“Terminada a II Guerra Mundial, o Totonho do Sobico, que fora sargento na guerra, funda, em maio de 1946, o Expedicionário Futebol Clube (“Expedicionário”, assim mesmo, no singular), cujo escudo era uma “cobra fumando”, emblema da Força Expedicionária Brasileira (FEB). O uniforme era uma camisa tricolor, em azul, vermelho e branco, em estreitas faixas verticais e um calção branco. Esse time foi o de mais longa vida entre nós, eis que ainda existe”, assim escreveu em artigo para o JL o saudoso resende-costense Alair Coêlho.
Alair conta com orgulho os feitos do Expedicionários: “O primeiro jogo do Expedicionário foi contra um time de São João del-Rei, tendo o Expedicionário vencido por 6x1. É de se destacar que tivemos alguns craques famosos, como o foram Sossó, Iraci, Totonho do Sobico e Betinho Peluzzi, dentre outros. Betinho Peluzzi saiu do Expedicionário, onde atuava no time reserva, e logo foi campeão pelo América mineiro, em 1948, tendo sido também titular da Seleção de Minas Gerais, na época em que havia um Campeonato Brasileiro disputado pelas seleções dos estados. Betinho ficou famoso com o nome de Helbert, seu nome de batismo e de registro. Foi o primeiro resende-costense a se profissionalizar como jogador de futebol. E que jogador!”, escreveu Alair em 2013.
Expedicionário tem mesmo história na cidade. Alair bem disse que essa história é digna de nota. “Quando da fundação do Expedicionário, havia entre nós, os fundadores, um jovem jogador, José Fidelis dos Santos, que, embora resende-costense, fora criado em Prados por um tio médico, que se mudara de Resende Costa em razão de desgostos políticos. José Fidelis, cuja mãe continuou morando em nossa cidade, trouxe de Prados, a nosso pedido, peças de uma bola de futebol, de tamanho oficial e nós, utilizando uma velha câmara de ar, já remendada e muito velha, montamos uma bola que, de par com uma outra, já gasta, do Totonho do Sobico, foi a primeira bola do Expedicionário e também a primeira montada em Resende Costa.”
No aniversário do clube, mais uma lembrança deixada pelo Alair que merece destaque. “Em seus primeiros anos de vida, o Expedicionário nunca teve uma diretoria, pelo menos até a transferência para Belo Horizonte do Totonho do Sobico, nosso querido Antônio Argamim de Freitas, seu fundador e líder. Algumas pessoas, inconformadas com a ‘ditadura’ do Totonho do Sobico, tentaram, certa vez, constituir uma diretoria para o Expedicionário, tirando-o das competentes mãos do Totonho. Reuniram-se num cômodo de comércio que havia na casa do José Procópio da Silva (hoje casa do Boanerges) e em meio à reunião, quando ia começar a votação, nós dissemos, bem alto, em nome de outros membros do Expedicionário: ‘nós queremos a ditadura do Totonho do Sobico.’ A reunião acabou ali e o Expedicionário continuou sua vida vitoriosa, até hoje, embora agora o chamem de “Expedicionários”, num erro de “número” (singular/plural) e sem respeito ao uniforme de origem”, finaliza Alair Coêlho.
A grafia é realmente algo que chama a atenção. Por ter sido fundado por apenas um expedicionário, o nome teoricamente acompanharia o singular. No entanto, todos os registros apontam o nome com “s”, o que justifica a utilização de “Expedicionários”.
A partir da década de 80
As primeiras informações do clube, que completou 76 anos, ficaram por conta da história, muito bem contada, por quem fez parte da fundação do clube: Alair Coêlho, que nos deixou há pouco mais de um ano, em 26 de abril de 2021. Antes de completar 50 anos de história como clube de futebol, Alair, assim como a maioria dos resende-costenses, viram o Expedicionários sendo dirigido pelo João Bosco Coelho, o João Bosco da Loja. Apesar de não ter mais ligação oficial com o clube, João Bosco é uma das pessoas que fazem parte da história do Expedicionários. “Não tinha hora de entrar nem de sair. Era o primeiro a chegar e o último a ir embora. Hoje em dia, eu até fico afastado, porque se eu ficar ali vendo, eu quero voltar.” Com saudosismo e muitas histórias, João Bosco conta que começou a “tomar conta” do Expedicionários depois de ter criado o time IBIS – em homenagem “ao pior time do mundo”. No entanto, o de Resende Costa de ruim só tinha mesmo o nome, de acordo com ele.
Como não tinha campo, os treinos do IBIS eram mais difíceis. Foi então que João Bosco começou a tomar conta do Expedicionários e muitos jogadores do IBIS se transferiram para esse time, terminando assim a equipe que fez homenagem ao pior time do mundo.
Com treinos duas vezes na semana, todos que chegavam e queriam jogar se integravam ao time. Apesar de disputar campeonatos locais em todas as comunidades, João Bosco se lembra de quando começaram a disputar no regional e a mudar o panorama da qualidade do time. “Eu tinha um amigo em São João del-Rei que era diretor de um campeonato são-joanense e pedi uma chance para um time de Resende Costa disputar. Na época, o Doutor Luiz era prefeito aqui da nossa cidade. Eu precisei de ajuda do poder público para a condução e também pagar aos juízes. Nós conseguimos ajuda na época, mas, mesmo assim, toda semana eu precisava pagar do meu próprio bolso. Só depois, ao final do mês, eles acertavam. Assim eu fiz. E deu tudo certo. Só não deu certo porque não fomos campeões. Nosso time estava bem aquém do nível, mas nossa turma aprendeu bastante. Na verdade, foi melhor do que ganhar. A meninada se entusiasmou muito. Os portões do campo nos dias de jogos eram abertos, sem cobrança. É assim que funciona, com a participação do povo”, recorda-se João Bosco.
Além do time, João Bosco também cuidava do campo. “A gente levava a cal e a colocava certinho para fazer as marcações do campo. Todo mundo ajudava. Não tinha luz, não tinha arquibancada, não tínhamos a estrutura de hoje. Era tudo mais difícil. Eu já cheguei a doar chuteiras para alguns jogadores. Muitas vezes, a gente tirava dinheiro do bolso para pagar lanche para os atletas. Isso foi muito gratificante. Os jogadores, muitos já casados, até hoje se lembram dessas histórias e têm um carinho muito grande para conosco.”
A atividade do time sempre foi destaque. “Se não tínhamos campeonato, a gente arrumava um lugar para jogar. Todo fim de semana era assim. O Doutor Paulo ajudava, o Eliano do Capoeira, que já nos deixou, também ajudava. Ele tinha uma kombi e eu ia com o carro. Por sua vez, o Doutor Paulo ia com o dele. Todos os domingos de manhã, nós partíamos para onde quer que fosse. Fazíamos algumas coisas que, se fossem hoje em dia, até iríamos presos. Colocávamos até dez pessoas no carro e nos dirigíamos para o antigo Porto, hoje Santa Cruz de Minas. Graças a Deus, nunca aconteceu nada, mas era um risco. Acredito que nunca aconteceu nada porque quando a coisa é boa, dá certo. A gente não tinha celular, não tinha computador, essa era a nossa diversão.”
Dos vários jogos e campeonatos, João Bosco se recorda de um fato engraçado. “A gente estava disputando um jogo contra o Ramos e quem ganhasse iria jogar contra o Curralinho em um campeonato local. Aos 47 minutos do segundo tempo, o juiz, que era de São João del-Rei, marcou um pênalti a favor do Ramos. A torcida foi à loucura, pois não foi pênalti. Mas o juiz manteve a marcação. O jogador deles perdeu o pênalti e a gente se classificou. Eu fui até São João del-Rei e pedi para que ele não apitasse mais os nossos jogos. Depois de um tempo, ele me encontrou em um jogo em São João del-Rei e disse: ‘Engraçado... nunca mais apitei jogo em Resende Costa’... Ele só não sabia que era eu quem tinha pedido para ele não apitar, até porque, se ele errasse algo simples, iria ser cobrado por nós.” Coisas do futebol que João Bosco relembra com saudade.
O Expedicionários completa 76 anos
Hoje quem está à frente do Expedicionários é Paulo Ricardo. Paulo conta que uma das demandas quando assumiu o clube era justamente marcar a data de fundação. “Há divergência sobre a data de fundação, se é 8 ou 16 de maio. No primeiro livro de atas, consta 8 de maio. Porém, quando assumi a presidência do Expedicionários, uma das minhas vontades era marcar a data do aniversário. Os clubes da região todos sabem da data de suas respectivas fundações, relembram-nas sempre... e a gente não. Ano passado não teve como fazer nada porque a pandemia não permitiu. Mas neste ano, realizamos o evento em comemoração aos 76 anos do Expedicionários. E que seja o primeiro de muitos! Durante todo o dia 7 de maio, sábado, o Campo do Expedicionários recebeu jogos de atletas de todas as idades e contou com a presença de autoridades municipais.
As atividades do clube seguem a todo vapor. Os times estão disputando o Regional de Prados, a Copa Regional Sub-25, que conta com times da Zona da Mata e Campo das Vertentes, o Municipal de Resende Costa na primeira e segunda divisões e o Regional de veteranos, com os times de 40 e de 50 anos. “Todo fim de semana a gente disputa campeonato. Seja na cidade ou fora dela, estamos sempre jogando.”
Paulo fala sobre planos futuros para o clube resende-costense. “Queremos fazer um trabalho social maior. Eu já estou com 180 garotos, no entanto quero chegar a 300. Hoje todos os atletas são sócios do clube, e é importante que quem queira ajudar se torne sócio também: apadrinhe um garoto. Esse ano tivemos perto de entrar na Copa Alterosa Zona da Mata, categoria adulto. Não conseguimos por falta de vaga, mas queremos essa vaga em 2023. Vamos sempre tentar voos maiores de agora para frente”, conclui o presidente do Expedicionários.