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Tchau, Bananera!

15 de Agosto de 2018, por Edésio Lara

Camilo Bananera (Foto redes sociais)

No penúltimo domingo de julho, perdemos um amigo. Camilo Lelis da Silva completaria 64 anos em 3 de agosto. Passou mal num dia, morreu no outro. Foi tudo tão rápido que muitos só tiveram notícia da sua morte depois do seu sepultamento. Camilo foi um dos sete filhos de Tomé e Eleonilda, a Nilda do Tomé. Era chamado por todos de Camilo do “Tumé” ou “Bananera” (bananeira). O apelido de “Bananera”, segundo o Lúcio (Fumega) foi-lhe dado em virtude da banana de São Tomé. A banana, associada ao nome do seu pai, lhe rendeu esse apelido, do qual o povo acabou retirando a letra “i”, ficando “Bananera”.

Figura simples e de memória privilegiada, apreciava música erudita (clássica) e poesia. Não por acaso, gostava de assoviar trechos de obras importantes, como a 9ª Sinfonia de Beethoven ou uma das Ave Marias que ouvimos todos os dias através dos alto-falantes da igreja Matriz: a de Arcadelt, Zimmerman ou Schubert. De vez em quando, lá vinha ele recitando, e de cor, trechos dos Lusíadas de Camões. Todos os dias, às 6h, saía de casa assoviando uma das músicas prediletas. Era como um sinal de vida; todos sabiam que ele estava por perto. Poucos anos atrás, aventurou-se na atividade de compositor e ganhou o primeiro lugar em concurso de marchinha carnavalesca promovido pela Amirco (Associação de Amigos da Cultura de Resende Costa).

Vestindo calção, camiseta e chinelos, de preferência, circulava pelo comércio da cidade prestando pequenos serviços a várias pessoas. Sair para fazer uma fezinha no jogo do bicho, pagar contas na casa lotérica, levar documentos de um lugar a outro, buscar ervas que considerava medicinais e doá-las aos conhecidos, catar minhoca para os amigos pescadores ou capinar uma horta de couve, eram ações corriqueiras desse resende-costense bem-humorado e prestativo. Era, também, considerado um homem de confiança, honesto.

De vez em quando, tomava umas e outras. Mas era disciplinado, costumava anunciar quando ia começar e parar de beber e quanto tempo seria seu período de abstinência. Eram dois ou três meses sem colocar uma gota de bebida alcoólica na boca para, depois, atravessar uma semana inteira “invernado na manguaça”, como é de costume dizer. Aos familiares que insistiam para que ele parasse de beber, ele respondia: Amanhã tô bão, amanhã eu paro.

Certa vez, o Pepe (da gráfica) o chamou para pescar umas piabas. Fazia muito frio, portanto resolveram levar uma garrafa de cachaça e outra de conhaque para tomarem uma dose quando tivessem de descer rio abaixo para pescar. Chegando ao pesqueiro, resolveram cada um tomar um rumo diferente. Passados alguns instantes, Pepe ouviu ao longe o Camilo cantando e assobiando. Logo “caiu a ficha” do Pepe, que voltou ao ponto onde haviam deixado a bebida e um tira-gosto. Bananera havia consumido quase tudo o que levaram e já estava pronto para retornar a Resende Costa. Queria dar continuidade em algum boteco ao que havia iniciado na pescaria.

Camilo me disse que tinha por prazer chupar balas deitado enquanto assistia televisão. Nesse mesmo dia, me prometeu uma muda de gabiroba. Não teve tempo para isso. Segundo sua irmã Fátima, no hospital pediu água mineral sem gás e sopa de fubá, para o dia seguinte. Trouxeram-lhe a água na caneca, mas recusou. Tem de ser na garrafinha, disse ele ao seu sobrinho Jardel. Água com gás ele tomava quando estava decidido a encerrar o período de bebedeira.

O pequeno João Pedro, filho da Zana cabeleireira, era mais um dos seus amigos. Ao ouvir o assobio, João Pedro corria para a porta de casa para receber uma bala de presente. Faz pouco tempo, o garoto, além da bala, resolveu pedir ao amigo uns trocados. Bananera caiu na gargalhada e disse: Que isso, João Pode (como ele o chamava), quem precisa de dinheiro aqui sou eu.

João Pedro, após a morte do amigo, na sua pura inocência e com o olhar fixo no quadro da Divina Providência afixado na parede da sua casa, perguntou à sua mãe se tinha um “jeito de ir lá no Céu para se encontrar com o amigo e matar a saudade”.

O último dinheiro que o Camilo recebeu por um serviço prestado, ele resolveu distribuir para os amigos no bar do Dão. Sua irmã Fátima disse que a Rosa da Cezinha recusou os cinquenta reais que ele lhe ofereceu. Ele era assim: simples, alegre e desapegado de bens materiais. Quem não se lembra dele nos carnavais, fantasiado de palhaço e girando um prato esmaltado na ponta de uma vara?

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