Crise do crédito: compras de bens duráveis a prazo, talvez a partir de março

Pequeno empresário e consumidor, as duas faces da mesma moeda


Economia

José Venâncio de Resende 0

Av. Tancredo Neves, um dos polos de comércio em S. João del-Rei.

Especialistas ouvidos pela Federaminas (Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais) recomendam aguardar Março para se saber como ficará a situação do comércio este ano, especialmente de bens duráveis, diz João Afonso Farias, diretor da entidade. É preciso esperar o posicionamento do consumidor, em geral imediatista, alerta.

Em São João del-Rei, por exemplo, depois das festas de fim de ano, vieram as férias e o pagamento de impostos como IPVA e IPTU. Em seguida, as famílias terão de comprar material escolar e ainda tem os gastos durante o carnaval. “Ninguém vai deixar de fazer estas despesas para comprar bens duráveis a crédito, como móveis, veículos, aparelhos eletrodomésticos e de informática que são a alavanca da economia.”

João Afonso ressalta a instabilidade no crédito citada por especialistas. Instabilidade esta provocada por fatores externos, como a expectativa de mudança nos Estados Unidos com a posse de Donald Trump, que poderá criar barreiras tarifárias às importações e promover o protecionismo da indústria local. Quanto aos fatores internos, o empresário lembra as dificuldades no acesso ao crédito e os juros elevados.

João Afonso conta que, no ano passado, a Federaminas pediu um estudo a um grupo de economistas sobre a situação fiscal das empresas - a maioria enquadrada no Simples - que não estão pagando seus impostos ou os pagam parcialmente. A partir deste trabalho, a entidade aderiu a um movimento nacional para pressionar o governo federal por algum tipo de medida.

O resultado foi a decisão do governo de parcelar os débitos fiscais do Simples, para micro e pequenas empresas, que veio acompanhada de ampla campanha na mídia recomendando aos empresários que procurassem o Sebrae. “O governo não está executando ninguém e abriu o caminho para o parcelamento via Sebrae”, comemora João Afonso.

Cuidados do consumidor

Em tempos de crise, o consumidor precisa redobrar os cuidados, diz a consultora e professora de psicologia econômica e educação financeira, Vera Rita de Mello Ferreira. Deve atuar em duas frentes principais: 1) trabalhar para reduzir despesas e/ou aumentar receitas e 2) descobrir fontes de satisfação, de prazer, de realização que não envolvam dinheiro, necessariamente.

Em períodos de aperto de cinto, aumenta a agonia das pessoas, lembra Vera Rita. Se a pessoa tem pouco dinheiro, precisa fazer escolhas. “Eu compro comida ou eu compro material escolar? Eu pago a conta de luz ou eu pago o aluguel?” Isso esgota a capacidade cognitiva e emocional das pessoas, acrescenta. “Tem uma área da economia comportamental, chamada psicologia da escassez, que estuda isso.”

Por isso, o principal cuidado é, basicamente, tentar se planejar, aconselha Vera Rita, que é psicóloga e psicanalista com doutorado em psicologia social pela PUC-SP. “Não fazer despesas que não tenha planejado, exceto, evidentemente, aquelas que sejam emergenciais.”

Tipo de consumo que tem margem de manobra, como roupa, aparelho eletrônico (celular de último tipo, por exemplo) e comida (marca mais cara), requer planejamento, observa. E tem aquela recomendação básica: “Não vá para o supermercado com fome, mas também não vá quando está muito triste, quando está muito angustiado, quando está muito estressado, quando está com falta de tempo, quando está com as crianças. Tudo isso pode fazer com que a pessoa acabe tomando decisões por impulso, só pra se livrar rápido daquele sentimento que está tendo ou da própria situação (uma criança chorando, por exemplo)”.

Outra medida é fazer uma revisão das despesas para ver se não está gastando além da conta, aconselha Vera Rita. É a duplicidade de um seguro de vida, é o excesso de assinaturas de jornais e revistas, é o plano de internet superdimensionado… “Enfim, dar uma olhada em tudo o que pode cortar.”

Porém, ela defende que quem tem plano de saúde tente ao máximo preservá-lo. “Às vezes, na aflição, no desespero, a pessoa decide cortar o plano de saúde quando nem cortou a TV a cabo, mais cara, coisa que é mais supérflua. O plano de saúde tem de ser avaliado com mais cuidado porque, infelizmente, a gente sabe como é a saúde pública no país.”

Escapar do crédito

Outro alerta é estar preparado para despesas de emergência, como o conserto da máquina de lavar, do computador e do carro, ou um vazamento na casa, lembra Vera Rita, que é consultora nacional de educação financeira e membro do núcleo de estudos comportamentais da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). “Quando fizer um orçamento – quem consegue – fazer um orçamento realista, que, pelo menos, inclua despesas extras porque elas sempre acontecem. O tempo inteiro a gente precisa de manutenção da casa, dos objetos que usa etc.”.

No caso do carro, Vera Rita tem uma sugestão mais drástica: “Fazer as contas pra ver se não é mais jogo ficar sem carro. Colocar na ponta do lápis, porque às vezes o carro é um vilão. A pessoa não se dá conta de que está gastando os tubos naquilo”.

Assim, para despesas extraordinárias, a professora considera importante ter uma reserva de emergência, uma poupança de curto prazo. “Em tempo de crise, claro, está todo mundo sem dinheiro. Mas, ainda assim, a pessoa deve tentar ir guardando por dia uma quantia pequena (cinco, dez, vinte reais), o que conseguir, porque não dói tanto. Se não tiver outro jeito, até guardar em casa, num envelope, num lugar meio difícil de alcançar.”

O ideal é tentar escapar do crédito, alerta Vera Rita que é também membro do comitê de pesquisa da rede internacional de educação financeira da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). “Se a pessoa não tem nenhuma reserva de emergência e aparece uma situação de urgência, ela fica meio desesperada, meio aflita para resolver aquilo, com toda razão, mas acaba não pensando muitas vezes o suficiente e vai lá e comete um crédito, normalmente do jeito que parece ser o mais fácil, que é no cartão de crédito ou no cheque especial que, inclusive, nem requer que se entre em contato com pessoas, como o gerente do banco.”

Evitar a “bola de neve”

Uma alternativa ao crédito é procurar uma rede de contatos (que não cobre juros ou cobre juros menores) ou buscar linhas de crédito mais baratas, orienta Vera Rita. Mas ela alerta para se evitar a chamada bola de neve, ou seja, pegar empréstimo pessoal com juros mais baixos e, na hora do sufoco, buscar socorro nos créditos de juros mais altos (cartão e cheque especial). “Então, precisa fazer uma operação combinada: usar o crédito pessoal e reduzir os limites das outras linhas de crédito para evitar a bola de neve.”

“Agora, se já virou uma bola de neve – o que a gente chama de consumidor superendividado ou sobreendividado – aí vale a pena consultar órgãos do governo que trabalham como isso, como Procon, Defensoria Pública ou outra agência pública que possa ajudar no encaminhamento da situação porque a pessoa não vai ter condição de sair sozinha do superendividamento.”

No caso de consumidor contumaz, que não se controla, Vera Rita recomenda procurar grupos de ajuda mútua, como os Devedores Anônimos, muitas vezes ligados a paróquias. “Se a pessoa tiver dinheiro suficiente, vale a pena fazer uma psicanálise, uma psicoterapia. Às vezes, até, vai precisar de um apoio de medicamento, de um antidepressivo. Enfim, precisa passar pela avaliação de um profissional de saúde.”

Estas situações muitas vezes exigem uma estratégia familiar, observa Vera Rita. “Não adianta um ficar apertando o cinto e outros ficarem esbanjando. Isso desanima e aquele que está tentando organizar não só desiste como resolve também enfiar o pé na jaca. Eu brinco sempre: a família que se organiza unida, permanece unida.”

“É bacana quando as famílias conseguem resistir a esse grande stress, porque vêem que o esforço dá resultado”, comemora Vera Rita que é autora dos primeiros livros de psicologia econômica no Brasil. Há casos inclusive em que famílias “redescobrem pequenos prazeres, como ficar junto, conversar etc.”

Mas cada família, nesse processo, “vai ter de achar o seu jeito. Tem que tomar cuidado, por exemplo, com o que a gente chama de falácia dos custos irrecuperáveis: a pessoa está tentando segurar as despesas, daí de repente não aguenta e compra uma besteira qualquer. Às vezes, o sentimento é de que, ´já que cometi a besteira, dane-se, eu vou gastar tudo´. É um sentimento comum”. Vera Rita lembra que “é menos difícil gastar um pouco do que tentar consertar um rombo gigantesco do orçamento”.

Presente x futuro

O grande viés do presente é que tendemos a privilegiar uma situação imediata em detrimento de uma satisfação futura. Vera Rita considera este comportamento comum ao ser humano “porque nossos ancestrais só sobreviveram porque privilegiaram o presente – eles não sabiam se iam até amanhã, eles tinham que fazer tudo o que eles podiam hoje, já”. O ser humano evoluiu do ponto de vista tecnológico, mas a mente não evoluiu no mesmo ritmo, “nem de longe. Então, a gente continua funcionando na base do impulso e da sobrevivência imediata, da busca de alívio imediato também”.

Nesse sentido, as pessoas devem tomar algumas providências no momento em que estão sendo pressionadas pelo impulso de buscar satisfação imediata, recomenda Vera Rita. Quem está endividado, por exemplo, deve guardar o cartão de crédito num lugar de difícil acesso, não sair com ele na rua. “Tenta sair com dinheiro vivo, e ali no limite. Calcula, por exemplo, quanto vai precisar para ir ao supermercado, para comprar roupa para o filho, seja o que for, e sai com esse valor na carteira, porque, na hora que está lá diante do produto, é muito mais difícil tentar se controlar.”

Em outras palavras, “não depender de autocontrole porque nosso autocontrole é finito, a gente não aguenta se controlar o tempo inteiro”. É o que a professora chama de “crença infundada na nossa capacidade futura”. É comum as pessoas dizerem que vão comprar um produto agora com a promessa de, no mês seguinte, economizar em dobro, apertar o cinto duas vezes mais do que pretendiam. “É tudo papo furado, não vão fazer nada disso. Então, a primeira coisa é tentar ficar longe das tentações. Está sem dinheiro, não vai passear no shopping, não vai ficar olhando concessionária de carro, não vai ficar procurando na internet celular caríssimo, pacote de viagem etc.”

Fontes de satisfação

Vera Rita reconhece que não é fácil viver desse jeito. “Talvez, enquanto está reduzindo despesas de um lado, a pessoa pode estar buscando fontes de satisfação, de outro lado.”

Pode ser uma caminhada em algum parque no interior, utilizando para chegar lá transporte mais barato como ônibus intermunicipal, carona ou o Uber. Pode ser um piquenique, um almoço entre amigos em que cada um leve uma comida. Pode ser a aproximação e o estabelecimento de relações com outras pessoas e famílias por meio de uma compra coletiva no atacado.

“Pode ser interessante também trocar ideias de como atravessar a crise, cada um leva uma estratégia que já usou ou alguma tentativa que não deu certo, pra todo mundo ir fazendo uma espécie de acervo de várias tentativas de implementar métodos de reduzir as despesas”, sugere Vera Rita. “Ou também um sarau para compartilhar ideias de como se divertir sem gastar muito dinheiro.”

Enfim, “buscar algumas saídas domésticas, de ´varejo´ (individuais mas visando ao coletivo), para enxergar perspectivas para além da crise, além do período de endividamento, além desses desafios todos… Talvez, mesmo, a questão seja se abrir para pessoas que estejam numa situação semelhante, equivalente, ou pessoas que pelo menos tenham empatia por quem está nesta situação…Acho que um jeito é formar redes”, conclui Vera Rita.

 

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