A vida saudável começa na escolha de uma boa alimentação


Entrevistas

André Eustáquio e Emanuelle Ribeiro0

O cardiologista Roberto Castelli (Foto André Eustáquio)

O cardiologista Roberto Castelli de Souza está morando em Resende Costa há cinco meses e a qualidade de vida na cidade já o conquistou. Distante da violência gigantesca em sua cidade natal, o Rio de Janeiro, doutor Castelli está encantado com a tranquilidade da cidade, com a boa alimentação – “aqui a gente come verduras e legumes sem o uso de agrotóxicos” – e com a acolhida: “Quando tentei vir para cá, o prefeito Aurélio me recebeu muito bem”.

Formado em medicina em 1975 pela Unirio, doutor Castelli se especializou em Cardiologia no Instituto Nacional de Cardiologia. Na década de 70, ele prestou concurso do Ministério da Saúde e foi aprovado. “A partir da década de 80, com o SUS, não houve mais concursos para o Ministério da Saúde. Trabalhei no Rio de Janeiro, fui transferido para Petrópolis e agora consegui a transferência para Resende Costa”.

Aos 67 anos, doutor Castelli não fala em aposentadoria. Na verdade, projetos é que não faltam em sua nova etapa profissional em Resende Costa. “Tenho duas matrículas do Ministério da Saúde, minha carga de pacientes é grande e ainda não está preenchida totalmente. Trabalho nas cidades da região atendendo particular, mas mantenho o serviço público aqui na cidade. Devo chegar a 80% da minha carga em atendimento e os outros 20% restantes quero dedicar a outras atividades. Devo também começar a visitar acamados e me deslocar à zona rural para atender outras pessoas. Vamos ampliar nossas atividades”. Doutor Castelli atende no Centro de Saúde às segundas e sextas-feiras.

O JL conversou com doutor Castelli no lugar onde ele mais gosta de ir em Resende Costa: na Biblioteca Municipal. “Adoro esse lugar. A beleza e a tranquilidade que encontro aqui me inspiram a estudar”.

 

As doenças cardiovasculares ainda são a principal causa de morte no Brasil. Quais são os fatores que contribuem para o aumento dessa estatística? Todos os fatores de risco: pressão alta, diabetes, sedentarismo, insuficiência renal, dislipidemia, colesterol, triglicérides, dentre outros. Cada fator desse, quando se junta a outro, cria uma expectativa maior de o paciente, em 4 ou 5 anos, aumentar a possibilidade de ter uma determinada doença cardíaca ou até mesmo chegar a óbito.

A hipertensão é uma doença silenciosa que muitas vezes surpreende as pessoas... Na maioria das vezes é uma doença silenciosa. No passado, eu me lembro que há uns 30 anos, se via mais sintomas no paciente. Isso não está descrito na literatura, mas a gente via isso no dia a dia. Hoje é raro o paciente chegar ao médico com sintomas. Ele veio porque se consultou com o clínico, foi avaliado, identificou-se pressão alta e foi encaminhado ao cardiologista. Então é uma doença silenciosa que pode ter complicações uma, duas décadas depois.

Quais são os fatores que desencadeiam a hipertensão? Atualmente, está muito mais ligado aos hábitos de vida. Existe um estudo realizado há uns 30 anos com índios da Amazônia aculturados longe da civilização, distante dos nossos erros alimentares. A alimentação deles não continha sal. Não havia, portanto, nenhum hipertenso nas aldeias. Também aconteceu no Japão, antes da Segunda Guerra, quando o japonês ainda não sofria com a invasão da cultura norte-americana e se alimentava de peixes, carnes magras e frutas. Ou seja, eram grupos que não tinham colesterol e pressão altos. Com a entrada do norte-americano no território japonês, os hábitos da população local mudaram, aumentando o número de derrames e infartos, influência de uma alimentação mais rica em gordura e sal.

Aumentou também a incidência de câncer... Hoje se vê que o câncer está também bastante ligado à questão da alimentação. O câncer de boca e de esôfago, por exemplo, tem mais incidência no sul do país, por causa do Chimarrão. A questão chave é a alimentação. O tabagismo também é um vilão. Fumantes têm mais chances de desenvolver câncer e doenças cardiológicas.

E o álcool? O álcool tem um peso menor, mas ainda é influente em certas doenças, como cirrose hepática e câncer de estômago.

Quando é possível afirmar que um paciente é hipertenso? Um dos maiores erros é medir a pressão na rua, durante campanhas, em bancas, em momentos específicos. Isso porque a nossa pressão não é linear. Portanto, é necessário medir mais vezes. Existem situações no dia a dia que fazem nossa pressão oscilar. Sendo assim, medir a pressão somente uma vez não é suficiente para diagnosticar a hipertensão. Há ainda exames específicos para determinar se a pessoa é ou não hipertensa. Existe um exame de monitoração de pressão arterial, em que usa-se um aparelho que fica insuflando de 20 em 20 minutos e registrando as medidas durante 24 horas. Após retirar o aparelho, faz-se um gráfico que mostra os níveis de pressão. Se o paciente estiver acordado existe uma média e, dormindo, outra. Se a média total ultrapassar os 50%, o paciente pode ser considerado hipertenso. É um exame pontual porque se tem como parâmetro momentos diferentes da vida do paciente. Um aspecto importante ao criar esse mapa é perceber um decréscimo de mais de 10% quando o paciente dorme. Se esse percentual não cair, as chances de hipertensão são grandes.

Esse exame é acessível na rede pública de saúde? É um exame simples como o Eletrocardiograma, o Teste Ergométrico e a Prova de Esforço. Em Resende Costa não temos, mas dentro do Cisver (Consórcio Intermunicipal de Saúde das Vertentes) a gente tem condições de pedir sem muita demora.

O estilo de vida do brasileiro pode ser considerado satisfatório quando se pensa numa boa qualidade de vida? Em termos de Brasil, temos uma culinária variada e altamente pesada, de Norte a Sul. Em Minas, os derivados da carne de porco. No sul, muita carne. A culinária brasileira é muito prejudicial. Mas a gente percebe que as pessoas estão se conscientizando mais e optando por carne branca, legumes, frutas e verduras em sua dieta. No interior, uma alimentação saudável é mais acessível e temos a vantagem de consumir alimentos com menos agrotóxico, o que ajuda na prevenção do câncer. Fala-se muito da alimentação saudável, mas pouco do agrotóxico. Muitas vezes, pensamos estar consumindo um alimento saudável, porém ele está cheio de agrotóxico. Portanto, não é só comer legumes e verduras, mas é importante tê-los sem agrotóxicos. Os alimentos orgânicos são um diferencial na vida no interior.

A vida saudável está, então, diretamente ligada a uma boa alimentação? E a uma boa quantidade de exercício físico. Um segundo momento muito importante para a prevenção de doenças cardiológicas e do câncer. Porém, o que muitas vezes acontece, é que as pessoas praticam exercício físico sem fazer uma prévia avaliação cardiológica. Normalmente, o Teste Ergométrico é o melhor exame para avaliação. As pessoas dizem: “Eu corro há três anos e nunca aconteceu nada, então pode me dar um atestado, porque não tenho nenhum problema”. O tempo não é importante. Jogadores de futebol, acondicionados e preparados, já morreram subitamente dentro de campo.

Há jovens que praticam atividades físicas nas academias e fazem uso de anabolizantes... Anabolizante é um prato cheio para despertar a hipertensão. Ao lado das drogas, é uma das maiores causas de infarto em jovens. Não tem nada de saudável. O saudável não é o superatleta, mas, sim, ter uma frequência moderada de atividades físicas – cinco dias por semana, de 30 a 40 minutos. Mas é importante avaliar e decidir isso junto com o médico. Inicia-se com uma carga menor e vai aumentando com o tempo.

A pessoa pode, às vezes, sair da dieta e comer um bom churrasco, sem culpas? Quando se fala em compulsão alimentar, ou seja, uma vontade muito grande de comer, é necessário mais rigidez. Existem, inclusive, terapias comportamentais e medicações para restringir a saciedade. Tudo depende da característica do paciente. Para aqueles que saem, às vezes da dieta, não há problema. O que não pode é a pessoa passar a semana inteira comendo alimentos não indicados, cheios de sal e de gordura.

O vinho realmente faz bem para o coração? Sim, é verdade. Mas não posso falar isso para um alcóolatra. Os componentes do vinho são bons para as artérias, para diminuir a arteriosclerose. Falamos em uma taça de vinho por dia, somada a alimentos saudáveis. Existe um estudo relativo à alimentação dos italianos, acostumados a consumir vinho desde cedo, que mostra que eles têm uma quantidade menor de colesterol do que o restante da Europa. Vivem mais tempo também.

Ou seja, a longevidade está também ligada a uma boa alimentação... Quanto menos doenças você tem, mais tempo você vive. Se a saúde pública no Brasil focasse mais na questão preventiva, não estaríamos fazendo tantas angioplastias, cateterismos, exames e cirurgias de vascularização como se tem feito. Tem-se um custo altíssimo.

Qual a melhor hora do dia para a prática de atividade física? Do ponto de vista do bem estar, não é bom fazer com sol quente. Mas depende da pessoa. Não existe um horário ideal do ponto de vista médico. Hidratação é fundamental.

O senhor indicaria algum exercício físico específico para quem está iniciando? Tenho um grande amigo cardiologista, especialista em medicina de esportes. Ele tem uma clínica em Niterói para reabilitação de infartados e acompanha vários casos. Antigamente, não era indicado ao infartado exercícios de musculação. Hoje em dia até se faz, com todo o acompanhamento, é claro. Estou falando do paciente que já está acompanhado por um serviço especializado. Mas há uma modalidade de exercício que não precisa de acompanhamento médico e é extremamente simples: caminhar. A caminhada é uma atividade básica desde o início da existência humana. Da caminhada pode-se chegar a trotar, a correr... Mas é importante começar caminhando, pelo menos cinco vezes por semana. “Ah mas eu jogo bola uma vez por semana”. Não é suficiente. E mais, você pode morrer praticando a atividade, porque não está devidamente preparado. Exercício competitivo também não é bom, não tem a ver com prevenção cardiológica.

As estatísticas mostram que no inverno aumentam os casos de doenças ligadas ao coração. Por quê? Na verdade, existe um aumento dos níveis de pressão. Trata-se de uma vasoconstrição devido ao frio. Portanto, no inverno há uma tendência maior para o surgimento de situações que envolvem obstrução das artérias, seja AVC, infarto, doenças do cérebro e do coração. Um número maior de infartos ocorre pela manhã, ao acordar, quando há uma descarga maior de um hormônio de suprarrenal.

Como os pais podem orientar seus filhos para que obtenham uma vida saudável? Existem estudos anatômicos que observam crianças que já possuem placas – sinais de infarto – aos 6, 7 anos de idade. O entupimento das artérias começa cedo, a pessoa já nasce com o problema, está na genética. Mas é possível prevenir. Existe um projeto público em Santa Catarina que proíbe as cantinas das escolas de venderem fast food. É difícil educar, porque as crianças preferem mais refrigerante, fritura... Mas quem sabe, educando essas crianças na escola, elas não possam também transmitir os hábitos alimentares saudáveis aos pais. É por aí. Existe um trabalho na Finlândia em prol de uma melhor alimentação das crianças e as análises clínicas mostram resultados bons. Fala-se que criança não tem pressão alta, mas tem sim. Todo pediatra deveria aferir a pressão de uma criança com as observações específicas. Criança tem que ter boa alimentação e fazer atividade física. As diferenças são grandes, como mostra esse trabalho realizado na Finlândia.

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