A volta à casa do seu acervo de obras raras é o melhor presente que a Biblioteca Pública Municipal Baptista Caetano d´Almeida, de São João del-Rei, a mais antiga biblioteca pública de Minas Gerais, poderá receber ao comemorar os seus 200 anos de existência em 2027. Atualmente, este acervo de 2.771 títulos de obras publicadas entre o século XVI e início do século XX encontra-se no Centro de Documentação, Campus Dom Bosco, da Universidade Federal de São João del-Rei (CEDOC-UFSJ).
A Biblioteca Pública Municipal deverá passar por uma reforma completa, por meio de licitação em 2026, que incluirá a recuperação de um espaço adequado para receber estas obras raras, diz Caio Andrade, secretário municipal de Cultura e Turismo. As negociações para o retorno do acervo, que pertence ao Município, vão ser iniciadas junto à UFSJ, tendo em vista as comemorações do bicentenário da Biblioteca Pública, segundo informa a bibliotecária Rosy Mara Oliveira. Atualmente, o acervo encontra-se sob a responsabilidade da professora Christianni Morais, mas o comodato já está vencido.
Estrelas
Entre as estrelas deste acervo, estão o Le Moniteur Universel e a Encyclopédia Méthodique. “A relevância desse patrimônio histórico e artístico de São João del-Rei é incomensurável”, relatou o jornalista Guilherme Rezende, em reportagem publicada no extinto Monitor das Gerais. “Obras de valor inestimável do Iluminismo que influenciaram a Revolução Francesa, motivo de prestígio para bibliotecas de todo o mundo, tanto Le Moniteur Universel quanto a Encyclopédia Méthodique, integram o Acervo de Obras Raras da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d’Almeida”, escreveu Guilherme.” Le Moniteur Universel, jornal mais representativo do período da Revolução Francesa, é um dos bens mais valiosos do acervo de obras raras da Biblioteca são-joanense, acrescenta.
“Parte do conjunto dessas obras foi doada pelo comerciante Baptista Caetano d’Almeida, espírito abnegado e idealista que, às próprias expensas, inaugurou a Livraria Pública de São João del-Rei, dia 19 de agosto de 1827, em uma das salas da Santa Casa da Misericórdia. Para manter a biblioteca em atividade, conseguiu o apoio de 90 subscritores, contribuindo com uma taxa de cinco mil réis por ano. Tempos depois o acervo incorporou outras doações, a mais significativa feita pelo inconfidente José de Rezende Costa (filho).”
Com a biblioteca instalada aos fundos da Casa de Bárbara Heliodora, o acervo foi consolidando um perfil marcado pelo interesse por autores Iluministas e obras relacionadas à França, relata Guilherme. “Esse caráter do acervo é destaque em vários estudos de pesquisadores brasileiros e do exterior, dos quais se evidencia Burns, E. B. (1964). The Enlightenment in two colonial Brazilian libraries. Journal of the History of Ideas in: Journal of the History of Ideas, 430-438. As duas bibliotecas particulares mencionadas são as de Baptista Caetano e José de Rezende Costa.”
Difusor de ideias
Segundo a reportagem, Le Moniteur Universel foi um jornal de grande difusão tanto na França como em toda a Europa e nos Estados Unidos, durante a Revolução Francesa. Fundado em 1789, circulou até 30 de junho de 1901. Desde o primeiro número, transcreveu na íntegra e sem comentários os debates da Assembléia Nacional, graças à técnica da estenografia. «O jornal reverberou todas as tendências do movimento revolucionário, expondo em suas páginas sucessivamente os direcionamentos ideólogicos monárquicos, constitucionais, girondino, jacobino, imperial. Essa diversidade de tons e cores representa o imenso valor do Moniteur como repertório histórico.»
Em dezembro de 1799, Napoleão Bonaparte assumiu o controle do Le Moniteur, prossegue Guilherme. “Durante todo o tempo que se submeteu à intervenção do regime napoleônico sobre a imprensa, os informes dos debates legislativos foram substituídos por boletins da Grande Armada e artigos polêmicos contra a Inglaterra. A condição de diário oficial do governo francês perdurou, no entanto, de 1800 a 1860.”
“Indício da influência das doutrinas iluministas sobre os movimentos libertários na América, no final do século XVIII, uma coleção considerável de exemplares do Le Moniteur Universel, na Biblioteca Pública de São João del-Rei, é um desafio à pesquisa em diversas áreas do conhecimento”, provoca Guilherme. A coleção vai desde a número 1º, de 24 de novembro de 1789, ao 243, de 1806.
Encyclopédie Méthodique
Outra preciosidade do acervo de obras raras da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d’Almeida é a Encyclopédie Méthodique, escreveu Guilherme. «Um elemento comum entre Le Moniteur Universel e a Encyclopédie é Charles-Joseph Panckoucke, editor das duas publicações. Filho de um livreiro de Lille, Panckoucke se estabeleceu em Paris, onde exerceu uma função fundamental na história literária de seu tempo.”
Panckoucke era muito ligado ao filósofo Voltaire, cujas obras editou. E ele ainda “se identificava, tanto pelo caráter quanto pela tradição familiar, com as doutrinas de Diderot e d’Alembert. Uma sugestão que fez a Diderot, a de dar uma continuidade à L’Encyclopédie, se concretizou anos depois com a publicação do Supplément, entre 1875 e 1877”.
Porém, segundo Guilherme, “a grande obra dele só tomaria corpo em 1782 com a edição da Encyclopédie Méthodique, que foi um prolongamento da grande Encyclopédie, organizada por assunto e por ordem alfabética. A publicação dos 210 volumes estendeu até 1832, sob a responsabilidade da filha de Panckoucke. Pois foi esse mesmo Panckoucke, editor renomado ao fim do Antigo Regime, quem deu vazão ao seu espírito empreendedor, se associando a Hughes Bernard Marte para fundar La Gazette Nacionale ou Le Moniteur Universel, em 1789”.
Catalogação
Na década de 1980 e posteriormente em 2001, toda a coleção passou por trabalhos completos de catalogação realizados por professores da Universidadce Federal de Minas Gerais (UFMG) e da UFSJ, sob orientação da professora Lucy Hargreaves.
Em 1980, o acervo teve o seu primeiro trabalho de catalogação. As professoras Marysia Malheiros Fiuza e Sonia de Conti Gomes (UFMG) elaboraram um catálogo das obras raras publicadas entre os séculos XVI e XVIII. Em 2001, o trabalho foi retomado pela professora Lucy, abrangendo ações de higienização e conservação dos 1124 volumes correspondentes a 478 títulos (séculos XVI a XVIII); 4845 volumes de 2173 títulos (século XIX); 189 obras do século XX e 34 obras sem datas precisas. Entre estas obras, estão as mais antigas publicadas no Brasil (1810) e, na sua maioria, doadas á Biblioteca pelo inconfidente José de Rezende Costa (filho).
O trabalho de higienização das obras continua, sob a responsabilidade da professora da UFSJ, Christianni Morais, de acordo com a bibliotecária Rosy Mara Oliveira.