Como lidar com raiva, medo, alegria e tristeza? A Escola das Emoções ensina...


Educação

José Venâncio de Resende0

Trabalhando as emoções...

Conhecer e aprender gerir as emoções para ter uma vida melhor. Este trabalho pode ser desenvolvido com pessoas de qualquer idade. Mas a Associação Escola das Emoções, de Leiria, Portugal, que tem como objetivo “a educação emocional a nível global”, preferiu começar pelas crianças (3 a 15 anos). “Acreditamos que teremos resultados mais rápidos e mais duradouros”, diz a psicóloga Sílvia Branco.

A reportagem do JL foi recebida na sede da Associação pela psicóloga Sílvia Branco e pela facilitadora de desenvolvimento emocional Rita Felizardo. “Construímos um programa de educação emocional constituído por 26 sessões de uma hora (correspondente ao ano letivo) onde trabalhamos quatro emoções básicas: raiva, medo, alegria e tristeza.” A escolha das emoções foi feita com base em critérios científicos, ressaltam.

O projeto nasceu em 2014 e abrange crianças do pré-escolar e da escola básica. Embora seja uma hora semanal, no Jardim Escola João de Deus as atividades são diárias porque envolvem quatro turmas, totalizando 160 crianças, divididas em grupos de no máximo 12. “Neste caso, estamos inseridos no currículo do pré-escolar e como atividade extra-curricular no ensino básico”, explicam Sílvia e Rita.

Já na escola Cruz da Areia e no projeto de intervenção comunitária da InPulsar - Associação para o Desenvolvimento Comunitário, a atividade é extra-curricular, reunindo um grupo de 12 crianças por escola uma vez por semana. Na sede da Associação, atualmente existem quatro grupos no total de 25 crianças - um grupo de seis crianças com idades de 3 a 6 anos e as demais crianças estão distribuídas em três grupos na faixa etária de 7 aos 15 anos.

Dinamizadas de forma lúdica (jogos, vídeos, teatro, música etc.), as sessões do curso são divididas em quatro momentos: introdução ao tema do dia; prática da atividade ou vivência (fazer sentir, experimentar); reflexão (perceber que há experiências que podem ser levadas para o cotidiano); e relaxamento ou meditação (acabar as atividades de forma tranquila). Tudo isso em apenas uma hora. “Os mais velhos reclamam que é pouco tempo”, observam Sílvia e Rita.

Autoconhecimento

Entre os principais benefícios das atividades de educação emocional estão o autoconhecimento (perceber o próprio sentimento) e a empatia (perceber o que o outro pensa e sente), explicam Sílvia e Rita. Isto leva à regulação emocional que é gerir as próprias emoções.

Durante as atividades, as educadoras trabalham ainda a diferença entre emoção (reação fisiológica na qual não temos autonomia), sentimento (reação fisiológica mais pensamento) e o próprio pensamento. “Utilizamos até uma forma lúdica para esta atividade.”

O autoconhecimento perpassa todo o processo, desde a identificação das emoções até a exploração de cada uma delas, a diferença com o sentimento e o pensamento, resumem Sílvia e Rita. “O que queremos é que as crianças saibam gerir as emoções (autorregulação emocional), tenham um comportamento equilibrado perante as situações e saibam tomar as decisões mais conscientes. Em vez de deixar as emoções nos guiarem, tomar decisões mais adequadas (menos impulsivas).”

Uma parte importante da educação emocional é aprender a verbalizar - e como verbalizar - o que se sente, acrescentam.

Feedback

Neste período de três anos do projeto, as educadoras da Escola das Emoções já receberam feedback de professores e pais das crianças, que pode ser resumido em “menor agressividade e maior comunicação”.

O projeto também já resultou no primeiro trabalho de Mestrado. Uma aluna de mestrado em Psicologia da Universidade de Coimbra aplicou a metodologia da Escola num projeto de intervenção comunitária (Bairro do Ingote), com crianças do Jardim de Infância, para a sua dissertação. Embora o tempo tenha sido curto (3 a 4 meses), ela verificou que as crianças conseguiram identificar melhor a raiva e o medo.

O resultado está em linha com as avaliações da própria Escola das Emoções, constatam Sílvia e Rita. “Nós fazemos esta avaliação no início e no final do ano letivo. De maneira geral, as crianças identificam melhor as emoções em geral, com destaque para o medo e a raiva. Elas conseguem distinguir os medos reais dos medos irreais. No caso da raiva, elas brigam menos e se comunicam mais. Ou seja, já estão fazendo gestão de emoções.”

No caso da alegria e da tristeza, “a conclusão é que as crianças conseguem perceber que a alegria não é para sempre (são momentos) e que é necessário sentir tristeza e saber geri-la”, acrescentam as educadoras.

Experiência familiar

Bruna, 13 anos, e Lara, 10 anos, frequentam a Escola das Emoções há três anos. A decisão foi tomada por causa da separação dos pais. “Elas sentiram muito a separação dos pais”, conta David Armindo que se deslocou até a Escola depois do trabalho para conversar com a reportagem. “Eu já conhecia o trabalho da Sílvia e percebi que minhas filhas se identificariam com esse trabalho.”

Uma das constatações de David é que Bruna e Lara conseguem identificar claramente a diferença entre empatia e simpatia, “e aprenderam como gerir as situações”. “No ano anterior, demos muito enfoque na questão empatia/simpatia”, acrescenta Sílvia. Basicamente, empatia é se colocar na posição do outro, não julgar. Simpatia é ser agradável, mas não criar vínculo.

Bruna, que é mais extrovertida, “está mais madura, bastante ponderada, assertiva”, resume David. A experiência na Escola contribuiu para que se manifestasse a sua capacidade de liderança, acrescenta o pai. “Ela está assumindo uma liderança natural na turma da escola.”

Contribuiu para este despertar da liderança o trabalho de comunicação que a Escola desenvolveu no ano passado, conta Sílvia. “E vamos dar mais ênfase neste trabalho esse ano.” Ela enfatiza que liderar é saber se comunicar, o que pressupõe saber ouvir, ter empatia; em resumo, é o relacionamento interpessoal.

A irmã Lara, que era mais tímida e distraída, se tornou mais partipativa e mais focada, conta David. “As duas (irmãs) relacionam-se mais com pessoas desconhecidas, fora do seu grupo de relacionamento.”

Novas perspectivas

O projeto da Escola das Emoções é uma das 33 candidaturas selecionadas (entre 600 candidatos) para participar do programa Academia Gulbenkian Conhecimento, da Fundação Calouste Gulbenkian, destinado a promover projetos de educação inovadores . Com a assinatura do protocolo dia 19 de outubro, a Escola poderá levar avante o seu projeto de promoção de competências emocionais e sociais em crianças, com o apoio da Fundação.

A ideia é “preparar os jovens para as mudanças futuras”, explica Sílvia. O projeto prevê que se trabalhem as competências adaptabilidade, autorregulação, comunicação, pensamento criativo, resiliência e resolução de problemas. Segundo Andreas Schleicher, diretor do Departamento de Educação e Competências da OCDE e presidente do Conselho Consultivo das Academias Gulbenkian do Conhecimento, são competências que hão de fazer a diferença no sucesso dos adultos do futuro.

A Escola das Emoções propõe-se trabalhar a educação emocional em três contextos educativos diferentes: escola pública, escola privada e projeto de intervenção comunitária. “O nosso objetivo final é validar a metodologia de educação emocional, de maneira a ser replicada em outros locais”, explica Sílvia. Para isso, o projeto terá o suporte da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra durante os próximos três anos.

LINK RELACIONADO:

Escola das Emoções: http://www.escoladasemocoes.pt/

 

 

 

 




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