Bastidores da construção do asfalto há 40 anos, por Toninho Melo


José Venâncio de Resende


O promotor Toninho Melo foi uma das lideranças políticas no fim da década de 70 que lutaram pela construção da rodovia asfaltada de Resende Costa (foto André - JL)

Passados quarenta anos, o promotor de Justiça Antônio Pedro da Silva Melo, o Toninho Melo, ainda se emociona ao falar da construção e asfaltamento da rodovia de Resende Costa. “Eu sinto essa emoção porque eu sou o mais novo da turma; inclusive, só eu sobrevivi.” Toninho era o presidente da Câmara Municipal de Resende Costa na época da construção da rodovia asfaltada (LMG-389 – Rodovia Alfredo Penido) de acesso à MG-383. “Era um sonho de mais de 50 anos.” Ele, inclusive, foi o autor do projeto de lei que trocou o nome da rua Gervásio Pereira para Avenida Alfredo Penido, a conhecida “Rua do Artesanato”, em homenagem à família Penido.

Nesta entrevista ao JL, o resende-costense Toninho Melo conta detalhes dos bastidores da obra, inclusive fala de seu discurso na inauguração, em março de 1981. “Governador, essa estrada há de inverter a marcha de saída dos seus filhos em busca de dias melhores.”

 

Como você entrou nessa empreitada? Esse sonho da estrada asfaltada para Resende Costa é um sonho antigo. Desde menino, eu me lembro da luta de meu pai, José Augusto de Melo, que era político em Resende Costa (vereador por dois mandatos até o final de 1975); meu sogro Antônio Honório; o senhor Barbosinha, que era o farmacêutico, líder político muito influente; o senhor Adenor Coelho, que foi prefeito... Era uma luta que sempre esbarrava em promessas de políticos; em época de campanha, a estrada sempre iria sair, e não saía. O papai me passou quase que essa incumbência; quando ele deixou de se candidatar, me lançou candidato a vereador. E coincidiu de a gente ter um excelente prefeito na época, que era o Ocacyr Alves, o Cici, que também estava empenhado nisso. Era um grande sonho de Resende Costa porque não teria como a cidade romper, melhorar de alguma forma, sem asfalto. E na nossa região ninguém tinha asfalto. Só tinham asfalto cidades maiores, como São João del-Rei e as pequenas cidades, como Lagoa Dourada e Itutinga, onde o asfalto passava dentro delas; quanto a Entre Rios e Barroso, o asfalto passava ao lado. Mas Ritápolis, Resende Costa, Prados, Dores de Campos... nenhuma delas tinha asfalto porque é um investimento caro. Era uma luta. E, de repente, nós nos jogamos nessa empreitada.

Como foi o vai-e-vem, sempre de carro, entre Resende Costa, Belo Horizonte e Aparecida do Norte para viabilizar a obra? Eu entrei na administração municipal em 1976 como presidente da Câmara, ao lado do prefeito Ocacyr. De 1976 a 1981, nós nos empenhamos nessa batalha, e foi uma luta sem tréguas, tentando conciliar fatores que poderiam tornar aquele sonho realidade. O empreiteiro, um empresário, era filho de Resende Costa, da família Penido. A empresa se dispôs a fazer a obra financiando para o Estado. O governador do Estado era, antes, Aureliano Chaves; depois, Ozanan Coelho e, finalmente, Francelino Pereira, que foi realmente quem mandou fazer a obra. E do outro lado, em Resende Costa, era a nossa Câmara Municipal, muito bem entrosada, me dando toda a força, tanto que eu fui presidente lá por seis anos (o mandato de seis anos foi uma decisão do regime militar para forçar a coincidência das eleições federais com as estaduais), e o monsenhor Nelson, que era o nosso vigário, que além de ser um grande sacerdote tinha um lado de homem público muito interessante; vibrava com a cidade... Então, juntamos aquelas forças e começamos a trabalhar. E, do lado político, o nosso deputado federal Bonifácio Andrada, que morreu agora há pouco... Foi um trabalho duro, viagens a se perderem a conta, e todas elas de carro, não havia outro transporte. Muito cansativo... Por exemplo, por que Aparecida do Norte? Lá morava o deputado Vicente Penido porque o presidente da empresa Serveng-Civilsan (Pelerson) residia em São Paulo, onde chegamos a ir tratar da estrada – era um grande empresário, que saiu de Resende Costa jovem e fez fortuna com construção civil. O governador Francelino Pereira ia a Aparecida do Norte uma vez por ano para receber uma comitiva de romeiros que saía de Três Corações e ia a pé. Era por volta de setembro de 1978. O Bonifácio falou: “A obra está na iminência de sair; vamos encontrar o governador na terra do empreiteiro”. Chegamos lá na casa do Penido, do deputado Vicente Penido, e o Francelino falou: “A obra vai sair”.

A que você atribui o sucesso da empreitada? O segredo disso está no sonho. Nós herdamos um sonho de outras gerações de resende-costenses. Eu me vi nesse papel, assim como o Ocacyr; o monsenhor Nelson... Houve um momento como se fosse mágico: “Agora tem que dar, chega somente de sonhar; nós temos que tirar esse sonho do papel”. Eu até me emociono quando eu falo nessa luta. Eu, por exemplo, abandonei tudo na minha vida... eu era advogado em início de carreira, eu não tinha fonte de renda pra valer (vereador não tinha subsídio). Nós nos jogamos... Durante a construção da estrada, com falta de dinheiro, a obra parava e não parava... e nós ali desesperados. E o empreiteiro, por mais que quisesse ajudar Resende Costa – ele é empresário, empresário não dá nada pra ninguém –, falava: “Se as obras pararem (faltando dinheiro do orçamento do Estado) e se eu tiver que desmontar o acampamento de trabalho, eu não volto mais”. Era um desespero. Aí nós fomos para Aparecida do Norte encontrar o governador: “Pelo amor de Deus, não pode parar!”

Nessa altura, em que pé estava a obra? A estrada estava só na metade de terraplanagem (que dava de Resende Costa até o viaduto da ferrovia); faltava de lá pra cá; além da ponte, que não estava sendo feita ainda. Eu não dormia mais... Qual foi o grande segredo? O grande segredo é que juntamos o sonho das gerações, da minha geração, que não é a mesma do Ocacyr Alves nem a do monsenhor Nelson, e chegamos à conclusão de que era o momento. Ou se fazia aquilo naquele momento ou não iria se fazer mais. Houve um somatório de vontades para realizar esse sonho nosso. O Bonifácio era um incentivador. A empresa aceitou financiar, dispôs-se a ajudar, indo com a gente ao governador... Eu atribuo esse sucesso ao somatório de forças. Era um sonho de mais de 50 anos: desde final da segunda grande guerra, em 1945, gerações e gerações de políticos em Resende Costa sonhavam insistentemente com isso. Eu me lembro do meu pai ter ido um dia a Oliveira encontrar-se com o Eliseu Resende, que era casado com a irmã do deputado João Nogueira de Resende. Na volta, o papai contando pra gente – eu era garoto – que a musiquinha que eles cantavam era a seguinte: “João Nogueira vai tirar nós da poeira”. Na verdade, não foi ele, foi o Bonifácio. Eu sinto essa emoção porque eu sou o mais novo da turma; inclusive só eu sobrevivi. Há dois vereadores que participaram disso com a gente: José Carlos de Sousa Vale, dono de uma pousada em Resende Costa, e Miguel Eugênio de Resende. Os demais vereadores já morreram. Eu tenho esse privilégio de quarenta anos depois estar podendo narrar como esse sonho aconteceu e foi realizado.

Fale um pouco mais do papel dos personagens envolvidos. Da nossa turma, o monsenhor Nelson sempre foi um sonhador, sempre brigou por essas coisas de nossa cidade. Na criação do ginásio de Resende Costa ele foi um dos chefes. Sempre esteve presente em todas as gerações da cidade enquanto esteve vivo. Ele foi aquele grande personagem moral, acima do bem e do mal, que conseguiu inclusive ativar a vontade dos próprios empresários, dos Penido, porque o monsenhor Nelson conheceu a família Penido pobre, antes deles se tornarem grandes empresários. E o monsenhor Nelson para eles era aquele padre antigo que os batizou! Olhe como é que vão se somando as forças! O Ocacyr era o prefeito, ia comigo, acertava com os deputados... O Ocacyr foi um grande prefeito; e ele era o patrocinador dos encontros porque ele bancava... A prefeitura quase que não tinha nada! Em nível estadual, nossos primeiros encontros foram com o governador Aureliano Chaves. Depois, ele teve que se desincompatibilizar para ser candidato a vice-presidente da República, ainda no regime militar. Então, assumiu o vice dele, que era o Ozanan Coelho. Como era um período de apenas seis meses, ele não mexeu muito, mas também não atrapalhou. Aí entra Francelino Pereira: esse, sim, foi aquele que assinou, que pôs em licitação e que garantiu a obra. No dia em que nós fomos a Aparecida, ele nos socorreu, pois a situação estava na mão dele Imagine a situação: o dinheiro acabando e a obra não estava prevista no orçamento do DER. E o Penido falando: “Se eu tirar o acampamento, não volto mais.” Foi fundamental também o Judiciário de Resende Costa, através do escrivão Antônio de Paula Pinto, o Tunico, que nos ajudava muito. Começaram a entrar muitas ações porque o DER não desapropriou ninguém. E a estrada foi sendo aberta no terreno dos outros... Foi dramático. O pessoal entrava na justiça para pagar a obra e o Tunico nos ajudava a segurar os processos. Era uma causa santa para ele (risos), para todos nós! Como era apaixonado por Resende Costa! Quando o oficial de justiça ia lá intimar o engenheiro da empresa para parar a obra, o Tunico avisava: “O oficial de justiça saiu com um mandado”. Então, a gente avisava o engenheiro: “Some porque se parar, não volta!” São detalhes interessantes. Na época, seria até crime.

 

“A estrada significou a volta dos filhos que tinham ido embora, quase que deserdados pela sorte, em busca de dias melhores”

 

Em que momento você passou a ter certeza de que “agora vai”? Essa pergunta é a mais crucial, pois nós sofremos muito. Foram tantas as promessas, tantos os sinais em governos anteriores... Meu sogro, Antônio Honório, quando era prefeito, tentou fazer essa estrada, uma estradinha com um trator da prefeitura... Era o sonho dele, foi um sonhador também. Eu lembrei, no meu discurso de posse (na Câmara Municipal), da luta de todos eles, independentemente de partido político. Por coincidência, o meu sogro era do outro partido; e era meu padrinho. E foram tantas as vezes que os políticos da cidade disseram que iria dar certo... que o governador estava com boa vontade... Mas aí há a questão do investimento: era uma obra de asfalto cara, custaria hoje uns R$ 50 milhões e que não serviria a mais ninguém (além de Resende Costa). E eles não fazem obra assim. Foram muitos problemas... Donos de terra entravam na justiça, porém, no final, depois de muitos anos, todos receberam. Além disso, tiveram suas propriedades valorizadas. A licitação foi em 1977 e em 1978 nós tivemos eleição parlamentar. No meio da licitação, início das obras, a ordem de serviço saiu. Já havia lá um trator que nós mandamos colocar... E o pessoal do outro partido falava: “Ah! Isso aí... No dia seguinte da eleição eles põem esse trator na carreta e levam embora”. Nós passamos por isso tudo. Nós tínhamos não era certeza, e sim fé, fé e fé de que a partir daquele momento a coisa iria acontecer. Tudo combinava pra ser. A obra começa... e começa com tantos percalços. Houve um momento da construção em que a obra teve que ser interrompida por um tempo grande: nossa estrada cruza com a Ferrovia do Aço! A ferrovia tinha preferência, era obra federal, tinha muito dinheiro. A nossa era um asfalto de uma cidade pequena. E teve ainda o episódio da ponte sobre o Ribeirão Mosquito – a única ponte do trecho. Essa ponte não fazia parte da licitação da obra de terraplanagem e de asfaltamento. Foi uma licitação depois. E o DER não soltava a licitação. A obra era tocada dos dois lados e a ponte... nada. Mais uma briga, mais uma luta, mais Bonifácio Andrada correndo atrás com a gente. Foi muito difícil. E lá na ponte havia ainda um problema de desapropriação, da Fazenda Esperança, que era do Juca Lombardi. Ele era muito rico, não precisava de dinheiro de indenização, mas não aceitou, de jeito nenhum, liberar para se começar a fazer os pilares da ponte sem ser indenizado. Justamente ele que não precisava. Foi uma luta danada também: Belo Horizonte, São João, Belo Horizonte... Eu pensei: “Agora não vai”. Toda hora tinha um empecilho, um obstáculo! A empresa que construía a ferrovia tinha a maior má vontade, não queria deixar a gente passar debaixo do viaduto deles. Achou-se um caminho para não passar debaixo do viaduto deles: está lá no Rochedo o viaduto da estrada de Resende Costa. Quando foi chegando 1979, a obra foi deslanchando... 1980 foi um ano crucial; em 1981 foi o asfaltamento. Aí o sonho estava realizado. Quando a obra estava pronta e o orçamento do DER só cobria o asfalto até o Km zero, perto da pousada do Milton, o sr. Vicente Penido nos ajudou a forçar o governo a pagar o asfaltamento até a Praça do Assis Resende (Praça Rosa Penido), razão pela qual apresentei à Câmara Municipal projeto de lei trocando o nome de Avenida Gervásio Pereira para Alfredo Penido.

Quarenta anos depois, qual foi a importância dessa obra para o atual sucesso de Resende Costa? É inegável dizer que Resende Costa não seria hoje o que é sem o asfalto e o sistema de água e esgoto da Copasa, sobretudo de água. Ninguém anda em estrada de terra... Hoje, tem uma turma que faz trilha e tal... Mas, naquele tempo, quem é que ia querer estrada de terra para conhecer Resende Costa, uma pequena cidade que não tinha nada? Nós ficávamos lá no alto daquela montanha, em cima das lajes, olhando o horizonte e sonhando com um dia ter a estrada asfaltada. E no meu discurso de inauguração, eu disse: “Governador, essa estrada – parece que eu estava adivinhando – há de inverter a marcha de saída dos seus filhos em busca de dias melhores”. Qual a marcha? Os filhos de Resende Costa saírem para buscar um horizonte melhor e passarem a voltar para Resende Costa. Isso em 1981. Não deu outra: todo esse empreendimento que há em Resende Costa hoje é fruto de grande parte desses resende-costenses que voltaram. A estrada significou a volta dos filhos que tinham ido embora, quase que deserdados pela sorte, em busca de dias melhores... E atrás dos empreendimentos deles, vieram outros mais para fazerem de Resende Costa o que ela é hoje. E, do alto dos meus quase 70 anos, eu olho pra trás e vejo que valeu a pena. E, por um capricho do destino, logo depois eu tive que ir embora de Resende Costa. Em 1983...1984, eu fiz o concurso para o Ministério Público e fui embora porque eu tinha perdido a eleição para prefeito.

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