História

Um romance sem final feliz: o impacto da pandemia do novo coronavírus em comunidades indígenas brasileiras

16 de Marco de 2021, por Taína Resende 0

A pandemia mundial referente ao novo coronavírus já se alastra por mais de um ano. Desde o final de fevereiro de 2020, quando fora registrado o primeiro caso em nosso país, até o momento em que este artigo foi escrito, já foram contabilizadas mais de duzentas mil mortes causadas pela Covid-19. Vivenciamos diariamente a proporção da gravidade dessa doença, mas e quanto à população indígena? Você já se perguntou sobre os efeitos da pandemia nessas comunidades?

Inúmeras vezes nos contaram a respeito da chegada dos portugueses neste país. “Terra à vista” teria gritado algum marujo da embarcação de Cabral quando finalmente foi avistado algum território depois de tempos de viagem. O ano era 1500 e de lá para cá a história que por vezes nos foi contada foi a de quase um romance clichê, em que em algum momento a princesa é salva pelo príncipe. Nesse caso, a princesa representada pelo Brasil e o príncipe, como você leitor já deve supor, Pedro Alvares Cabral.

O que não nos contaram nas vezes em que fomos vestidos de índios quando crianças, tivemos nossos rostos pintados e saímos em fileirinha para as ruas para comemorar o Dia do Índio, foi que ao invés de um romance com final feliz, o processo de colonização se deu sobre um massacre das inúmeras comunidades indígenas que ocupavam essas terras que hoje chamamos de Brasil. O principal elemento causador desse genocídio? As epidemias. O colonizador chegou a essa terras carregado de doenças, destas, em sua esmagadora maioria, letais, principalmente para os adultos.

Assim, como tanto ouvimos falar no último ano, nosso sistema imunológico é o responsável pelo combate de qualquer hospedeiro que venha a nos contaminar, devemos fortalecê-lo se quisermos amenizar as chances de contrair a Covid-19. Isso não é diferente para os povos indígenas. Assim como os mais de duzentos mil brasileiros que foram mortos por terem contraído um único vírus, pois o sistema imunológico não estava preparado para ele, os indígenas contraíram inúmeros outros com a chegada dos europeus em suas terras, o resultado disso você já deve imaginar.

Mas engana-se quem pensa que pelo fato de muitas tribos se manterem isoladas nos dias atuais ficaram protegidas da atual pandemia. Dados da SESAI apontam que nessas comunidades o estrago da pandemia tem sido ainda maior do que entre nós, isso porque esses povos estão mais vulneráveis a adquirir doenças, além da dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Os investimentos financeiros para conter o avanço da pandemia entre eles são precários, o que tem dificultado ainda mais a situação. O contato deles com não índios, seja por meio da necessidade que muitos tem em sair das tribos para trabalhar, das presenças religiosas em comunidades ou com madeireiros resultou em tal situação.

Quinhentos e vinte um anos separam a invasão portuguesa nessas terras dos dias atuais e, apesar disso, o vilão segue sendo o mesmo. O romance que nos contaram tantas vezes já não faz tanto sentido: a “princesa” nunca foi salva, o “príncipe” se tornou vilão e por mais que não queiramos aceitar, agora são outras pessoas que ocupam esse papel, nós brasileiros e não indígenas. A história se repete mais uma vez e os mais afetados continuam sendo os donos naturais desta terra.

A perda de memória do povo brasileiro e a volta dos “anos de chumbo”

29 de Maio de 2018, por Taína Resende 0

Nos últimos dias fomos surpreendidos pela greve dos caminhoneiros, a mesma se espalhou em praticamente todo o país. O movimento conta com uma série de reinvindicações, dentre elas a redução do valor do diesel e sua variação de preço, que atualmente fica a mercê das cotações internacionais. Mas, apesar de não parecer, esse não se trata de um movimento homogêneo no que tange a questões ideológicas, partidárias ou políticas. Tal disparidade fez ressurgir uma bandeira que vem ganhando adeptos nos últimos tempos, a da volta da ditadura militar.

Primeiramente, se faz necessário algumas distinções acerca de termos como Intervenção Militar, Ditadura Militar e Golpe Militar. É sabido que, segundo o próprio dicionário da Língua Portuguesa, Intervenção e Ditadura não são a mesma coisa. A primeira, à luz da teoria, se daria em momentos emergenciais com o uso das Forças Armadas (Marinha, Aeronáutica e Exército), quando se julgar incapacidade do governo para se resolver situações extremas, como uma guerra civil intensa ou em casos de negligência da população por seu governante. Já a Ditadura, se trataria da tomada e permanência do poder máximo do país por alguém que não tenha sido eleito por voto popular, ou seja, através de um Golpe. Tal forma de governo é marcada pela falta de liberdade da população em opinar sobre assuntos que dizem respeito ao país e sua forma de governo, além de extrema repressão, chegando a muitas vezes ser violenta.

O problema de uma Intervenção Militar no Brasil é justamente o de que retrocederemos a 1964, quando a desculpa para o golpe fora justamente a mesma e a assertiva de que “a história sempre se repete”, seja comprovada. Para quem não se recorda ou não viveu esse período, tivemos 21 anos de ditadura no Brasil. Os famosos “anos de chumbo” como assim ficaram conhecidos, são lembrados seja por relatos de sobreviventes ou através de documentação comprovada, como os mais difíceis anos pelos quais passou nossa história.

A tortura desenfreada, principalmente a partir de 1968, com a assinatura do Ato Institucional de número 5 pelo então presidente Costa e Silva. O sumiço de pessoas, que em várias vezes se quer tinham ligação com o movimento comunista e opostos ao governo, dentre elas crianças. E é claro, a morte, foram uma das barbáries relatadas sobre o período. Tais afirmações comprovadas ainda nos revelam o teor das torturas praticadas pelos militares nesses anos, indo desde estupros tanto de mulheres quanto de homens, cometidos desde através de relações sexuais convencionais, até com o uso de ratos, baratas e outros insetos ou bichos peçonhentos. O uso de armas e outros objetos perfurantes para o cometimento dessa prática também acontecera inúmeras vezes.

São raras as pessoas que foram presas e saíram sem sequelas. Há relatos de esterilidade causada pelas condições precárias a que eram submetidas essas pessoas logo após terem apanhado e adquirido machucados que acabavam infeccionando. Muitos acabavam desenvolvendo desvios mentais causados pelo terror vivenciado e chegavam a atos extremos, atentando contra a própria vida. Filhos de presos chegaram a ser levados para assistirem as torturas, mesmo ainda crianças e, em algumas afirmações, há casos até de retrocesso intelectual. Além do sequestro, adoção sem a permissão dos pais e o sumiço de vários deles.

Os problemas enfrentados pela população não pararam por aí. Chegamos a uma inflação de 242, 68%, influenciada diretamente pela dívida externa que naquele momento havia tomado proporções imensas. Tamanho número não deixou com que a população pudesse gozar de necessidades básicas, como medicamentos, vestimentas básicas e, claro, alimentação. O preço de tudo isso saía muito caro e as manobras para que o dinheiro recebido ao final do mês desse para o básico, e as famílias não morressem de fome, eram inúmeras. Somamos ainda o desemprego, a corrupção, uma imprensa censurada e, por isso, doutrinada, escândalos, ataques aos Direitos Humanos, fim de direitos básicos como habeas corpus e uma série de outros males trazidos por esse governo.

Tais fatos nos levam à reflexão: Por que será que ainda existem pessoas que insistem na volta de tão sofridos anos? O povo brasileiro já não sofreu e sofre diariamente com suas mazelas? Sendo assim, para que acrescentarmos mais uma? Uma única resposta nos chega nesse momento: o conhecimento da nossa nação de sua própria história ainda é caótico. A memória do que foi vivido entre 1964 a 1985 vem se apagando e parte da população se esqueceu do que passaram nossos pais e avós.

Nesse momento, um clamor é justo e necessário. Não deixemos que esse triste capítulo se repita. E, ainda, não podemos permitir que essa história se repita e faça mais incontáveis vítimas. Afinal, em se tratando de ditadura, nunca se sabe quando o “escolhido” será você.