Consumidores reclamam de aumento do preço de produtos em supermercados durante a pandemia

Proprietários de estabelecimentos explicam que a situação não é exclusiva de Resende Costa e que vêm tentando conter a alta dos preços para o consumidor


Vanuza Resende


Em plena pandemia, consumidor enfrenta alta nos preços de produtos em supermercados (Foto revista Exame)

Alta no preço dos alimentos nos supermercados de Resende Costa: uma reclamação constante feita pelos resende-costenses nos meses de março e abril. Pelas redes sociais, muitas pessoas questionavam: “Se é para valorizar o comércio local, por que esse aumento repentino em vários produtos? ” “No momento em que é preciso nos unirmos, os comerciantes estão sem dó e aumentando muito os preços dos alimentos. Assim não dá.” Eis alguns dos desabafos feitos que ganharam bastante repercussão nos últimos meses nas redes sociais.

Carla Aparecida Sousa, 53 anos, não tem redes sociais, mas percebeu o aumento quando foi fazer as compras do mês. “Eu atrasei alguns dias para ir ao supermercado, fui me virando aqui em casa. Estava com medo de sair. Não sabia como estavam as coisas. Quando eu fui fazer as compras com a lista igual a de todo mês, estranhei o preço alto de alguns produtos. O arroz e o feijão, que são o básico, estavam bem mais altos do que no mês anterior.” Questionada se pesquisou em mais de um estabelecimento, Carla disse que sempre faz o que os economistas indicam. “Eu tento sempre comprar à vista, por isso estou sempre pesquisando. Às vezes uma sacola de lá, outra daqui. Tinha diferença de um supermercado para o outro. Mas, no geral, estavam todos mais caros”. Carla diz que não foi só ela que percebeu a alta nos preços de alimentos: “Na fila do caixa mesmo, o homem que estava na minha frente questionou o preço de uma manteiga para a moça que estava passando os produtos. Fazer o quê, né? Ela não tem culpa. Não sei de quem é a culpa. Mas eu gastei no mínimo uns trinta reais a mais esse mês. Parece pouco, mas para quem gasta cerca de 350 reais no mês, passar para quase 400 não é tão fácil assim”, lamenta Carla.

O aumento dos preços em época de pandemia não é uma reclamação exclusiva dos consumidores de Resende Costa. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São João del-Rei mostra elevação de cerca de 7% nos produtos de alimentação básica, ainda durante o último mês. Dados da Pesquisa Mensal da Cesta Básica da UFSJ apontam que, no mês de abril de 2020, o valor da cesta básica no município ficou 6,24% mais caro em relação ao mês anterior. No acumulado dos últimos dois meses, a alta é de 7,60%, sendo que os itens que mais contribuíram para a elevação dos preços foram o feijão carioca e a batata, com alta de 47% e 45%, respectivamente. Outros alimentos também seguem tendência de alta, como o arroz, a carne bovina e o açúcar. O custo total médio da alimentação básica passou de R$410,04, em março, para R$435,60, em abril.

 

O que dizem os proprietários de supermercados

Para Cláudio Márcio de Matos Rocha, proprietário do Supermercado Bom Preço, em Resende Costa, o aumento dos produtos não se deve somente à pandemia de Covid-19. “Houve um aumento, mas não necessariamente só pela pandemia. Existiram duas situações: primeiro, devido ao aumento do dólar e ao clima. E, em segundo momento, devido a uma grande demanda, uma vez que o consumidor acreditou que o produto poderia faltar; isso em meados de março. Aí houve um aumento no preço. Tanto é que, agora, a gente começa a observar que os fornecedores estão enfrentando um problema de encaixe de produtos porque está começando a diminuir o consumo, então os preços estão voltando”, afirma Cláudio

O sócio administrador do Supermercado Resende Costa, Rafael José Resende, citou trecho de uma carta da Associação Mineira de Supermercados (AMIS) para explicar o aumento do preço de alguns produtos da cesta básica. “Houve um aumento em alguns itens, como laticínios, em geral, ovos, feijão, óleo, arroz, derivados do trigo e alho. Isso se deve a um desequilíbrio na balança de oferta e procura. A procura sendo maior do que a oferta pressiona os preços a subirem. Isso é explicado no trecho da carta aberta ao consumidor mineiro, publicada pela AMIS em 27 de março de 2020: ‘Com a alta demanda geral registrada no início do enfrentamento da pandemia, os estoques, que garantiriam abastecimento durante determinado prazo de tempo, foram rapidamente consumidos, o que gerou a necessidade de novas compras junto aos fornecedores. Com o excesso de demanda, os preços sofrem pressão’. Não só a alta demanda gera esse desequilíbrio, mas a instabilidade econômica gerada com a pandemia está fazendo com que o dólar comercial suba, afetando diretamente o preço no mercado interno de alguns outros produtos, como açúcar, carne bovina, trigo e soja”, explica Rafael.

 

Repasse aos consumidores

Rafael diz que foram feitas tentativas para amenizar o repasse do aumento dos preços para os consumidores:Para tentar amenizar esse impacto para os clientes, buscamos disponibilizar marcas alternativas, diminuir nossa margem de lucro e negociar incansavelmente com nossos fornecedores, buscando sempre o menor preço”. Mas ressalta que os consumidores sentiram o aumento. “É inevitável que não haja algum repasse aos consumidores, uma vez que os supermercados são a última ligação entre quem produz e quem consome, ou seja, apenas repassamos os produtos e valores que adquirimos das indústrias.”

O proprietário do Bom Preço fala sobre estratégias para não pesar no bolso dos consumidores. “Primeiro, uma negociação intensa. Segundo, você não faz o repasse de preços imediatamente para o consumidor quando você tem estoque. Você tenta fazer o quê? Diminuir o estoque e depois fazer o repasse. Isso evita com que as pessoas sintam esse impacto de forma brusca. Você vai aumentando os preços gradativamente; no primeiro momento, você tem uma perda, mas depois você tem um aumento das vendas, porque fica mais barato”, diz Cláudio Rocha.

 

Abastecimento normalizado

Questionados se alguns produtos começaram a faltar nas prateleiras, os empresários disseram que não. De acordo com Cláudio, houve atraso nas entregas de alguns produtos. “Eu tive demora na entrega, mas não dificuldade em comprar algum produto. Devido ao número menor de pessoas que ficaram disponíveis para o trabalho, algumas empresas que entregavam com mais agilidade começaram a demorar mais com a entrega. O produto, como o gás de cozinha, teve um problema com o prazo de reposição com o qual estávamos acostumados a ter. Se as empresas possuíam 100 trabalhadores, começaram a trabalhar com 20. O processo operacional ficou defasado. ”

Rafael explicou que no início da pandemia houve um aumento considerável das vendas, o que fez com que algumas prateleiras ficassem vazias. “No entanto, isso ocorreu por um curto período de tempo e com faltas pontuais, como, por exemplo: álcool em gel, papel higiênico e gás de cozinha. Não podemos então relacionar essa falta de mercadorias a um provável desabastecimento nos supermercados, mas sim a um problema de reposição de estoques momentâneo devido à alta demanda”, destaca. O empresário informou que as vendas se estabilizaram ainda no início do mês de abril, mas a dificuldade para a compra do álcool continua. “Atualmente existe uma dificuldade apenas na compra de álcool, tanto o líquido (96ºGL ou 70ºGL) como em gel 70% pelo fato de nossos fornecedores estarem limitando a quantidade que pode ser adquirida pela empresa.”

 

Canal para reclamações

Resende Costa não possui um canal para os clientes formalizarem reclamações sobre possíveis altas nos preços de produtos. Segundo informou a prefeitura municipal, está sendo estudada uma maneira para que a população possa formalizar situações de abusos nos preços, se eventualmente a situação o entanto, ainda não há previsão de quando a plataforma estará disponível. Ainda de acordo com a prefeitura, após reclamações de algumas pessoas foram feitas visitas aos supermercados da cidade. Os respectivos proprietários esclareceram que todos os aumentos aconteceram em virtude do repasse das distribuidoras e que estariam disponíveis para quaisquer esclarecimentos, inclusive, se necessário, apresentando nota fiscal das compras aos consumidores.

 

Dificuldades na concorrência

Rafael afirma que hoje as grandes redes de supermercados de São João del-Rei são concorrentes diretas e destaca a dificuldade em competir com elas. “Alguns pontos na forma de trabalhar, que são características de cada empresa, fazem com que a competição fique desfavorável para os comércios locais e menores. As grandes redes conseguem ter um poder de compra muito maior, negociando altas quantidades diretamente com a indústria e realizando pagamentos à vista. Na maioria das vezes, isso não acontece com os supermercados menores que necessitam recorrer a empresas atacadistas para comprar o mesmo produto, em menores quantidades, necessitando de prazo para pagar e colocando mais um intermediário na cadeia de distribuição do produto, que eleva seu valor final”, argumenta.

Para Cláudio, as principais dificuldades são as características dos supermercados das cidades de menor porte. “São João del-Rei tem uma característica de mercado de venda à vista, nos cartões de débito, de crédito e mesmo no dinheiro. Raras são as pessoas que aceitam cheques com cadastro. Eles não têm custos de entregas de produtos e, se têm, cobram à parte. Nós temos que bancar o crédito para o cliente. Quase que somos obrigados, culturalmente falando, a fornecer esse crédito. E isso vem desde muitos anos. Quebrar essa cadeia é muito difícil. Você tem um sistema de anotação, e quando você tem esse sistema de anotação e faz para um nicho de mercado, torna-se necessário fazer para todo nicho de mercado. E com isso sua competividade diminui porque, se você dá crédito, consequentemente diminui seu capital de giro e aí não há condições de comprar uma quantidade maior. Com isso, você perde no poder de negociação com o fornecedor.”

De acordo com Cláudio, para competir de igual para igual com as grandes redes, são necessárias algumas mudanças. “Acredito que teremos capacidade de ter preços iguais ou até melhores, mas para isso teremos que repensar no sistema de entrega, de embalagens, ou seja, tudo precisa estar disponível para o cliente”, analisa.

Para a consumidora Carla, ir à cidade vizinha para fazer compras é ilusório. “Eu já fui chamada de boba pela minha vizinha, que vai todos os meses buscar produtos em São João del-Rei. Na véspera do Natal, no ano passado, ela me chamou e mostrou que havia economizado oito reais com a ida até São João del-Rei. Nas contas dela, já haviam sido somados a gasolina e o tempo de fazer a barra de crochê para os tapetes, que é o trabalho dela. Eu achei engraçado. E disse que ela havia ficado feliz quando o sobrinho foi contratado para trabalhar em um estabelecimento aqui em Resende Costa. Não era de supermercado, mas era em Resende Costa, não em São João del-Rei. Eu morei muitos anos fora. E isso é uma realidade dos grandes centros também, ou seja, o pessoal ia comprar nas redes, mas quando o estômago doía, pedia à amiga para anotar na feirinha do lado de casa e a amiga anotava”, reflete Carla.

“Não estou dizendo que não se deve reclamar. É necessário. Quando você me mandou mensagem convidando-me para dar entrevista, a campainha da minha casa havia acabado de tocar. As minhas compras haviam chegado e ainda ganhei um brinde”, conta Carla, que destaca a importância de valorizar o comércio local.

 

O mercado local

“Existe, sim, uma dificuldade em competir com as grandes redes de nossa vizinha São João del-Rei. O que não diminui em nada a capacidade de atender com excelência o cliente resende-costense, prezando sempre o melhor atendimento, a praticidade, o melhor preço e a qualidade de nossos produtos”, diz Rafael Resende.

Para Cláudio Rocha, é necessário que as duas partes (consumidores e empresários) sejam envolvidas em negociações locais. “Porque se nós formos envolvidos, a cidade fica blindada com mais recursos. Inclusive tem, ainda, a possibilidade de haver mais empregabilidade e manutenção de impostos. Temos muito a ganhar. É uma questão de solidariedade, de compreensão que os dois lados precisam ter. Nós precisamos vender com preço justo, mas os nossos serviços precisam ser valorizados”, conclui.

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