APAC de São João del-Rei conta com atendimento de qualidade na área da saúde

Alunos do 5º período de Medicina da UFSJ realizam atendimento aos recuperandos sob supervisão do médico e professor resende-costense Luiz Antônio Pinto


André Eustáquio


O professor Luiz A. Pinto (primeiro à direita) com os alunos de Medicina, na APAC (Foto arquivo particular)

A APAC conta, em suas atividades, com a parceria de setores, instituições da sociedade e também de pessoas que prestam trabalhos voluntários. O médico resende-costense e professor do curso de Medicina da UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei), Luiz Antônio Pinto, conheceu a APAC no final de 2014 e em 2015 começou a trabalhar no atendimento à saúde. “Conheço o Fuzatto (Antônio Carlos de Jesus Fuzatto, fundador e presidente da APAC de São João del-Rei) há mais de 40 anos, então eu já sabia da existência da APAC. No início de 2015, levei uma turma do 2º período do curso de Medicina para visitar a APAC. Tinha a ver com a disciplina que eu lecionava. Eles gostaram e no final da visita, conversando com o Fuzatto, ele me perguntou se era possível fazer um convênio com a universidade para atendimentos diferenciados. Levei a ideia para a universidade. Foi aprovada na assembleia do departamento e aí nós começamos no segundo semestre de 2015”, conta Luiz Pinto.

O trabalho desenvolvido na APAC pelos alunos de Medicina transformou a qualidade do atendimento aos recuperandos. Sob a supervisão do professor Luiz Antônio Pinto, os alunos do 5º período realizam atendimento global aos pacientes. A disciplina “Saúde do Adulto” está sendo ministrada na APAC e, além dos atendimentos, os alunos realizam discussões e seminários sobre a saúde de pacientes privados de liberdade. “É uma discussão interessante porque são raros os cursos de medicina que prestam atendimento a pacientes privados de liberdade.” De acordo com Luiz, a privação da liberdade pode ocasionar algumas doenças específicas: “Enfermidades do trabalho, porque lá tem muitas oficinas, enfermidades ligadas à questão sexual, porque são pacientes vindos de um meio promíscuo, onde existem drogas, prostituição etc.”

De acordo com o professor, na APAC de São João del-Rei há poucos casos de HIV positivo entre os recuperandos: “Atualmente, que eu saiba, são dois casos na APAC masculina. Mas há outras doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis, cancros, doenças urinárias e infecções. Embora na APAC tenha acomodações muito melhores do que no presídio, trata-se de um lugar fechado, passível de doenças respiratórias, micoses, além de doenças comuns, como hipertensão e diabetes.”

 

Atendimento integral

As consultas acontecem todas as sextas-feiras e há limite máximo de até 10 pacientes a serem atendidos. “O que importa não é a quantidade, mas a qualidade do atendimento. Os alunos atendem sob a minha supervisão, a gente discute cada caso e o recuperando é atendido de forma integral. Se precisar de pequena cirurgia, a gente encaminha para fazer. Eles (os pacientes) acham o máximo, pois a gente olha tudo. Tem alunos trabalhando com hipertensão e diabetes, porque lá tem uma população hipertensa e com diabetes. Estamos organizando exames e prontuários, fazendo um inventário completo da saúde deles, coisa que jamais ocorreria em um presídio”, diz Luiz Pinto.

Além da Medicina, a UFSJ estará também presente na APAC através dos cursos de Psicologia e de Nutrição, ampliando os atendimentos aos recuperandos na área da saúde. “Existe um grupo discutindo a saúde LGBT, pré-conceitos etc. Foi através desse grupo que entrou a Psicologia. Agora, especificamente neste período, está iniciando um segmento da Psicologia e da Educação Física, na disciplina “Saúde da Mulher”, na APAC feminina. A Nutrição está entrando também para organizar a questão nutricional, ou seja, tentar chegar o mais próximo possível do ideal, através de cardápios para pacientes hipertensos e diabéticos”, esclarece o professor Luiz Pinto.

 

Aceitação dos alunos

Não são somente os recuperandos que se beneficiam da presença do curso de Medicina na APAC. Os alunos também lucram com as aulas, com as discussões e aprendem muito com os atendimentos. “Está sendo ótimo. Os alunos gostam, ficam doidos pra ir lá. Cada consulta dura mais ou menos 1 hora. Os meninos são orientados para examinar o paciente de forma completa, do dedão do pé até o cabelo da cabeça. Tudo é registrado”, diz o professor. Cada turma tem entre 18 a 22 alunos. As disciplinas são divididas em “Saúde do Adulto”, “Saúde do Trabalhador” e “Saúde LGBT”. “Os alunos fazem um rodízio, mas todas essas disciplinas estão lá dentro”, esclarece Luiz Pinto.

O professor Luiz coordena duas disciplinas do curso de Medicina da UFSJ. No 2º período, ele trabalha com “Abordagem Comunitária”, ensinando os alunos a trabalharem em comunidades. No 5º período, ele coordena “Atenção à Saúde Integral do Adulto, do Trabalhador e da População LGBT”. “A partir do 5º período, os alunos aprendem a trabalhar de forma integral, ou seja, a lidar com o ser humano em sua integralidade”, afirma o médico e professor.

Luiz aponta algumas dificuldades no atendimento, que têm a ver com a infraestrutura: “Há algumas dificuldades, os consultórios são meio precários, mas funcionam.” Segundo ele, está prevista para iniciar neste semestre a construção de um pequeno ambulatório para atendimentos médico e odontológico na APAC.

 

Drogas

Em seu livro “APAC – A face humana da prisão”, o deputado estadual de Minas Gerais, Durval Ângelo Andrade (PT), aponta que a dependência química é um dos maiores desafios para a recuperação dos detentos. O deputado, que é também autor de diversos livros sobre direitos humanos e entusiasta do método APAC, destacou em seu livro a APAC de São João del-Rei. “Entre os maiores desafios para a recuperação dos detentos, a dependência química, tanto do álcool quanto de drogas ilícitas, figura cada vez mais em destaque”, diz Durval citando uma afirmação de Antônio Carlos Fuzatto. Fuzatto informa, no livro de Durval Ângelo, que a APAC de São João del-Rei “está enfrentando o problema em três frentes combinadas: o apoio psicológico, sobretudo aos dependentes químicos; a realização de cursos e ações de conscientização, em parceria com universidades; e o envolvimento das famílias dos recuperandos”.

A população carcerária brasileira quase dobrou em dez anos, passando de 401,2 mil para 726,7 mil, de 2006 a 2016. O número é do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de junho de 2016, que apresenta os últimos dados oficiais divulgados. Fuzatto estima que 80% dos detentos têm alguma relação com drogas – seja através da dependência química ou de envolvimento com o tráfico.

O médico Luiz Antônio Pinto fala sobre o problema constatado por ele ao ter contato com os recuperandos que chegam à APAC de São João del-Rei: “É impressionante, eles já mexeram com tudo: maconha, craque, cocaína etc. Mas a maioria das pessoas que a gente atende jura que nunca mais vai mexer com drogas. Há um ou outro caso de pessoa lesada mentalmente e que precisa viver à base de remédio.”

De acordo com Luiz, a permanência do recuperando, que é dependente químico, na APAC o leva a tratar o vício e a vislumbrar um futuro longe das drogas. “Lá dentro a gente não vê nenhum indício de cigarro, de bebida ou de outras drogas. Eles abrem mão das drogas ao vislumbrarem um futuro de volta à família e à sociedade.”

 

O caminho

A experiência em realizar um importante trabalho na área da saúde levou o médico Luiz Antônio Pinto a conhecer, admirar e acreditar que a APAC é a saída para o caótico sistema prisional do Brasil. “Eu acho que é o caminho. É um pouco difícil de se conseguir devido à enorme população carcerária do país – precisaria de 700 a mil APACs no país para atender toda a população carcerária. Mas se o índice de recuperação é de 80% e o custo é quatro vezes menor do que numa prisão convencional, significa que o caminho é lá, onde você dá uma liberdade – vigiada – para o indivíduo, mas ele tem que construir a liberdade dele”, acredita Luiz.

Luiz sugere mais investimentos por parte do Governo Federal. “A APAC mostra que o indivíduo é fruto do meio, ou seja, se você colocá-lo em um ambiente saudável, ele vai ter outro comportamento. Portanto, acredito que, se houver um investimento federal pesado nas APACs, nós viveremos uma outra realidade no sistema prisional. Não teríamos rebeliões, facções e volta do indivíduo ao crime. É o caminho, não vejo outra alternativa. O dia em que vou trabalhar lá é o dia em que eu me realizo”, conclui o médico Luiz Antônio Pinto.

 

Fontes: “APAC – a face humana da prisão”, livro de autoria do deputado estadual de Minas Gerais Durval Ângelo Andrade; site EBC – Agência Brasil, reportagem sobre a população carcerária do Brasil, 23/06/2018.

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