Maquinário da antiga Fiação e Tecelagem João Lombardi está à venda

Em São João del-Rei, na metade do século 20, havia um polo industrial têxtil, formado por cinco empresas de fiação e tecelagem.


Economia

José Venâncio de Resende0

Máquinário da Fiação e Tecelagem João Lombardi.

O maquinário da antiga Fiação e Tecelagem João Lombardi - uma das últimas fábricas do período áureo da indústria têxtil de São João del-Rei - encontra-se à venda. Com 70% de atualização, este maquinário – que permite fabricar fios mais macios e limpos, “penteados” para a confecção de tecidos de alto padrão de qualidade - foi adquirido em 1996-98 e está “em excelente estado de conservação”, de acordo com João Lombardi Neto, mais conhecido como Joe Lombardi.

Em 2014, um empresário indiano visitou Joe em São João del-Rei e manifestou-se interessado em levar o maquinário para o seu país. Com o aumento do custo da mão de obra chinesa, a indústria têxtil deslocou suas fábricas para países com oferta de mão de obra barata e incentivos de menos impostos.

É o caso da Índia onde um tecelão ganha em torno de 20 a 30 dólares/mês por 12 horas diárias de trabalho e praticamente sem direitos trabalhistas, segundo o empresário contou a Joe. Em comparação, o operário chinês já estaria recebendo cerca de 250 dólares/mês.

Porém, a Índia também começa a sofrer a concorrência de países, como Bangladesh, onde o custo da mão de obra é ainda mais baixo. Daí se explica o interesse do indiano em adquirir o maquinário, de maneira a reduzir custos e a aumentar sua competitividade. Ele ainda está avaliando a possibilidade de fechar o negócio.

Nova fase

Em meados da década dos noventa do século passado, a empresa – que chegou a empregar cerca de 1200 operários - entrou numa nova fase, ao importar moderno maquinário da Alemanha e da Suíça. Com isso, houve grande redução de mão de obra e, consequentemente, de custos. “Com este maquinário novo, nós reduzimos a empresa para 120 empregados, que tocavam a fábrica inteira”, diz Joe. Chegou a produzir anualmente nove milhões de metros quadrados de tecidos.

Com esta modernização, a empresa conseguiu chegar até 2010. A João Lombardi foi uma das vítimas da invasão do Brasil pelos produtos chineses mais baratos, “que vieram prejudicar demasiadamente as indústrias nacionais, levando ao fechamento da maioria delas”, lembra Joe. “Infelizmente, nós não tivemos mais condições de tocar essa empresa; não tivemos como dar continuidade, tendo em vista a concorrência da China.”

O fechamento da Fiação e Tecelagem João Lombardi decorre de transformações muito mais amplas na economia mundial (crises do petróleo e financeira, globalização dos mercados, inovação tecnológica etc.), culminando na terceira revolução industrial que provocou mudanças profundas em setores tradicionais como a indústria têxtil. A esta altura, já entramos na quarta revolução industrial, também chamada de “4.0” (engloba tecnologias para automação e troca de dados, “fábricas inteligentes” e conceitos de sistemas ciber-físicos, internet das coisas, computação em nuvem etc.).

O começo

O imigrante italiano Giovani Biagio Caetano Lombardi, avô de Joe, chegou ao Brasil com 14 anos de idade, no início do século 20 às vésperas da I Guerra Mundial. Adotando o nome de João Lombardi, trabalhou algum tempo no porto do Rio de Janeiro, onde descarregava navios, até que, três anos depois, foi parar em Ibituruna, no interior de Minas Gerais. Ali abriu um armazém de secos e molhados que abastecia os moradores e viajantes da região, que era cortada pela antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM).

Em Ibituruna, João Lombardi casou-se com Elmira, descendende da família Resende. Um ano depois, em 1920, nasceu o seu primeiro filho José Lombardi, o Juca, que é o pai de Joe.

Na época, surgia em São João del-Rei a colônia italiana, já que muitos imigrantes foram incentivados a mudar para a região para trabalhar na lavoura. Assim, por volta de 1921, João Lombardi vendeu seu negócio de secos e molhados e decidiu transferir-se para São João del-Rei.

O avô de Joe investiu na diversificação de atividades. Dessa forma, montou uma construtora que não apenas construiu casas como também empreendimentos públicos (por exemplo, a primeira estação de tratamento de água da cidade e parte da rede de esgoto). Também abriu a Serraria Oeste na Rua Quintino Bocaiúva, ligada por um ramal da ferrovia para deixar toras de madeira e retirar mercadoria.

Ramo têxtil

Em 1937, pouco antes da II Guerra Mundial, João Lombardi entrou no ramo têxtil ao formar uma sociedade anônima com comerciantes da cidade para comprar a Fiação e Tecelagem Matosinhos, que produzia tecidos de algodão cru sem acabamento. O grupo reunia 160 acionistas dos quais ele era majoritário. Com a expansão da fábrica, as ações valorizaram e João Lombardi adquiriu o controle da empresa ao comprar as ações dos seus sócios. Nesta época, Juca, aos 18 anos de idade, começou a trabalhar com o pai na fábrica.

Em 1949, depois da Guerra, João Lombardi comprou a unidade fabril da Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, grupo tradicional de empresários mineiros com fábricas têxteis em São João del-Rei, Barbacena e Juiz de Fora. Com a fábrica são-joanense, agregou ao seu negócio a produção de brins e flanelas. “Era uma espécie de brim escuro usado na época para fazer terno e roupa de trabalho”, conta Joe.

João Lombardi decidiu, então, unir as duas fábricas, levando todo o maquinário para a unidade localizada na Avenida Leite de Castro onde havia mais espaço e galpões maiores. “Ele concentrou tudo aqui por uma questão de logística e de administração mais fácil.”

Como tudo girava em torno da estrada de ferro que atravessava a Avenida Leite de Castro, um ramal ferroviário estendia-se até o interior da fábrica para descarregar a matéria prima (algodão) e carregar os tecidos.

Na década dos sessenta, José Lombardi começa a transferir o comando das fábrica para seu filho Juca. E em 1968 comprou a Fiação e Tecelagem São João, localizada no Matosinhos, do empresário João Hallack. “São João del-Rei tinha tradição de produzir flanela, três fábricas produziam flanela. Com isso, foram reduzidas para duas”, explica Joe.

No Matosinhos, foi mantida a fábrica de colchas e cobertores, com a produção de flanela e brim concentrada na Avenida Leite de Castro. As cobertas eram feitas de algodão puro e resíduos de algodão, “que eram cobertores populares, mais baratos, que eram vendidos muito para o Exército”.

Crise do petróleo

A década dos setenta foi particularmente difícil para os Lombardi. A crise do petróleo, no cenário das guerras dos Seis Dias, do Yom Kipur e mais tarde do Irã (revolução islâmica) e Irã-Iraque, de nacionalizações e de surgimento da OPEP, trouxe escassez do produto em escala mundial e com isso a disparada dos preços (mais de 400% em apenas cinco meses), o que provocou uma recessão prolongada e afetou duramente a economia mundial.

Naturalmente que os efeitos chegaram a São João del-Rei, mais especificamente aos negócios da família Lombardi. Joe, que se encontrava nos Estados Unidos, foi chamado de volta pelo pai Juca para ajudá-lo a gerir a empresa durante a crise. Por sua vez, João Lombardi não presenciou os acontecimentos pois veio a falecer no Rio de Janeiro (1973), onde morava desde que passara o comando da empresa ao filho Juca.

Com a crise, os bancos pararam de fazer empréstimos e a empresa ficou sem capital de giro, conta Joe. Apesar da recessão, a empresa continuava a vender, mas com prazos longos de pagamento (120, 150, 180 dias sem juros). “Nós tínhamos muita mercadoria vendida, mas os bancos não descontavam duplicata. O nosso capital de giro acabou. O capital que nós tínhamos era duplicata para descontar, e os bancos não queriam descontar. Aí nós entramos numa crise.”

Em 1975, a empresa precisou de um empréstimo do Banco do Brasil que exigiu como garantia o patrimônio de Juca que correspondia seis vezes mais o valor do empréstimo. “O meu pai hipotecou até a casa dele para esse empréstimo de cinco anos.”

O financiamento bancário foi liquidado antes do prazo, conta Joe. “O negócio melhorou. Nós tínhamos 1200 empregados; 600 eram empregados estabilizados. Tivemos que indenizar esses empregados todos. Foi uma luta muito difícil. Em dois anos, nós acertamos todo o financeiro da empresa. E, antecipadamente, liquidamos o empréstimo em dois anos, ao invés de cinco.”

China

A empresa sofreu o impacto da entrada no Brasil do produto sintético, o que tornou o maquinário obsoleto. E, com a expansão do comércio internacional, sentiu a concorrência de outras regiões, principalmente a asiática. “A primeira coisa que nós sentimos foi a entrada no país de cobertas provenientes da China, de menor custo devido à mão de obra mais barata.”

Foi então que a Fiação e Tecelagem João Lombardi decidiu dar o salto tecnológico e ingressar na nova fase da indústria de tecidos, que duraria até 2010 quando a empresa encerrou as atividades. “Infelizmente, acabou mesmo por falta de mercado, de condições mercadológicas”, conclui Joe.

Época de ouro

Na virada do século 19 para o século 20, São João del-Rei possuía um “conforto invejável”, de acordo com o professor Aluízio Barros, aposentado do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Foi uma “época de grandes transformações mundiais que envolveram o Brasil, como nação periférica do capitalismo. As expansões e crises do capitalismo trouxeram progresso e instabilidade econômica e política nas nações centrais e nas periféricas”.

Além da ferrovia como ícone do progresso (a EFOM foi inaugurada em 1881), em São João del-Rei havia uma Casa Bancária, fundada em 1860, e a Companhia Têxtil São Joanense (1891), que recebeu, em 1909, o primeiro motor elétrico para a alimentação das máquinas, complementa Aluizio. Próxima de completar 127 anos, a São Joanense é a mais antiga – e a única em atividade - fábrica de tecidos de São João del-Rei.

Mesmo perdendo importância relativa, com a ascensão de outros centros mineiros (Belo Horizonte, Juiz de Fora etc.), o processo de industrialização de São João del-Rei prolongou-se até meados da década de 1960, segundo Antônio Gaia Sobrinho, citado por Denis Pereira Tavares*.

Este processo era “baseado em ´setores tradicionais´, como as atividades de fiação, produção de têxteis, bebidas, calçados de couro, laticínios, sabão etc.” No caso do polo de produção de têxteis, sua base foi estruturada basicamente até a primeira metade do século 20, com a implantação da São Joanense (1891), Fábrica Brasil Fiação e Tecelagem (1911), Fábrica de Tecidos Matosinhos S/A (1936), Tecelagem Dom Bosco Ltda. (1937) e Fiação e Tecelagem São João (1947).

“As indústrias são apontadas como motivo de orgulho, como manifestação de prosperidade de São João del-Rei, servindo também como sinal de distinção e de projeção da cidade entre as mais desenvolvidas do Estado”, resume Denis.

*O tombamento do conjunto arquitetônico e urbanístico de São João del-Rei: negociação e conflito entre projeto de apropriação e uso do patrimônio cultural (1938-1967). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, 2012.

 





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