sem merecimento.
Mesmo assim, dou-te pequenina parcela da minha vida.
Prometo me esforçar para ser fiel
À minha vocação de filha tua.
Amanhã farei tudo para entregar-te um dia melhor
Abençoa a todos que me deste por amigos
Até amanhã, obrigado, Senhor.

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