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Requiem para dom Célio de Oliveira Goulart

16 de Fevereiro de 2018, por Edésio Lara

Foi sob aplausos que o esquife com o corpo de dom Célio carregado por padres deixou a Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar em São João del-Rei ao meio-dia do último 20 de janeiro. Foi no dia em que os católicos celebram a festa de São Sebastião, depois de missa de corpo presente concelebrada por inúmeros bispos e padres, notadamente de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, que o corpo do religioso seguiu para Itaúna/MG, para ser sepultado em jazigo da família. O semblante triste e a emoção notada na face do padre Geraldo Magela da Silva - pároco da Paróquia Nossa Senhora do Pilar - era reflexo de todos os que compareceram à catedral para orar, prestar homenagens e despedir-se, agradecidamente, do homem que dedicou sua vida à Igreja Católica e aos fieis que estiveram sob sua orientação.

O que se viu em São João del-Rei naquele sábado de céu claro e límpido foi um cerimonial fúnebre de emocionar e, por que não, encantar, tocar fundo no coração de todos os presentes. O adro da igreja ganhou cores vivas, estava repleto de coroas de flores, e os sineiros da catedral não paravam com os dobres fúnebres próprios para o momento. Os sons dos sinos das igrejas de São João del-Rei são como música encantadora que nos chega aos ouvidos tanto nos dias de festa quanto naqueles momentos de despedida. Dentro da igreja, repleta de fieis desde o início da manhã, a movimentação dos músicos indicava que a tricentenária Orquestra Lira Sanjoanense, sob a direção do maestro Modesto Flávio Fonseca, se incumbiria de fazer tocar e cantar as músicas fúnebres compostas por ilustres músicos do lugar, especialmente, as do padre José Maria Xavier. A entrada dos sacerdotes para o início da missa e encomendação fúnebre se deu ao som da “Marcha Fúnebre 4 de Março” de autoria do maestro, também sanjoanense, Pedro de Souza (1902-1995) que a escreveu em memória de sua irmã falecida em 1945, conforme a data assinalada nas partes musicais.

Ao longo da cerimônia, predominou o repertório do Padre José Maria Xavier (1819-1887). Orquestra e coro se empenharam na interpretação da Missa de Requiem e do Ofício Fúnebre que o padre compôs em 1876, um ano antes de falecer. A música encantadora deste ilustre sanjoanense, patrono da cadeira de número 2 da Academia Brasileira de Música, desde que composta, próximo da virada dos séculos XIX e XX, é presença quase que obrigatória nas exéquias que ocorrem dentro da basílica do Pilar. Além do repertório próprio, isto é, de autoria de artistas da cidade, ouviu-se a Oração de São Francisco cantada pelo coro, em consideração à devoção que o bispo tinha por São Francisco de Assis.

A cerimônia durou exatas duas horas e vinte minutos sem que ninguém arredasse pé do interior da igreja ou do seu entorno. Do lado de fora, como não poderia ser diferente, estavam o carro do corpo de bombeiros e a tradicional Banda de Música Theodoro de Faria, todos preparados para um breve cortejo em que o conjunto, dirigido pelo estimado maestro Tadeu Nicolau Rodrigues, pôde tocar a Oração de São Francisco - que usou partitura adaptada por Reginaldo Aparecido dos Passos, também sanjoanense - a Marcha Fúnebre nº 1, de autor ainda desconhecido e Saudades, esta última de autoria do maestro Benigno Parreira, regente aposentado da Banda de Música do 11º Batalhão de Infantaria de Montanha, que se encontrava no interior da basílica e no coro da Lira Sanjoanense, cantando no naipe dos baixos. Saudades, como o próprio maestro me disse, em entrevista no ano de 2003, ele compôs em homenagem ao seu pai e uma irmã que faleceram em 1955.

O que se nota em momentos como esse é a robustez, a força de tradições que destacam a cidade de São João del-Rei, com reflexos em cidades vizinhas. Não é fácil encontrar no Brasil povo que conseguiu manter com tanta vivacidade, costumes que foram se fortalecendo desde o povoamento e erguidas as primeiras capelas no início do século XVIII. Devemos tudo isso à religiosidade do povo e do que tem sido feito pelos artistas locais, notadamente os músicos, que conservam o cerimonial, a pompa fúnebre que foi tão bem representada no Brasil desde primeiras décadas do século XIX.

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