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El sol de Sevilla

14 de Abril de 2021, por Edésio Lara

Partitura de El sol de Sevilla (arquivo Edésio de Lara Melo)

No último mês de março, o historiador Olinto Rodrigues dos Santos Filho publicou um texto no Facebook da paróquia de Nossa Senhora da Penha de França, da nossa cidade. Nele, Olinto destaca os trabalhos de restauro do retábulo do altar-mor da matriz, que vem sendo realizados desde 3 de novembro do ano passado. A obra fundamental, devido ao estado crítico de conservação em que o retábulo se encontrava, custeada pela prefeitura municipal em parceria com a paróquia, foi aprovada pelo Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura. Apoiado em pesquisa realizada, basicamente nos livros de tombo da paróquia, o historiador relaciona uma série de eventos ocorridos desde meados do século XVIII até o momento. Lá estão, bem delineadas, ações promovidas por religiosos e parte significante da sociedade local que se empenharam na construção da igreja, aquisição de bens materiais, tais como imagens de santos, pinturas e objetos diversos de grande valor e de uso contínuo do sacerdote e de seus auxiliares.

Algumas informações chamaram a minha atenção: são as que destacam a atuação de sacerdotes e de músicos quando do estabelecimento da paróquia no Distrito da Lage, ocorrida em 1840. Naquela época, o distrito, instalado em 1836, pertencia à Vila de São José do Rio das Mortes (Tiradentes). E era de lá que vinham os padres e os músicos para atuarem em cerimônias tão apreciadas pelos católicos e realizadas ao longo de cada ano.

Santos Filho aponta que, em 1848, Francisco de Souza foi contratado para organizar a música para a Festa de Passos e José Joaquim do Nascimento, em 1852, para exercer a mesma função na Celebração de Passos. Somente na segunda metade do século XIX, de acordo com os documentos de que dispomos, é que começaram a surgir os músicos nascidos na Lage capazes de atuar como maestros, compositores, instrumentistas e cantores e também de atender às demandas surgidas no lugar, tais como as cerimônias promovidas pelas irmandades no âmbito da Igreja Católica ou em festas populares.

É importante dizer que não só da música sacra se incumbiram os artistas naquela época. Os mesmos músicos que cantavam e tocavam na igreja eram os que saíam pela vila a fazer serenatas, participar de saraus, tocar em bailes realizados em ambiente familiar, quando as moças dançavam sob olhares atentos dos pais, principalmente. Parte significativa de material musical impresso, como valsas, tangos, boleros, maxixes, vinha de fora, era produzida no exterior. Quase sempre, sua circulação se dava por meio de cópias feitas por copistas.

Querem um exemplo? Há no arquivo deixado pelo maestro Joaquim Pinto Lara uma das partituras de música mais antigas que temos na cidade. Trata-se de El sol de Sevilla, obra composta para canto e piano, manuscrito assinado por Neto em trabalho realizado na Lage no dia 13 de outubro de 1875. A música é do espanhol Sebastián Iradier Salaverri (1809-1865), que se tornou conhecido pelas suas habaneras. A habanera, uma dança canção cubana, é assim conhecida em virtude da sua associação ao nome da capital de Cuba. Esse gênero, de andamento moderado, mais lento, conquistou o gosto de espanhóis e franceses ao longo do século XIX. Pelo visto, dos brasileiros também.

Observando as datas, o trabalho do copista na Lage se deu exatamente dez anos após a morte do compositor. O manuscrito, com medidas 34 x 32 centímetros, escrito a tinta, apresenta desgaste natural do papel, merecendo tratamento adequado e guarda permanente. Ele é testemunho claro de que no Distrito da Lage, além da música para o cerimonial litúrgico ou paralitúrgico, praticava-se também a boa música profana da época.

Por fim, ficam perguntas no ar: quem foi o copista Neto? Qual casa, ou fazenda da Lage possuía um piano para que a música pudesse ser interpretada? E mais: Quem cantou e quem se ocupou de tocá-la no piano? Teria sido o copista Neto o cantor ou o pianista? Historiadores, musicólogos ou outros pesquisadores podem, em algum momento, responder essas perguntas. Se nos dedicarmos ao estudo do que nos resta de documentos antigos, passaremos a conhecer mais e melhor sobre as nossas origens.

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