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Os cruzeiros da cidade

18 de Maio de 2017, por Edésio Lara

Resende Costa, conforme tantas outras cidades, possui grandes cruzeiros nas ruas das suas principais entradas. Chamamos de cruzeiro uma construção singela que abriga no seu interior uma grande cruz. A cruz, poderoso símbolo do Cristianismo, nós vamos encontrar, além das igrejas, em capelas, cemitérios, passinhos, nas portas de entrada e no interior de casas e edifícios. Vamos notá-la, também, estampada em livros, em muitos outros lugares, tais como à beira de estradas, indicando o lugar em que pessoas morreram acidentadas, por exemplo. Muitos vão carregá-la no peito ou em terços, senão, através do sinal da cruz feito antes e após orações e para benzer. Nas artes, principalmente no cinema, é o símbolo empregado para combater vampiros e afastar o demônio, o espírito mau. Tal como as cruzes que os católicos deixam afixadas nas portas de suas casas, muitas cidades têm construídos os cruzeiros nas suas principais entradas. 

O cruzeiro acima está localizado naquela que já foi a principal entrada de Resende Costa. Todos os que chegam de São João del-Rei, pela estrada de terra, passando por Coronel Xavier Chaves, se deparam com ele. A grande cruz, erguida no ponto mais alto da rua está cercada por grossas paredes de pedras. Os outros cruzeiros estão no Tijuco, no Beira-muro e na Praça Cônego Cardoso, em frente a Matriz de Nossa Senhora da Penha de França. Esses são os principais e mais antigos. Um quinto cruzeiro foi erguido na saída para o povoado do Barracão, mas, deste, já não há mais vestígios.

Além de demarcar o lugar onde começava a cidade, de deixar clara a religiosidade do povo do lugar, os cruzeiros tinham a função de barrar a entrada de demônios. Assim, todos os cristãos se sentiam mais protegidos.  O poder do grande símbolo da Igreja é o de blindar, dar segurança e tranquilidade aos que querem estar distantes do capeta. No seu entorno, os moradores têm por costume promover rezas, missas e festas em que não podem faltar a banda de música, o coral, o leilão de prendas e barraquinhas.  

Manifestações de fé, como a que narro agora, dão o tom da importância dessas construções. Na primeira metade do século XX, década de 1940, Dona Bernadeta [pronuncia-se com ê], casada com o senhor Tomás, tinha por costume realizar rezas nos cruzeiros. Sempre que a cidade enfrentava dificuldades com a estiagem, lá ia esta senhora, com sua fé e preces, solicitar aos santos, a vinda da chuva. Moradora da Rua Dr. Gervásio, onde também residia minha tia Almira, ela reunia alguns meninos, todos de pés descalços, calção e dorso nu, para acompanhá-la aos três cruzeiros. Dona Bernadeta, usando um turbante branco e os meninos uma lata contendo água e flores que seguravam com a mão direita sobre o ombro esquerdo, conduzia a pequena procissão, entoando uma música lamentosa que era respondida pelos garotos. Segundo o relato que me chegou, o que cantava esta devota senhora negra, gorda e de vestidos longos e sobrepostos, ninguém entendia direito. Chegando ao cruzeiro, lá deixavam as flores ao pé da cruz com os pedidos para que a chuva não tardasse. Ao que parece, suas súplicas eram atendidas e este gesto de fé se repetia toda vez que a seca afligia e trazia desalento aos moradores do município.

Notamos que em Resende Costa, o cruzeiro do Pau de Canela e os outros dois construídos nos limites da cidade não foram bem cuidados nas últimas décadas. Tanto é que, mediante sua precariedade, o cruzeiro do Pau de Canela passa por reforma. A cruz estava podre e os paredões danificados, principalmente pelas grossas raízes de árvore que foi plantada ao seu lado. Diante da situação de abandono do mesmo, moradores e comerciantes próximos se reuniram e decidiram trabalhar pela sua recuperação. Madeira de lei para nova cruz e retirada do reboco para deixar à vista as enormes pedras utilizadas para a edificação dos paredões que circundam o cruzeiro estão entre as ações do grupo voluntário.

Mais do que isso, para além da recuperação, há o compromisso de dar ao espaço o cuidado e a manutenção permanentes. Esse grupo age bem e indica que não devemos esperar que a prefeitura municipal ou a paróquia se incumbam, sozinhos, desses serviços. Nossa esperança é a de que esta boa ação sirva de exemplo e sugestão para outras pessoas poderem, também, ajudar o município a manter limpo e conservado os demais cruzeiros que são patrimônio da nossa cidade.

Que possamos, com esses monumentos revitalizados, manter viva a tradição de muitas rezas, procissões, missas e festas de santos seguidas de leilões e barraquinhas nos cruzeiros de Resende Costa.

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