João Carlos Kikinger cria cavalos Mangalarga Marchador há mais de 40 anos


André Eustáquio


João Carlos Kikinger e seu filho Rodrigo Lombardi Abreu, criadores da raça Mangalarga Marchador (Foto André Eustáquio)

A criação de cavalos de raça no município de Resende Costa tem dois pioneiros que representam duas das mais conhecidas e importantes raças de cavalos no Brasil: Aldemar Augusto Aarão (falecido em janeiro de 2008), criador da raça Campolina, e João Carlos Kikinger Abreu, criador da raça Mangalarga Marchador. Fato curioso é que os dois fazendeiros começaram suas criações comprando animais de ambas as raças. Mais interessante ainda é que João Carlos adquiriu do sr. Aldemar o seu primeiro cavalo, há mais de 40 anos.

João Carlos Kikinger, 74, é natural de Santos Dumont (MG), mas ainda muito jovem veio trabalhar na região do Campo das Vertentes, inicialmente em Barroso e São Tiago, onde seu pai possuía laticínios. Aos 21 anos, casou-se com a filha do grande industrial são-joanense José Lombardi, conhecido por Juca Lombardi, dono da Fiação e Tecelagens Lombardi. A ótima relação com o sogro e a aquisição da Fazenda Esperança por Juca Lombardi - localizada no município de Resende Costa - no final da década de 1960, marcaram o início da trajetória de João Carlos como criador de cavalos.

Em entrevista concedida ao Jornal das Lajes, no Haras Kikinger, localizado na divisa de Resende Costa, Coronel Xavier Chaves e Lagoa Dourada, entre tantos assuntos, João Carlos falou sobre a sua paixão pelos cavalos e o mercado de animais de raça. Confira os principais trechos da conversa com o empresário do ramo de hotelaria (ele é proprietário da pousada Dom Quixote, em Tiradentes), mas que não esconde sua verdadeira paixão pelos cavalos da raça Mangalarga Marchador.

 

O início

“Inicialmente nós tínhamos gado lá na Fazenda Esperança, que adquirimos em 1965, e cavalos para lida. Certa vez, eu fui a Formiga/MG com um amigo para comprar um touro Gir, mas chegando lá eu vi um cavalo pampa muito bonito e acabei comprando. Depois, já aqui, nós compramos uma égua pampa. Ela pariu lá na fazenda uma potra pampa. Foi então que começamos a criar, mas sem documentos, ou seja, cavalo normal. Mais tarde resolvi comprar algumas éguas, também sem registro. Naquela época podia criar animais sem registro. A gente chamava o técnico e, se tivesse dentro do padrão, a gente registrava. Eram éguas sem genealogia, sem pai e mãe conhecidos. Foi um período de 10 anos criando assim. Depois, em 1971, comprei um cavalo do Aldemar Aarão, o cavalo se chamava Seta Pirata. Fui fazer uma visita ao Aldemar Aarão e esse cavalo estava lá no meio das éguas Campolina dele e eu o comprei. Aí comecei a criar, mas não dava uma produção boa. Isso durou um tempo, até que resolvi liquidar o plantel todo.”

 

Investimento em cavalos qualificados

A partir de 1995, João Carlos começou a aprimorar o seu plantel através de parcerias com grandes criadores do Sul de Minas, berço da raça Mangalarga Marchador. “Começamos, no final da década de 1990 e início de 2000, a criar somente cavalos com genealogia. Iniciamos as primeiras produções com animais qualificados, com bom andamento. Vendemos as éguas de fundo, compramos éguas boas de genealogia de pais campeões e assim fomos selecionando nosso plantel. Mas, investir mesmo em animais de padrão mais alto tem uns 10 anos. Hoje não temos aqui égua de fundo, só éguas de ponta.”

João Carlos utiliza a técnica de inseminação artificial nas éguas matrizes do seu plantel. Os sêmens utilizados na inseminação das éguas do Haras Kikinger vêm de garanhões de alto padrão da raça Mangalarga Marchador.  “Fazemos aqui inseminação artificial em 17 éguas com cavalos de fora. De dois anos para cá, a inseminação aumentou muito a nossa produção e elevou a qualidade do nosso plantel. A gente fica com as fêmeas que nascem e os potros a gente vende.”

 

Opção pelo Mangalarga Marchador

“Eu cheguei a comprar Mangalarga Marchador e Campolina juntos. Tive seis éguas Campolina. Mas o andamento das éguas Campolina era horrível. Ainda é até hoje, acho que melhorou pouco. Sobretudo na região nossa, eu ainda não vi um animal Campolina com andamento bom. Hoje tem éguas Campolina excepcionais, mas estão nas mãos de grandes criadores do Rio de Janeiro, que têm um padrão financeiro muito alto. Estes sim têm animais Campolina muito bons. Na minha época, eram animais muito ruins. Animais muito altos, que demandavam muito trato e emagreciam muito. Aí resolvi vender tudo. Um amigo de São João del-Rei me comprou alguns e o resto vendi num leilão de vacas. Saíram baratos, a preço de banana. Foi então que liquidei o plantel de Campolina e comecei a criar somente Mangalarga Marchador, que tem um mercado muito maior, além de ser um animal dócil e de bom tamanho.”

 

O Mercado

Segundo João Carlos, o mercado de compra e venda de animais da raça Mangalarga Marchador é superior ao da raça Campolina. “Naquela época, em Resende Costa só tinha três criadores de Mangalarga Marchador, todo mundo criava Campolina. Só tinha eu, o Ênio Resende e o Dr. Geraldo Resende, da Fazenda do Pinhão. Eu fiquei sozinho durante muito tempo. Depois o Rafael Chaves começou a criar a partir de algumas potras que vendi para ele. Mas o mercado de Mangalarga Marchador é muito melhor. Se você quiser vender todo mês, você vende. Toda semana tem leilão de Mangalarga Marchador. Já o mercado de Campolina é difícil. Não tem, não expandiu na região Sudeste.”

No Haras Kikinger, João Carlos possui um plantel de 51 animais, sendo 21 éguas matrizes e três garanhões, além de potros e potras. Ele disse que recentemente, durante um leilão realizado no haras, foram vendidos 17 animais nascidos no Kikinger.

João Carlos afirma que a crise financeira afetou o mercado de cavalos. “O mercado de cavalos hoje está zerado. Ninguém quer comprar. Essa crise afetou tudo. Não foi só o mercado de cavalos, afetou também o comércio em geral, inclusive a criação de bovinos. Para mantermos a propriedade, o dinheiro tem que vir de fora, de outro ramo.”

Diante da situação econômica atual, João Carlos recomenda muita cautela a quem está entrando no mercado de cavalos. “Criar cavalo dá menos trabalho e menos mão de obra do que criar bovinos, mas fica caro quando se cria em alto padrão. São animais muito caros. Nós que somos criadores médios não podemos nos enfiar aí no meio dessa turma de criadores de cavalos com mercado alto, ou seja, animais que chegam a 1 milhão de reais. Na verdade, eu nem sei se esses valores são reais. Portanto, vou ser muito sincero com quem está iniciando: eu acho um mercado péssimo. Quem quer criar cavalos com a finalidade de vender para ganhar dinheiro, eu falo: não invista porque não tem mercado, a não ser que você tenha bastante dinheiro, possa investir demais para atrair esses compradores que também têm dinheiro demais. Mas nós pequenos, se nos metermos hoje num negócio desses, a gente quebra. É um mercado perigoso. Se você ficar muito entusiasmado, pode se dar mal.”

 

O haras

Para se construir um haras, demandam-se investimentos básicos, porém sem necessariamente ter que se optar pelo luxo. Quem chega ao Haras Kikinger, vê uma estrutura bastante organizada, com baias, pastos formados e área de mata nativa preservada. João Carlos adquiriu a propriedade em 2016 e cuidou logo de adaptá-la para a criação de cavalos. A sede é uma bela casa com traços do estilo colonial, embora tenha sido construída há somente dois anos. As divisas dos pastos são todas protegidas por cerca eletrificada. “Há pouco arame farpado aqui. Grande parte da propriedade está cercada por brejos”, informa João Carlos.

Para administrar o haras, João Carlos conta com o apoio do seu filho Rodrigo Lombardi Abreu. “Já estou passando para o Rodrigo. Venho aqui duas vezes por semana, a gente troca ideias, mas a minha palavra ainda vale. Falo pra ele: você pode fazer o que quiser, mas a palavra final é minha, vem e conversa comigo (risos).”

João Carlos é extremamente cuidadoso com o adestramento dos animais. Para manter o nível de excelência do seu plantel, ele conta com o trabalho de peões qualificados. Os potros começam a ser adestrados ainda novos, com seis ou sete meses. “A gente começa a escovar o animal, colocar cabresto para ele ir se acostumando”, explica João Carlos.  “Tem animais mais dóceis e animais que rejeitam. Portanto, para você amansar e refinar um cavalo, leva ao todo 90 dias.”

De acordo com João Carlos, a profissão de peão está se tornando cada vez mais escassa, portanto os profissionais procuram se qualificar. “Essa é a coisa mais difícil. A mão de obra está escassa e cara. Em determinadas regiões, onde o pessoal é rico, tem peão que recebe até 10 salários, além de casa e carros. Um bom peão ganha entre 6 a 10 salários”, diz João Carlos.

O que é ser um bom peão? “Um bom peão conhece do ofício e quer se aperfeiçoar cada vez mais, até porque há muitas trocas de informações entre as fazendas. O peão tem que ter sensibilidade, não é só montar. Tem o refino do cavalo, acertar o animal... Tem que ter paciência. Hoje não se bate mais no animal. O cavalo é inteligente. Você ensina a ele, insiste e depois faz com ele o que quiser. Já teve um peão aqui que quebrou a perna de uma potra de tanto bater. Esse a gente dispensa e manda ir embora.”

 

Construindo amizades

Enfim, há mais de 40 anos criando cavalos, João Carlos sente prazer ao se lembrar das grandes amizades construídas. “O cavalo é um negócio. É um enorme prazer levar os animais às exposições, mostrá-los a outros criadores. As exposições de hoje são fantásticas. O ambiente é saudável e a gente faz muitas amizades. Tenho amizades com criadores grandes que me emprestam cavalos sem cobrar nada. As amizades são verdadeiramente fortes. Falo sem sombra de dúvida que é o melhor ambiente para a família.”

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