Jogo Aberto com a Psicóloga da Infância e Adolescência, Tatiane Maria da Silva

“O desespero de ver nossos adolescentes morrendo fez com que se rompesse um silêncio crucial diante do tema do suicídio”


André Eustáquio


fotoPsicóloga Tatiane Maria da Silva trabalha com crianças e adolescentes (Foto arquivo pessoal)

Nós nos espantamos quando somos tristemente surpreendidos com a notícia de que um adolescente tirou precocemente sua própria vida. Imediatamente somos impelidos a procurar respostas para tal atitude extrema. Como entender o comportamento dos adolescentes da chamada “geração online”? Como explicar o crescente número de casos graves de depressão na idade das escolhas, dos conflitos e descobertas?

O JL conversou com a psicóloga resende-costense Tatiane Maria da Silva, 33, graduada e pós-graduada pela PUC-MG. Tatiane atua como psicóloga de crianças e adolescentes em uma clínica em Belo Horizonte, onde reside, e acompanha, voluntariamente, alunos da Escola Municipal Paula Assis, no povoado do Ribeirão, zona rural de Resende Costa.

Atualmente, há uma preocupação geral em relação ao aumento de casos de depressão entre os adolescentes. O que está levando os meninos e as meninas, na faixa etária de 12 a 17 anos, a apresentarem quadros graves de depressão ou de outras doenças de mal-estar psíquico? Para adentrar o campo do entendimento sobre a depressão, precisamos compreender em qual contexto de mundo estamos inseridos e os impactos das contingências atuais na vida dos adolescentes. Cada época desenvolve o seu devido aparato psíquico-emocional. O excesso de estímulos e o excesso de informações são características de nossa atual cultura e isso modifica radicalmente a estrutura e o modo como prestamos ou não atenção. Estamos constantemente ligados a multitarefas e os adolescentes de hoje nasceram contextualizados pelo excesso de estímulos. A fase de desenvolvimento da adolescência comporta um vasto campo de mudanças intensas no psíquico, fisiológico, social e cultural. Estamos diante de uma geração que não pode mergulhar no ócio, pois tem de elaborar, ao mesmo tempo, as informações que chegam em demasia e o que o mundo espera que ela faça. O paradigma impõe que é necessário que eles (adolescentes) definam suas profissões aos dezessete anos e deixa a seguinte mensagem: “Você pode ser tudo, menos passivo.” Quando os adolescentes estão emocionalmente mais frágeis, eles dizem algo sobre si mesmos, mas também dizem algo sobre a época em que vivem.

Dados revelam que o índice de depressão tem se acentuado entre as meninas. Por quê? A construção social feminina ainda perpassa mudanças significativas. As meninas ainda são alvos de cobranças estéticas e sociais que as tornam mais vulneráveis. Consequentemente, existe entre elas um maior nível de autocobrança, principalmente frente ao que elas representam nas redes sociais. Com isso, seus modelos de interpretação de mundo podem ficar limitados e pouco flexíveis, afetando sua autoestima e consequentemente sua saúde emocional.

Sabemos que a depressão, quando severa, pode levar ao ato extremo do suicídio. Esse fenômeno vem atingindo os adolescentes. Como prevenir? O desafio que o suicídio nos coloca, como sociedade e cultura, é conseguir pensar junto com os jovens novas repostas de enfrentamento, que não seja tirar a própria vida. Essa tarefa não cabe somente ao adolescente, ela é coletiva. Inclui família, escola, comunidade e demais instituições sociais. O desespero de ver nossos adolescentes morrendo fez com que se rompesse um silêncio crucial diante do tema do suicídio. A crença de que falar sobre o suicídio aumenta o número de casos estabeleceu um silêncio em torno das mortes e isso colaborou para que se localizasse o problema e a suposta solução no indivíduo. Construímos a ideia errada de que o suicídio seria uma covardia do jovem e o fracasso dos pais. E, com isso, o tema passou a ser um problema da pessoa e de sua família, colocado como um tipo de defeito. Dessa forma, ficou atribuído ao suicídio o fenômeno de resposta a uma patologia mental, como a depressão. É fato que há casos de suicídio relacionados a doenças mentais, mas não é possível desconectar qualquer doença da época em que ela é produzida. O suicídio não é meramente um problema de exclusividade individual, mas também uma produção social. A prevenção passa também por compreendermos quais os impactos da cultura das telas em nosso sistema emocional e como podemos utilizá-las de forma mais consciente.

O que leva um(a) adolescente, no auge da idade das descobertas e das escolhas da vida, à atitude extrema de dar fim à própria vida? O significado de ser adolescente difere em cada época determinada. Entender o adoecimento psíquico como causa única não contribui para que avancemos no entendimento de tal fenômeno. O suicídio tem por trás um complexo de motivos que precisa ser acolhido mediante cada caso. Mas é importante destacar para um complexo fenômeno da atualidade: o impacto do uso excessivo das telas (computadores, celulares, notebooks, televisão etc.) no organismo e no aparato emocional. A luz das telas provoca o que os estudiosos definem como “onda azul”. Tal luz inibe a produção de melatonina, hormônio responsável pela indução do sono. As pessoas que ficam no celular depois das 20h tendem a dormir mal e a dormir menos. O dia seguinte delas também é pior e elas produzem menos serotonina (importante neurotransmissor que regula o nosso humor). Agora imagine o impacto desses hábitos em um cérebro adolescente que ainda está passando por uma fase de maturação? Ocorre uma baixa no círculo do sono, que por sua vez impacta a produção de hormônios necessários ao bem-estar. Além disso, os aplicativos atuais criaram um modo de comunicação baseado em “likes” e isso gera uma alteração no nosso sistema de recompensa. O jovem deseja, cada vez mais, um retorno mais rápido e passa a depender de tal mecanismo. Dessa forma, seus sistemas de recompensa não são estruturados para suportarem coisas da vida real. Consequentemente, pequenas ocorrências os levam a um desespero muito grande.

Como você avalia as formas de relacionamento entre os adolescentes dessa nova geração? Como eu disse, estamos diante de uma revolução no modo como nos comunicamos e colhemos impactos negativos do uso excessivo das telas. Sabemos que precisamos aceitar tais ferramentas em nosso cotidiano, pois isso faz parte de uma evolução de mundo em diversas frentes. Mas como pensar o uso da tecnologia de uma maneira mais saudável? Entender como as redes funcionam é um primeiro e importante passo para ajudarmos nossas próximas gerações a balancearem o seu uso. Não adianta os pais exigirem menos tempo de uso de celular se também não são bons exemplos de uso.

Falta mais encontro pessoal entre os adolescentes? A relação via internet permite apenas o encontro com aqueles que mais simpatizamos. É o encontro com os iguais. Bloqueamos quem não nos é interessante. Não existe o desconforto da presença de estar diante do que é diferente. As relações presenciais exigem de todos nós adaptações, desconfortos e novas habilidades sociais e isso gera novas ferramentas internas, bem como fortalecimento emocional. Crescemos ao nos relacionarmos no mundo real, com suas imposições e dificuldades.

Você desenvolve um trabalho com adolescentes em uma clínica em Belo Horizonte e na Escola Municipal Paula Assis, no povoado do Ribeirão, zona rural de Resende Costa. Fale sobre esse trabalho com os adolescentes. Atuo na clínica do adolescente há quase cinco anos. O trabalho é voltado para o acolhimento e a escuta de jovens dentro de seus diversos questionamentos. A abordagem a que me amparo dentro da ciência da Psicologia é a Sistêmica Familiar e a epistemologia antropológica do Construcionismo Social. Com isso, o trabalho com as famílias dos jovens também faz parte do processo de ressignificação dos sentidos abordados em terapia. O desenvolvimento clínico na Escola Municipal Paula Assis acontece através de grupos, nos quais são desenvolvidos temas que buscam trazer à tona a psicoeducação das emoções. Desta forma, a escola vem oferecendo aos jovens um espaço de reconstrução dos significados e de escuta, com o intuito de fazer brotar a importância da saúde mental nos diversos contextos institucionais.

Como você observa a nova geração de adolescentes conectada às redes sociais? Estamos diante da primeira geração formada em redes sociais a partir de likes, bloqueios, Instagran alternativo (os jovens não se utilizam do mesmo Instagran que o seu pai ou sua mãe, possuem conta ativa, eles criaram seu “Insta alternativo”), Twiter e atualização de status. E a marca de se tornar adolescente em nossa era é a marca de entrar para a vida online. Com a mesma velocidade que aceitam novos amigos, eles experimentam a realidade de apagar amigos. Arriscam-se nas redes sem precisarem experimentar os efeitos de tais riscos na vida real. Mas os efeitos digitais se sinalizam na mente. A vida online pode ser editada através de um filtro, mas a realidade pode ser outra. É importante trazermos à tona a discussão sobre o significado da vida real frente aos desafios e dificuldades. E o quanto o tempo da vida online é completamente diferente do tempo da vida real.

Os adolescentes dessa nova geração estão psiquicamente mais frágeis? As cobranças que a vida os impõe estão além do que eles podem suportar? Eles não estão psiquicamente mais frágeis, mas lidam com um novo contexto complexo da chegada de informações. Em épocas anteriores, os adolescentes não eram bombardeados pela informação em excesso e com isso as particularidades da fase eram menos evidenciadas. Tal como define o filósofo Byung-Chul Han, estamos diante da “sociedade do desempenho”, caracterizada pelo excesso de informação que busca implantar nos indivíduos, cada vez mais cedo, a ideia de uma competição pelo espaço de trabalho e produção. Faz-se necessário considerar os impactos de uma sociedade do excesso em um cérebro de 15 anos, com as intensidades da fase, e em formação psíquica e fisiológica conturbada.

Como a família e a escola podem lidar com adolescentes acometidos por doenças psíquicas graves, especialmente a depressão? A procura por ajuda especializada torna-se essencial à medida que família e escola percebem as dificuldades apresentadas pelo adolescente. Pais e educadores podem buscar conhecimento através do entendimento de como o fenômeno acontece e quais são seus principais sinais. Promover rodas de conversa e grupos de reflexão para pais e educadores através de iniciativas que visem a instrumentalizá-los no entendimento do fenômeno. O interesse de uma comunidade frente aos novos desafios apresentados por essa geração torna as dúvidas mais claras e aumenta o nível de enfretamento para tal situação.

Diante dessa revolução comportamental oriunda sobretudo do desenvolvimento da tecnologia e do surgimento das redes sociais, como os adolescentes podem adquirir uma vida psíquica saudável? A vida psíquica está intrinsicamente compreendida dentro de um espectro amplo de questões. Somos resultado das diversas facetas de vida nas quais nascemos inseridos: família, sociedade, escola, cultura e nós enquanto seres individuais. Compreender o aumento do suicídio entre adolescentes passa por entendermos que o ser humano encontra-se inserido nessas facetas de vida. E, para isso, como psicóloga, defendo o investimento de cada um de nós na busca da compreensão de nossos fenômenos emocionais. As perguntas perturbadoras, porém libertadoras: “Por que agimos da maneira em que agimos?” “Por que respondemos da maneira em que respondemos diante dos fatos que nos acometem?” As respostas a essas questões são chaves para abrirmos caminhos nunca explorados e também para procurarmos novas maneiras de responder às dificuldades da vida. Não estamos fechados em nossos traumas, menos ainda definidos por nossos contextos. Somos capazes de mudar tais entendimentos e crescermos diante deles. Deixo uma frase, como reflexão, muito utilizada no consultório com os jovens com quem tenho trabalhado: “Você não terá 15, 16, 17 anos eternamente. A maneira como você interpreta suas vivências hoje muito provavelmente se redefinirá. Vale a pena tomar decisões fixas, como tirar a própria vida, diante de problemas e questões que são temporários?”

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