Desde o início da pandemia do novo coronavírus, Silvio Irineu Ramos e Vanderleia Mendonça Santos, Leia, conciliam o trabalho da mercearia (das 6h às 19h, menos aos domingos, quando fecha ao meio-dia) com os afazeres domésticos e o acompanhamento dos filhos Luiz Otávio (8º ano da E. E. Assis Resende) e Ana Luiza (3º ano da E. E. Conjurados Resende Costa). Na mercearia, a alguns poucos metros da casa onde moram, no bairro Várzea, em Resende Costa, eles vendem produtos alimentares em geral, o que explica porque o comércio não fechou durante a pandemia.
Já a escola dos filhos está interrompida, sem previsão para o retorno. Inicialmente, Luiz Otávio começou a ter acesso ao ensino a distância, mas pouco mais de um mês depois a teleaula foi suspensa. As crianças estavam tendo dificuldade em acompanhar as aulas, ou porque não tinham acesso à internet ou porque não tinham aparelho de celular adequado para instalar o aplicativo, contam Silvio e Leia.
Tanto Conjurados (desde o início) quanto Assis Resende optaram pela distribuição mensal de apostilas aos alunos. No princípio, queriam que os pais pagassem os custos, mas depois conseguiram algum apoio e passaram a entregar as apostilas no final de cada mês, quando recolhem a anterior preenchida, explicam Silvio e Leia. Essa entrega é feita durante três dias para grupos de alunos a fim de evitar aglomerações.
A título de exemplo, a primeira apostila (Top 1) de Luiz Otávio trazia exercícios de português, matemática, ciências, história, geografia e inglês. Já a segunda apostila (Top 2) de Ana Luiza incluía exercícios de língua portuguesa, matemática, ensino religioso, ciências, história e geografia. Os filhos do casal levam cerca de duas semanas para preencher as quase 100 páginas.
Luiz Otávio não pede ajuda aos pais e Ana Luiza estuda com uma coleguinha de classe, que é também vizinha de residência no bairro. Mas não é tão simples assim: “Os pais têm de pegar firme para eles estudarem”, relatam Silvio e Leia.
O casal sente falta das aulas presenciais. “As crianças estão desmotivadas, desinteressadas; preferem ficar no celular.” Leia diz que tem conversado com outras mães e percebe as mesmas dificuldades. “Elas reclamam que os filhos têm dificuldade de preencher as apostilas e elas, de ajudar.” Por isso, muitas mães querem que os filhos repitam o ano “porque as crianças não estão aprendendo e elas não conseguem ensinar”.
Incerteza
Mesmo em países ricos, como o Reino Unido, o experimento de ensino em casa não está indo bem para a maioria das crianças, depois de meses de escolas fechadas (The Economist, 27/06). Em média, uma criança gasta apenas duas horas e meia por dia para fazer trabalho de escola, de acordo com estudo do Instituto de Educação da University College London. E apenas metade desse trabalho é checado pelos professores.
A pandemia escancarou a desigualdade no acesso digital (equipamentos e rede), um dos principais empecilhos ao ensino remoto. É um fenômeno mundial, cujo prejuízo é maior nos países mais pobres. Cerca de 465 milhões de crianças não podem fazer uso de aulas online por falta de conexão de internet (The Economist, 18/07). Em partes da África e do Sul da Ásia, por exemplo, a situação é tão grave que famílias querem que seus filhos abandonem os estudos para trabalhar ou se casar.
Relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), divulgado na última semana de junho, revelou que 40% de um grupo de mais de 200 países não tem como oferecer apoio a estudantes no ensino a distância durante a pandemia (Notícias Gerais, 03/07). Sobre o Brasil, o documento refere-se a escolas que aprovam estudantes que não assimilaram de fato os conteúdos e destaca as barreiras enfrentadas principalmente pela parcela negra da população.
Outro problema é a falta de experiência de professores das escolas municipais, estaduais e federais com o trabalho remoto, de acordo com a pesquisa “Trabalho Docente em Tempos de Pandemia”, realizada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). E quase metade (42%) dos entrevistados não recebeu capacitação em tecnologias digitais na educação (O Tempo, 09/07/2020).
Porém, existe grande incerteza sobre a volta do ensino presencial com salas lotadas. Recentemente, o governador Romeu Zema afirmou que as aulas presenciais em Minas devem ser retomadas em escolas do Estado neste semestre (Estado de Minas, 19/07). No entanto, faltam informações e definições por parte de autoridades da área de saúde.
O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) antecipa-se e divulga documento para orientar as instituições filiadas. O setor avalia adotar rodízio no início, com o comparecimento em média de 40% dos alunos, e uma modalidade de ensino híbrido (parte presencial e parte on-line).
Pelo mundo
Em Portugal, o governo pensa em retomar as aulas presenciais no próximo ano letivo (que começa em setembro), segundo reportagem da TVI. Sob o impacto da pandemia, a intenção é seguir a orientação das autoridades de saúde, como o distanciamento entre alunos (no mínimo, um metro) e outras medidas de segurança (uso de máscaras, nova disposição das salas de aula, higienização pessoal e da infraestrutura e medição de temperatura). As aulas presenciais estarão condicionadas à situação epidemiológica do país.
Nos Estados Unidos, o governo federal, que falhou no controle da pandemia, ameaça as escolas que se recusam a reabrir. Aquelas escolas que desejam retornar no outono devem adotar um sistema rotativo que permite as crianças comparecerem somente meio período.
Em outros países, as crianças já estão voltando. França, Dinamarca e Nova Zelândia, por exemplo, relaxam as regras de distanciamento social para permitir a maior parte das crianças retornar às aulas. O governo britânico espera o retorno em período integral a partir de setembro. “Mas ter as crianças de volta nas salas de aula é somente o primeiro passo para reparar o prejuízo que a pandemia tem causado no seu aprendizado. O desafio dos educadores agora é como recuperar o tempo perdido” (The Economist, 18/07).
Em junho, cerca de metade dos países mais pobres disse que tinha planos de reabrir as escolas, de acordo com estudo das Nações Unidas e do Banco Mundial. A complicação é manter o distanciamento social com 50 a 60 crianças amontoadas numa única classe.
Outra limitação é o aumento das despesas frente a um orçamento apertado. Apenas 8% dos países mais pobres informam que estão recrutando novos professores para auxiliarem na reabertura, comparado com quase 40% dos países ricos, segundo o mesmo estudo da ONU e do Banco Mundial.
Estratégias
O desafio é imenso, lições do período que termina continuam sem ser ensinadas. E crianças muito tempo fora da escola tendem a esquecer o que já aprenderam. Há analistas em educação que já apontam que algumas crianças vão ficar um ano defasadas em matemática.
Estudo produzido pela Unesco e pela empresa de consultoria McKinsey, citado por The Economist, identifica três tipos de estratégias de recuperação: as escolas devem dar mais tempo às crianças, ajustar os seus currículos ou tentar melhorar a qualidade de sua instrução. O maior sucesso provavelmente virá da combinação dos três.