Descendentes cabo-verdianos de José de Rezende Costa (filho), em Cabanas de Viriato (Portugal)


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José Venâncio de Resende0

Maria João (direita), filha de Aristides Aguiar, e sua nora Maria Gracinda, em frente ao antigo Teatro...

Aos nove anos de idade, o garoto Aristides chegava à vila portuguesa de Cabanas de Viriato – pertencente ao concelho de Carregal do Sal, distrito de Viseu na Beira Alta -, pelas mãos do tio Marcelino de Rezende Costa, militar conhecido como “capitão”, e da tia Albertina. Nascido em 1º de Novembro de 1907, na cidade de Praia, Ilha de Santiago, Cabo Verde, Aristides Semedo Cardoso Rezende Nunes de Aguiar era filho de Ludovina da Graça Rezende e descendente de José de Resende Costa (filho). 

Aristides Aguiar formou-se em Direito pela tradicional Universidade de Coimbra, com 22 anos, e casou-se aos 23 anos com Maria do Patrocínio Telles Ribeiro de Abranches. Teve cinco filhos – Maria Helena, Carlos Adolfo, Antônio Adolfo, Maria João e Luís Henrique – e sua descendência já se estende por 10 netos e 10 bisnetos.

Este repórter foi recebido pela sua filha Maria João e pela sua nora Maria Gracinda, esposa de Carlos Adolfo. Elas moram ao lado do antigo Teatro (de 1884) e da primeira sede da Associação Humanitária Bombeiros Voluntários de Cabanas de Viriato (fundada em 1935).

Sobre o pai, Maria João conta que era um homem bondoso, pai carinhoso e uma pessoa que gostava muito de caçar. Mas, a certa altura da vida, passou a arranjar desculpa para não matar os animais. Por exemplo, quando tinha alguma caça na mira, parava para tirar uma pedrinha que tinha entrado na bota.

Aristides exerceu a profissão de advogado nas comarcas da região e foi chefe de secretaria na Câmara Municipal (espécie de Prefeitura) de Carregal do Sal durante vários anos, de acordo com Maria João. Também foi representante da Ordem dos Advogados e desempenhou funções de delegado do Ministério Público. Foi vice-presidente da Câmara Municipal de Carregal do Sal, em 1972, assumindo a presidência no período 1973-74, segundo Maria Antônia Almeida*. Ele faleceu em 30/01/1988.

 Bombeiros

Aristides Aguiar é o quarto da lista de 100 sócios fundadores da Associação Humanitária Bombeiros Voluntários de Cabanas de Viriato, na qual exerceu o cargo de vice-presidente da Direção em 1938, 39 e 40 e presidente do conselho fiscal em 1968, segundo Artur Jorge Saraiva Pereira da Silva**. Também foi comandante do corpo ativo dos Bombeiros Voluntários entre Junho de 1955 e 1968.

O associativismo nos bombeiros existe em Portugal desde 1868, quando um grupo de amigos, liderado por Guilherme Cossuol, criou uma companhia de bombeiros voluntários, numa farmácia em Lisboa. Além da venda de remédios, era costume encontros de personalidades nas farmácias, onde discutiam política, vida social e promoviam verdadeiras tertúlias.     

Em Cabanas de Viriato, tudo começou quando o Grupo Dramático (Cênico) ofereceu a renda de um espetáculo para a compra de uma bomba manual de incêndios (carreta). Como o dinheiro era pouco, as senhoras do Grupo resolveram organizar festas cuja receita engrossaria o valor inicial. Com o valor arrecadado, foram adquiridos a bomba e alguns metros de mangueira, entregues a uma comissão que constituiu a Associação de Bombeiros, em 7 de Setembro de 1935. A partir daí, compraram-se diversos equipamentos (escadas, viatura motorizada etc.), e o patrimônio foi enriquecido com a doação do edifício do Teatro e uma telefonia do Grupo Dramático.     

Na assembleia-geral de 1940, que elegeria a Direção para o novo mandato, foram apresentadas duas listas à votação. Mas uma delas foi excluída por se considerar que seus membros não podiam ser eleitos, porém sem explicar em que artigos do estatuto da Associação a decisão foi baseada.

Nesta lista, constavam os nomes do “capitão Rezende Costa” (certamente, Marcelino), de Aristides Aguiar e de Aristides de Sousa Mendes (que comparecia pela primeira vez a uma assembleia da Associação). Aristides de Sousa Mendes seria, durante a segunda guerra mundial, cônsul português em Bordéus (França), durante a invasão pela Alemanha nazista, concedendo vistos de entrada em Portugal a milhares de refugiados - que assim foram salvos do Holocausto – contrariando ordens do ditador Antônio Salazar.

 Teatro

Quando a Associação Comunitária dos Bombeiros Voluntários nasceu em 1935, a Sociedade Filarmônica, fundada em 1872, e o Teatro, de 1884, eram duas referências culturais de Cabanas de Viriato, relata Artur da Silva. A entidade dos Bombeiros seguiu a tradição de Cabanas de cultivar o associativismo, pois já existiam como associações a Filarmônica e o Grupo Cênico.  

Em 1937, uma carta-circular da Direção dos Bombeiros foi dirigida aos co-proprietários do Teatro, convidando-os a ceder por doação as suas quotas-partes à Associação. Se eles concordassem, seria possível pedir a “participação do Estado” para construir nas dependências do edifício instalações para a Associação e para a Filarmônica, bem como restaurar e conservar o Teatro. Ao que parece a iniciativa teve sucesso. Tanto que, em 22 de Outubro de 1938, o então vice-presidente Aristides Aguiar enviou carta-circular aos doadores do Teatro, comunicando que a Direção deliberou, em sessão ordinária, expressar “na acta o nosso agradecimento pela generosa e valiosa doação da quota-parte do edifício do Teatro de Cabanas”. 

A partir daí, começava verdadeira luta contra a teia burocrática típica do regime salazarista, na qual Aristides Aguiar participou ativamente. Quando não era solicitações a ministros de Estado de isenção de pagamento de imposto do edifício e de apoio para a realização de obras de conservação e melhorias, era ter de fazer frente a cobranças de órgãos fiscalizadores sobre o alegado uso irregular do Teatro como empresa de espetáculos ou sobre falta de segurança contra incêndio, entre outras questões.           

Desde a sua aquisição, o teatro passou a ser utilizado para assembleias e reuniões da Associação, assim como para apresentações do Grupo Dramático destinadas a angariar fundos para os Bombeiros Voluntários e obras beneficentes. Maria João Aguiar, que participou do Grupo Dramático, lembra que o Teatro se tornou local de lazer dos associados. Inclusive, os bailes de carnaval de Cabanas sempre foram ali realizados.

 * Maria Antônia Almeida. Dicionário biográfico do poder local em Portugal, 1936-2013, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, Book.January 2014. Disponível em: http://www.oplop.uff.br/sites/default/files/documentos/dicionario_biografico_do_poder_local_em_portugal.pdf

**Artur Jorge Saraiva Pereira da Silva. 75º Aniversário dos Bombeiros Voluntários de Cabanas de Viriato, Cabanas de Viriato, 2010.

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