O Verso e o Controverso

Nosso Jornal das Lajes, parabéns pelo seu aniversário de vinte anos!

24 de Maio de 2023, por João Magalhães 0

Os parabéns vão agora porque eu estava ausente daqui. Em 2003, Denilson Daher, fundador do JL, encontrou-se comigo e deu-me o exemplar nº 1 (abril de 2003) e perguntou se eu podia fazer a revisão com possíveis correções dos textos para o próximo número. Fizemos juntos a revisão e ele perguntou logo em seguida se eu poderia escrever o editorial do próximo exemplar. Aceitei com prazer, porque já tinha um pouco de experiência, pois coordenei a edição mimeografada de uma revista, “Vozes do Pio XII”, enquanto ela durou. Pio XII era o seminário maior dos padres camilianos, onde cursamos filosofia e teologia.

Para parabenizar e comemorar os 20 anos de nosso JL, optei por transcrever o editorial que escrevi para o nº 2 (maio de 2003), por seu valor para a história do jornal.

“Lembrando a nossos leitores o que dizíamos em nosso primeiro editorial, o jornal nascia, empunhando duas bandeiras muito importantes: a bandeira da imparcialidade e a bandeira da cidadania atuante.

Chegamos ao 2º mês de vida com a mesma proposta, com idêntico entusiasmo: noticiar, comentar, elogiar, incentivar, sugerir, promover os bons eventos e as coisas positivas de nosso município, mas igualmente alertar, apontar, denunciar, cobrar dos responsáveis as falhas que sempre acontecem na sociedade dos homens. Este 2º número cumpre bem esta incumbência dentro de nosso limitado espaço.

E para tanto só nos cabe agradecer a nossos patrocinadores, sem os quais não existiríamos. Graças a eles já crescemos de 4 páginas para 8.

Nossos agradecimentos a todos que se disponibilizaram para conosco. De modo particular aos proprietários da Fazenda das Éguas, que tão bem acolheram nossa reportagem, despedindo-se de nós com aquele gostoso cafezinho mineiro com biscoito frito na bicentenária cozinha: ao professor Adriano, que coordenou a visita, ao prof. João Magalhães(*) que nos levou de carro graciosamente; à professora Luzia, diretora da Escola Estadual Assis Resende; ao Róbson Souza, “gerex”[gerente executivo] do Banco do Brasil; ao sr. Valcides, conhecido escultor de nossa terra: ao Dr. Joaquim de Souza Lima, presidente da Rádio Inconfidentes FM; ao Dr. Donizetti, meritíssimo Juiz de Direito, os quais nos recepcionaram tão afavelmente.

Agradecemos também ao estudante Ígor Maia Moreira pela ajuda prestada na busca de novos patrocinadores; ao vereador Cristiano Moreira pela verificação que fez do relatório da câmara”.

Com o decorrer do tempo, devido a sessões como “Gente que fez e faz história”, “Benzedores e curadores da região”, “Jogo aberto”, “Os “turcos”em Resende Costa”, [na realidade, são sírios e libaneses, apelidados de turcos porque emigravam para a América com passaporte turco, uma vez que o Império Otomano dominava a região deles], as colunas tornaram-se cada vez numerosas; as notícias da região e tantas outras matérias, a popularidade e o prestígio de nosso jornal só foram crescendo. Chegou ao constrangimento de não atender pedidos para publicar textos, devido à falta de espaço.

Nunca vi um jornal voluntário e gratuito com tal longevidade e com tanto conteúdo e procura. O sucesso foi grande. Para citar alguns exemplos: O texto sobre o benzedor Emídio do Bengo virou música (“Deus na terra” – dupla Lourenço e Lourival, versos do Didico Vieira). A série sobre os “turcos em Resende Costa chegou até ao Líbano. A página do texto sobre o Zé Padeiro ficou colada por um certo tempo na sala da residência de um dos seus filhos.

O periódico tornou-se até hoje um documento histórico de nossa cidade. Quem quiser saber de tudo que aconteceu aqui de importante, de 2003 para cá, basta consultar o JL. Posso afirmar porque tenho todos os exemplares. Do nº 1 ao 240.

É o que penso. E você?

 

(*) Agradeço ao Denilson pelo que publicou abaixo do editorial que escrevi a seu pedido.  “Agradecimento Especial: A equipe do Jornal agradece de forma especial ao Prof. João Evangelista de Magalhães que muito nos ajudou, em todo momento, para a publicação desta edição”.

A função social e religiosa das Irmandades Católicas

26 de Abril de 2023, por João Magalhães 0

Membro da tradicional Irmandade do Santíssimo Sacramento de Resende Costa carregando a cruz na Procissão do Encontro (foto Thiago Morandi)

Quando estas linhas chegarem aos olhos do leitor, as vivências comemorativas da Semana Santa já terão passado. No entanto, como o auge da atuação das irmandades católicas acontece durante esta semana, cabe um comentário sobre a importância delas.

A base deste comentário está numa leitura recente do livro “As três Igrejas dos Homens Pretos de São Paulo de Piratininga”, de Fabrício Forganes Santos, publicado pelo Museu de Arte Sacra de São Paulo. Fabrício é mestre em arquitetura e urbanismo e ministra cursos e palestras nesse museu sobre suas pesquisas e estudos, que são a presença negra no urbanismo brasileiro, sobretudo os lugares do catolicismo negro. Ele é membro da Comunidade do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França – SP.

Quando li a dedicatória, a citação no prefácio, as referências bibliográficas e os anos de pesquisa, confesso que o livro me cativou. Dedicatória: “Aos malungos devotos da Senhora do Rosário, de [santa] Efigênia e [santo] Elesbão e de São Benedito. Salve eles!”. Malungo, palavra muito usada nas línguas bantas com uma ampla semântica, conforme as pesquisas: companheiro, colega de infortúnios, correntes de ferro que prendiam os escravos, aquele que teria vindo no mesmo tumbeiro, vínculo afetivo pela mesma nacionalidade, nascido no mesmo ano que outra pessoa. E muitos outros significados. Basta consultar o “Novo Dicionário Banto do Brasil”, de Nei Lopes.

Até hoje chamo de malungo a quem tem a minha idade. Influência de meu avô materno Joaquim Sérgio de Mendonça (Padrim Quinca). Ele sabia várias palavras da língua dos negros que foram escravos de seu avô por conviver com eles na infância.

Citação de Luiz Gama no prefácio: “Em nós, até a cor é um delito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”.

Luiz Gama (1830-1882) viveu na carne as agruras da escravidão, pois, embora nascido de pais alforriados, foi vendido como escravo pelo pai antes dos 10 anos! Mais tarde, sofre as consequências do preconceito racial, impedido que foi pelos alunos de se matricular na faculdade de direito do largo de São Francisco, hoje USP. Porém, não conseguiram impedir que se tornasse advogado por autodidatismo, que atuasse na concessão de liberdade a muitos escravos e fosse um dos maiores líderes da abolição da escravatura, a ponto de ser considerado seu patrono.

Algumas linhas sobre as inúmeras irmandades católicas. Acrescento também as Confrarias e as Ordens Terceiras, mas antes preciso explicar a igualdade e a diferença entre elas. As três eram formadas por leigos. Confraria é uma associação informal com o propósito de fazer caridade. Quando se constituía formalmente como pessoa jurídica, registrada e regida por estatutos, chamava-se Irmandade. As Ordens Terceiras são associações de leigos católicos vinculadas às tradicionais ordens religiosas medievais: Franciscanos, Carmelitas e Dominicanos. A devoção a seu santo padroeiro é seu fundamento e motivação.

O valor dessas instituições leigas para o catolicismo, historicamente, sempre foi enorme e modernamente ainda o é, acho eu. Posso afirmar, pois quando assumi e exerci por 6 anos o vicariato da Paróquia de São Benedito da Vila Sônia, em São Paulo, as três irmandades – São Benedito, Nossa Senhora de Fátima e Apostolado da Oração – colaboraram intensamente para os projetos de evangelização.

Historicamente eram meios de cristianização dos pagãos. Na época da colonização europeia, pagãos eram os negros na África e os índios na América. Na linguagem atual, os povos originários.

Forneciam mão-de-obra para as construções religiosas, igrejas, capelas, casas paroquiais e cemitérios. Cuidavam de Santas Casas de Misericórdia e outras obras de benemerência ou, até mesmo, fundavam-nas. Garantiam e garantem a frequência nos ritos litúrgicos. Promoviam e promovem festividades religiosas que movimentam as comunidades. Empenhavam-se e empenham-se na manutenção dos templos. Ajudavam e ajudam as entidades de inserção social.

Enfim, as irmandades catalisavam os anseios materiais e/ou espirituais dos variados grupos sociais.

É o que penso. E você?

“Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) deixa o humanismo como herança”

29 de Marco de 2023, por João Magalhães 0

Entre aspas porque faz parte do discurso de Sobral Pinto, que emocionou a todos no enterro de seu grande amigo. Na série sobre os grandes humanistas brasileiros, já escrevi sobre ele, Sobral Pinto; também sobre Graciliano Ramos, Dom Paulo Evaristo Arns. Agora, Alceu Amoroso Lima. Era para ser na edição de agosto deste ano, lembrando os 40 anos de sua “partida”, mas como o futuro ninguém sabe, resolvi antecipar. Nunca esqueci da frase de Dom Inácio Accyoly, abade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro: “Alceu, ao céu”.

Tristão de Athayde foi e será uma das intensas admirações minhas. Ainda fazendo o colegial (atualmente 2º grau) no seminário, lendo sobre Jackson de Figueiredo, soube sobre sua conversão ao catolicismo.  Depois caiu em minhas mãos seu livro (comigo até hoje): “Quadro Sintético da Literatura Brasileira”.  Mais tarde, já formado em Letras e lecionando literatura brasileira até me aposentar, ele foi um dos meus autores guia.

O último contato pessoal com ele foi no auditório do jornal Folha de São Paulo, onde ele era articulista. Ele ia dar uma palestra. Corri para assistir. Não havia lugar nem para uma mosca! O porteiro só me deixou entrar com a condição de ficar sentando no chão do palco. Foi um privilégio. Assisti à palestra a dois metros à frente dele.

Para mim, Alceu Amoroso Lima foi dos maiores vultos que o Brasil já teve. Escrever sobre ele é muito difícil e Leandro Garcia Rodrigues, em seu recente livro “Alceu Amoroso Lima - cultura, religião e vida literária” (Edusp 2012 (*)), confirma isso: “Falar de Alceu é realmente complicado e desafiador. Ele teve várias faces: crítico literário, crítico cultural, poeta bissexto, professor, ensaísta, advogado, filósofo, teólogo e outras mais – para ficar apenas no campo profissional, há ainda outras da sua dimensão pessoal”.

Prefiro, por conseguinte, mostrar ao leitor a comoção nacional que foi sua morte, num domingo, 14 de agosto de 1983, através dos jornais que publicavam seus textos. Consegui todos: O Estado de S. Paulo (já era assinante) – Folha de S. Paulo – O Globo – Jornal do Brasil. Tenho-os até hoje.

As manchetes, as narrativas, os artigos, as presenças no velório e na missa de corpo presente, o cortejo até o cemitério São João Batista acompanhado pelos batedores da Polícia Militar, os discursos à beira do túmulo, os depoimentos, os cânticos gregorianos dos monges etc.dão ideia de sua importância para o Brasil.

Marcaram presença no velório, ou missa, ou sepultamento dezenas de religiosos: dois cardeais (entre eles Dom Eugenio Sales), cinco bispos (entre eles Dom Luciano Mendes de Almeida, na época secretário da CNBB), como o mostra a missa de corpo presente celebrada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e concelebrada por cinco bispos e 26 sacerdotes, com pregação do abade Dom Marcos Barbosa. Além dos monges beneditinos.

Dezenas de políticos das mais variadas tendências, como os governadores Leonel Brizola e Franco Motoro, Francelino Pereira, Magalhães Pinto, Paulo Brossard, Darcy Ribeiro, o ex-secretário geral do Partido Comunista, Luís Carlos Prestes, e até o general Lira Tavares, ex-integrante da junta militar que governou o país, em 1969.

Dezenas de escritores e presidentes de academias, historiadores, reitores de faculdade: Austregésilo de Athaíde, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Abgar Renault, Origines Lessa, Viana Mogg, Antônio Houaiss, Antônio Carlos Vilaça, Cândido Mendes de Almeida, José Honório Rodrigues, Vivaldi Moreira, presidente da Academia Mineira de Letras.

Muito artigos nos jornais. Entre eles destaco o de Frei Betto, na Folha, o deArtur da Távola (nome literário do saudoso Paulo Alberto, do programa na TV Quem tem medo da música clássica?”), no Globo e o de Drummond no Jornal do Brasil.

Muitos depoimentos: Aureliano Chaves, presidente da República em exercício; Tancredo Neves, governador de Minas; Hélio Silva, historiador; Luís Viana Filho, senador; André Franco Montoro, governador de São Paulo; Sobral Pinto, advogado; José Honório Rodrigues, historiador.

Fecho com o depoimento do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, que realça minha grande admiração: “Após o golpe de 1964, poucas vozes se faziam ouvir no Brasil. Mas o próprio Castello Branco se declarou discípulo de Alceu e por isso não calaram também Alceu. E desde então ele sempre bateu na mesma tecla da democracia, liberdade e participação do povo. Devemos a Alceu a esperança de muita gente, e muitos pensamentos autoritários mudaram após conhecê-lo”.

É o que penso. E você?

 

(*) Agradeço a Elaine Martins (Laninha) por colocar à minha disposição o livro do Leandro sobre Alceu.  

Fevereiro de 2023: convém refletir sobre a Constituição Nacional

01 de Marco de 2023, por João Magalhães 0

O aniversário de 132 anos da promulgação de nossa primeira Constituição republicana, 24 de fevereiro de 1891, e o nome do segundo mês de nosso calendário, fevereiro, motivaram-me neste comentário sobre a Constituição Federal, tão ferida, conspurcada, desrespeitada, alterada em benefício próprio pelos recentes poderes Legislativo e Executivo.

Fevereiro, em latim februarius, por causa do deus Februus, da mitologia etrusca. Os etruscos eram um povo que habitava ampla região da Península Itálica e que foi absorvido pelo poderio de Roma por volta do século III antes de Cristo. Mas há uma hipótese de que seja de origem dos sabinos, outro povo que está envolvido na formação de Roma. Basta lembrar a lenda do “rapto das sabinas”.

O deus Februus, em Roma também nomeado como Plutão, era associado à morte e à purificação. Nessa época do ano, correspondente ao mês de fevereiro, em sua homenagem eram realizados os sacrifícios e rituais de purificação. As constituições do mundo acabam necessitando de purificação e de morte de suas partes que precisam se adaptar às mudanças sociais.

PEC (Proposta de Emenda Constitucional) é alteração, inclusão de conteúdo, atualização do texto original de uma Constituição sem necessidade de uma assembleia constituinte. Nunca foi tão banalizada como agora no Brasil!!

Toda associação tem seus princípios, suas normas, sua organização, seus organogramas que garantam sua finalidade, dá solidez e segurança à sua direção e disciplina o comportamento ético de seus membros ou dos que usufruem de suas benesses. Tudo isso é codificado em sua Constituição ou Regra.

As Associações Religiosas - no mundo católico as irmandades, as confrarias as congregações e ordens de padres e freiras etc. - todas têm sua Constituição ou Regras, como se usa nomear. Algumas ficaram famosas, pois orientam até hoje a formação religioso-disciplinar de muitos Institutos, como a Regra Monacal de São Bento, a de São Francisco de Assis, a de São Domingos de Gusmão, a de São Camilo de Lellis etc.

Tomo como explicação uma Constituição pouco conhecida, mas com grande influência na espiritualidade cristã: a Regra da Comunidade de Taizé (pronuncia-se Tézê). 

Em minhas mãos neste instante, transcrevo alguns itens que a fundamentam: a Oração – a Refeição – o Conselho da Comunidade – a Ordem – o Trabalho, – o Repouso – a Palavra de Deus – o Silêncio interior – a Alegria – a Simplicidade – a Misericórdia – o Celibato – a Comunhão com Deus – o Prior – os Irmãos em missão – os Novos irmãos – os Hóspedes etc.

A Comunidade de Taizé, cidade francesa na Borgonha, foi fundada pelo irmão Roger Schutz e seus companheiros. Usando as palavras do professor Felipe Aquino (em “Você ouviu falar de Taizé?), “Movido pelo desejo de propiciar a reconciliação entre cristãos e, em constituir a partir de 1940 uma comunidade dedicada à oração, ao trabalho e ao acolhimento de visitantes ou peregrinos. Tem uma característica fundamental para os dias de hoje de nosso Brasil: o Ecumenismo que acolhe pessoas de todosos sexos, credo e nacionalidade. A obra encontrou resistência durante os seus primeiros anos, nos ambientes protestantes. Hoje, porém, goza de estima e do apoio tanto dos protestantes como dos católicos; os Papas João XXIII e Paulo VI têm lhe dado eloquentes testemunhos de benevolência”. Roger foi prior deste mosteiro protestante até sua trágica morte. Foi assassinado no dia 16 de agosto de 2005 por uma mulher romena que o apunhalou várias vezes durante a oração da noite.

 Os países todos têm sua Constituição com seus princípios baseados em seus costumes, sua etnia, sua religião, seus livros sagrados, como a Torá para os Hebreus, o Corão para os Islâmicos. Não se trata, porém, de imutabilidade das Constituições. Tudo evolui e se transforma. Faz parte da vida. Frequentemente, há necessidade de modificações e reformas. No entanto, o que se condena é a banalização, as mudanças para interesses individuais escusos e até para o escape de responsabilidades.

A Constituição Nacional de 1988 tem cláusulas pétreas (artigo 60 § 4º). São elas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Dispositivos constitucionais que não podem ser alterados nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Cláusulas intocáveis e inatacáveis!

 É o que penso. E você?

Janeiro de 2023: a porta da esperança

26 de Janeiro de 2023, por João Magalhães 0

Neste novo ano iniciante há que se cultivar a Esperança.  Esperança de que as outras duas virtudes teologais, suas gêmeas, Fé e Caridade, voltem a ser praticadas. Uma vida sem esperança é desespero. O desespero que leva ao desânimo da descrença, à desilusão, à marginalização, à depressão e às vezes até ao suicídio.

Escrevendo sobre Esperança, impossível não se lembrar do cardeal dom Paulo Evaristo Arns. Sobretudo para quem acompanhou a carreira dele por esse mundo e, principalmente, trabalhou com ele na pastoral, meu caso. Seu núcleo de pregação e atuação sempre foi a Esperança, como o mostra o lema de seu brasão: “De Spe in Spem”, da Esperança para a Esperança. Ou seja, aumentar cada vez mais seu grau de espera. Lutar para que as coisas melhorem. Meditar sobre o modo de conseguir que isso aconteça. A virtude da Esperança precisa ser exercida e professada em nossas vidas e corações.

Nosso mundo já vinha desumanizando-se com mentes totalitárias e ditatoriais assumindo o poder; infelizmente, em alguns países, através do voto. O ser humano vale pouco para as ditaduras. A pandemia virótica bagunçou tudo: desemprego, perda do poder econômico, inflação, fome, carência de vacinas, etc.

A esperança pressupõe fé no sentido de crença. Se você não acredita que o real pode mudar para melhor, não vai fazer nada para que isso se realize.

Quanto à fé nos dogmas e ensinamentos, que são o fundamento das religiões, convém refletir sobre as palavras escritas pelo papa emérito Bento XVI na encíclica “Deus Charitas est” (Deus é amor), Natal de 2005. Parece uma profecia: “Num mundo em que ao nome de Deus se associa, às vezes, à vingança ou mesmo o dever do ódio e da violência, esta mensagem (Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele) é de grande atualidade e de significado muito concreto”.

Aqueles que tentam gerar engajamento político por meio da religião ignoram um dos pontos centrais do cristianismo. O uso de religião para fins político-eleitorais acho absolutamente condenável.

Novamente Bento XVI: “Pertence à estrutura fundamental do cristianismo a distinção entre o que é de César e o que é de Deus, isto é, a distinção entre Estado e Igreja ou, como diz o Concílio Vaticano II, a autonomia das realidades temporais. O Estado não pode impor a religião, mas deve garantir a liberdade da mesma e a paz entre os aderentes das diversas religiões”.

São palavras muito incisivas. Separação entre Igreja e Estado Democrático de Direito não é circunstancial. Faz parte da estrutura fundamental de ambos. Esta talvez seja a tarefa mais importante: redescobrir a radical relação entre religião e a dimensão humana da existência.

Como Jesus Cristo pregou, o sábado está a serviço do ser humano e não o contrário. Uma compreensão renovada do religioso é encarar a democracia como um dos princípios básicos do cristianismo. Ou seja, a defesa da dignidade humana, a descoberta da verdade, seja ela religiosa, ética, filosófica ou científica.

Cristianismo não é imposição nem prevalência sobre as demais crenças. Muito menos desprezo por outras fés. É diálogo. É ecumenismo: trabalhar juntos por boas causas.

Esperança pressupõe Caridade no sentido de amparar os carentes em suas necessidades básicas, muito enfatizadas na teologia católica das obras de misericórdia:  1 - dar de comer a quem tem fome; 2 - dar de beber a quem ter sede; 3 - vestir os nus; 4 - dar abrigo aos peregrinos; 5 - assistir aos enfermos; 6 - visitar os presos; 7 - enterrar os mortos.

Sem a prática delas, a meu ver, não adianta insistir nas, assim chamadas, obras de misericórdia espirituais: instruir; aconselhar, consolar, confortar, perdoar, suportar com paciência e rogar pelos vivos e pelos mortos.

O país mudou de governo. A esperança é que o Estado brasileiro fortaleça suas estruturas constitucionais e os novos integrantes dos poderes Executivo e Legislativo executem suas promessas feitas na campanha eleitoral.

Resumindo: que as obras de misericórdia acima nomeadas sejam efetivamente um dever de Estado.“ Guarda o amor e o direito e espera sempre no teu Deus” (Oseias12,7)

É o que penso. E você?