Língua de Herança: Binômio expansão-inclusão marca V SEPOLH em Barcelona

As quatro edições anteriores podem definidas como (I) “pioneirismo”, (II) “ato de coragem”, (III) “consolidação” e (IV) “estruturação”.


Educação

José Venâncio de Resende0

A foto de encerramento (extraída do facebook de Juliana Azevedo-Gomes).

O binômio expansão-inclusão sintetiza o que foi o V Simpósio Europeu sobre o Ensino de Português como Língua de Herança (SEPOLH), entre 27 e 30 de outubro, em Barcelona (Espanha). Participaram do encontro educadores (mães/pais e professores ligados a associações de brasileiros no exterior) e pesquisadores acadêmicos de 10 países europeus, bem como de Estados Unidos, Japão, Brasil e Cabo Verde, dos quais 36 pessoas presencialmente e 52 na modalidade virtual (formato híbrido).

Uma característica peculiar deste encontro foi “o grande interesse na expansão de redes para a inclusão de experiências e estudos de outros contextos onde a língua portuguesa é falada”, diz a pesquisadora e professora Ana Souza, fundadora em 2006 da ABRIR (Associação Brasileira de Iniciativas Educacionais no Reino Unido) e idealizadora do SEPOLH que criou junto com colegas em 2013. Ela ilustra esse interesse com a participação de colegas portugueses, cabo-verdianos e kokama (indígenas do alto Solimões na Amazônia).

O SEPOLH vem, paulatinamente, refletindo os questionamentos atuais do mundo da língua de herança, acrescenta Juliana Azevedo-Gomes, coordenadora geral do V SEPOLH. “Esta última edição se concentrou nos temas do plurilinguismo, diversidade e translinguagem, que vai mais além da língua portuguesa em si e se debruça em compreender mais o contexto e os nossos alunos, falantes de herança. Considero que esse é o ponto forte do SEPOLH, que vai se transformando em consonância com as necessidades e a realidade dos educadores.”

Este SEPOLH foi um marco na medida em que “veio colaborar para discussões que repercutiram na nossa prática enquanto profissionais de POLH ao longo dos últimos anos”, enfatiza Camila Lira da associação Linguarte e.V., de Munique (Alemanha). “Saímos do presencial e fomos para o digital, muitas vezes sem formação para isto. Também descobrimos novos olhares para o POLH, como as minorias dentro deste universo: alunos com algum tipo de transtorno de aprendizagem, o português falado e vivido na África e também a didática de ensino-aprendizagem que quer falar para a sociedade plurilingue e não apenas para um só português.” Ela confessou-se “muito emocionada pelo belo trabalho de curadoria do comitê cientifico” e também pelo “diálogo proporcionado pelas interações entre todos: online e presencial”. 

Formato híbrido

O formato híbrido (presencial e online) foi caracterizado como “dimensão inclusiva” por Adenilson José Pereira, do Elo Europeu, da Associação Raiz Mirim e, atualmente, coordenador do Conselho de Cidadãos da Bélgica e Luxemburgo. “Essa dimensão de inclusão no evento daqueles que poderiam estar enriquecendo esse encontro, mas por um motivo ou outro – familiar, financeiro ou profissional – não puderam estar presente, vem responder esta realidade de impossibilidade dessas pessoas.”

E isto não foi por acaso, revela Juliana, a coordenadora. “O formato híbrido, nesta edição, embora tenha sido uma resposta ao contexto incerto da pandemia, já era algo pensado pela comissão organizadora, uma vez que a maioria trabalha como professora da modalidade online.” Por isso, ela comemora a presença de participantes de Estados Unidos, Brasil, Europa e Cabo Verde, “em função da possibilidade que o formato híbrido traz”. 

Ana Souza avaliou o formato híbrido como “muito positivo. Afinal, possibilitou que mais da metade dos participantes, incluindo palestrantes, contribuíssem e acompanhassem o evento de uma grande diversidade de países. A troca foi riquíssima com a presença online e offline de veteranos e muitos novatos”.

Camila Lira aprovou esta primeira experiencia. “Sei que é dificil lidar com os anseios das pessoas online e das presenciais, mas acredito que a união de forças entre os dois ambientes pôde proporcionar um evento de enorme qualidade e sinergia entre todos os envolvidos.”

Miriam Müller, Associação Brasileira de Educação e Cultura (ABEC), nos cantões da Suíça germanófona, considerou “que a equipe organizadora foi extremamente corajosa”, afinal foi o primeiro encontro em formato híbrido. Ela acredita que o máximo esforço para lidar com a tecnologia superou largamente eventuais problemas técnicos. “Ganharam as pessoas que em geral não puderam participar, por algum motivo.” O resultado foi que “teve muita coisa legal, bem diferenciada”.  

Ana Luiza Oliveira de Souza (Analu), Casa do Brasil de Florença (Itália), disse que, “sem dúvida, a fórmula presencial é melhor”. Para ela, num evento híbrido, perdem-se detalhes na apresentação de trabalho e em termos de compartilhamento de opiniões. Assim, acredita, que “esse tipo de evento poderia ser realizado somente em situações como a que tivemos, com a pandemia”.

Adenilson, que participou online, concorda que o sucesso do encontro em formato híbrido “não elimina a importância do corpo a corpo, do contato, das conversas de corredor, das partilhas na hora do café, no momento de pausa”. Mas considera que foi válida a experiência, “até porque, mesmo não estando no local, a gente tem a possibilidade de estar em contato com as outras pessoas ali presentes”.

“Então,  refletiremos cuidadosamente sobre essa experiência, o que pode ser mantido, o que precisa ser melhorado”, conclui Ana Souza. “Incluiremos a avaliação dos participantes em nossas considerações sobre esse formato em futuras edições do evento.”

Resultados

Uma inovação deste SEPOLH “foi transformar o formato híbrido em uma proposta de Simpósio continuado”, relata Juliana, a coordenadora. No ambiente virtual, as gravações das atividades e os foros de discussão ficam abertos durante um mês após o evento; “nossa intenção é seguir fomentando as discussões e as redes que nasceram no SEPOLH, mas que podem ser expandidas a outros contextos de comunicação”.

Atividades que foram elogiadas por Miriam, que participou pela internet. “A qualidade dos trabalhos foi muito alta e variada; trabalhos práticos e teóricos sobre a didática muito bons.” Ela citou a apresentação de trabalhos sobre o desafio de dar aulas remotas, através das novas tecnologias no tempo do lockdown, “porque as turmas não pararam”. Na sua opinião, o tema também ajudou: “Então, teve trabalhos muito bonitos, reflexões muito importantes e, aprofundamos o tema heterogeneidade das turmas que temos, com um olhar para a diversidade da língua, do português pluricêntrico que foi muito abordado.” Conta que apresentou, “com a Isabela, um trabalho sobre a inclusão das crianças com transtorno de aprendizagem em sala de aula”. Referiu-se ainda a “um trabalho lindo sobre a capoeira e a língua de herança” e ao encerramento, “fantástico, com uma professora que dá aula na Universidade de Barcelona trazendo um olhar muito sensível sobre o ensino de línguas”.

Analu destacou “Práticas didáticas que envolvem o ensino DAD (remoto), outros contextos específicos de português pluricêntrico como a experiência da professora Cesária (natural de Cabo Verde) que ensina nos Emirados Árabes a crianças e adolescentes de diferentes origens”.

Adenilson, que também não pôde ir a Barcelona, considera que “a participação foi muito boa, excelente. As pessoas agiram com naturalidade, com desenvoltura, interagiram e se prepararam para cada mesa.”

Em depoimento pessoal, Juliana, que pertence à Associação de Pais de Brasileirinhos na Catalunha, fala da “alegria de poder retribuir, através da organização, tudo o que o SEPOLH me trouxe em âmbito pessoal e profissional. A professora e pesquisadora que sou hoje se devem aos encontros proporcionados pelo SEPOLH e aos frutos desses simpósios, como a fundação do Elo Europeu de Educadores de POLH, por exemplo”.

Evolução

No período de oito anos em que ocorreram cinco edições do SEPOLH, ficou clara a busca de qualificação formal das/dos educadoras/es que atuam na área, avalia Ana Souza. “Muitas/os tornaram-se mestres e doutores e hoje realizam pesquisas na área.  E, o mais importante, fazem isso sem se esquecerem  de suas origens em movimentos de base. Assim, continuam ligadas/os, de uma maneira ou de outra, às associações e escolas complementares onde iniciaram suas experiências com o POLH.”

Com isso, a troca de conhecimento entre educadoras/es e acadêmicas/os na área de POLH é constante, prossegue Ana Souza, “e  tem tido um impacto positivo tanto nas práticas de sala de aula quanto nas questões sendo estudadas. Assim, tivemos contribuições de grande valor de participantes que atuam nas escolas e associações. Da mesma maneira, trabalhos acadêmicos evoluíram no sentido de que não precisam mais focar em ter as especificidades do POLH reconhecidas”.

Camila Lira também enfatiza o crescimento do SEPOLH desde 2013, “quando éramos apenas algumas iniciativas buscando o diálogo e hoje temos um simpósio que chama a atenção por unir a prática e a academia, por querer discutir e mostrar não só pesquisas, muito necessárias, mas sua aplicabilidade na prática”. 

Adenilson reforça a percepção deste processo evolutivo. “A cada evento do SEPOLH – eu participei desde a primeira edição - eu pude ver esse degrau em degrau de cada edição. E o V SEPOLH não deixou a desejar em termos de qualidade das apresentações, em termos de participação com relação às edições anteriores.” Na sua opinião, um dos ganhos alcançados no V SEPOLH, em relação às edições anteriores, foi justamente o fato de a “inovação presencial-online” ter permitido manter a qualidade do conteúdo e sem perder a qualidade da participação.

Se o V SEPOLH é bem representado pela palavra “expansão”, o I SEPOLH pode ser definido por pioneirismo, na avaliação de Ana Souza. “Já ´ato de coragem´ é como eu definiria o II SEPOLH. Afinal, Camila Lira aceitou o convite para realizar a segunda edição do evento, ainda em um estágio embrionário.” Para definir o III SEPOLH, ela usaria a palavra consolidação. “Acho que foi só na terceira edição que ele se estabeleceu fortemente como um evento bienal dentro do calendário das atividades relacionadas ao POLH na Europa.” O IV-SEPOLH pode ser definido pela palavra estruturação. “Foi nele em que a estrutura organizacional do evento foi definida. Aliás, algo que só pôde ser feito devido às grandes contribuições de Murilo Masson, que coordena o Comitê Administrativo do SEPOLH”, conclui Ana Souza que participa do Grupo de Estudos e Pesquisas Multifare  entre outras atividades acadêmicas.

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Mais de 100 representantes de 22 países discutiram português como língua de herança, na Itália - https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/mais-de-100-representantes-de-22-paises-discutiram-portugues-como-lingua-de-heranca-na-italia-/2869

 

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