O que sobrou da Capoeira Nossa Senhora da Penha?


Cidades

André Eustáquio1

Esgoto que sai de uma manilha escorre em direção à mata (Foto André Eustáquio)

Numa clara manhã de inverno, o contraste entre o céu azul e as árvores nativas de uma mata localizada no coração da cidade de Resende Costa camufla sérios problemas que há anos vêm colocando em risco a Capoeira Nossa Senhora da Penha. Vista de longe, a mata que divide os bairros Nova Resende, Santo Antônio e Centro parece intacta, mas, ao aproximar-se, vê-se persistirem no local problemas gritantes, como esgoto a céu aberto, formação de voçorocas, acúmulo de lixo dentro da mata e em lotes vizinhos, além de desmatamento.

Em diversas reportagens ao longo desses 16 anos, o Jornal das Lajes vem denunciando problemas que colocam em sério risco a existência da Capoeira Nossa Senhora da Penha. Numa das matérias, mostramos uma enorme voçoroca formada pela água pluvial e pelo esgoto que correm por ali. Na ocasião, conseguimos adentrar a mata e ter acesso à voçoroca, o que é impossível de se realizar hoje. Era espantosa a cena de uma “cachoeira” cinzenta e fétida formada pela água de esgoto que escorre nas paredes vivas do enorme barranco em formação, que já engoliu diversas espécies de árvores nativas.

Denunciamos a situação, fotografamos o lixo espalhado pela mata, flagramos manilhas jorrando água podre no coração da Capoeira, sufocando nascentes que irrigam as plantas e que, no passado, serviu à população de Resende Costa.

Desde a publicação da referida reportagem, nada foi feito para minimizar os problemas existentes na Capoeira. Nesta edição, o JL voltou ao local a convite da moradora do bairro Nova Resende e vizinha à Capoeira, Elisângela Maia Vieira Ferreira. A horta da residência da Elisângela localiza-se a poucos metros da mata. “Há mais tempo, a avó do meu marido plantava café aqui. Hoje a gente não consegue descer mais, devido ao terreno que está cedendo e formando um barranco”, mostra Elisângela.

Ela aponta para os bambus que cresceram na horta de sua casa e que, de certa forma, está retardando o desmoronamento total do terreno. Logo abaixo, de três manilhas por onde deveria correr somente água pluvial, jorra, ininterruptamente, esgoto vindo de residências construídas em ruas próximas à Capoeira. O barranco que está sendo formado no local coloca em risco alguns imóveis que já apresentam trincas nas paredes. “Antes a gente se reunia aqui na horta, agora não tem mais jeito, ficou perigoso”, lamenta Jeferson Nicodemos Silva, vizinho da Elisângela Maia.

 

Água pluvial e esgoto

A água pluvial canalizada nas ruas Doutor Gervásio e Marechal Deodoro é uma das principais causas de formação de voçorocas dentro da Capoeira Nossa Senhora da Penha e de acúmulo de lixo na mata. Em dias de chuva, os bueiros recebem uma enorme quantidade de água que desce do centro da cidade, arrastando sacolas plásticas, garrafas, pneus e outros utensílios. As manilhas de água pluvial foram direcionadas para o interior da mata, fazendo com quea água chegue com força, arrancando árvores e formando barrancos. “O pessoal que mora aqui perto diz que em dias de chuva é possível escutar o barulho da água dentro da mata e de grandes árvores caindo”, conta Elisângela Maia.

As manilhas que deságuam no interior da Capoeira teoricamente serviriam para canalizar somente água pluvial, ou seja, água de chuva. Mas, de acordo com algumas fontes que preferiram não se identificar, no decorrer do tempo alguns moradores ligaram, clandestinamente, canos de esgoto nas redes pluviais, fazendo jorrar água podre dentro da mata. No fundo da horta das residências da Elisângela e do Jeferson, o cheiro de esgoto é insuportável. “Tem dia que a gente não aguenta, sobretudo quando esquenta o tempo e não chove. De dentro de casa é possível sentir o mau cheiro”, reclama Elisângela. “Antes a gente via diversas espécies de animais por aqui, como macacos, micos, tucanos, passarinhos, jacu e outros. Agora, infelizmente, vêm aparecendo outros bichos: escorpiões, baratas, ratos, pernilongos e gambás”, diz Jeferson Nicodemos. “O que antes era a nossa horta, um lugar bonito, agora está se transformando em um barranco onde corre esgoto”, completa o morador.

Os moradores do entorno da Capoeira estão preocupados com o futuro da mata que, inclusive, abriga o Horto Florestal, administrado pelo IEF (Instituto Estadual de Florestas). “A gente fica triste com esse abandono, vendo lixo jogado próximo, esgoto correndo, árvores caindo... A gente corre atrás, mas fico muito preocupada com o que vai ser daqui a alguns anos se nada for feito”, diz Elisângela Maia.

O questionamento apresentado no título dessa reportagem (“O que sobrou da Capoeira Nossa Senhora da Penha?”) traduz a situação lamentável em que se encontra a mata localizada no centro da cidade de Resende Costa. Paulatinamente, a urbanização desenfreada, a má utilização do espaço público, a omissão do poder público e a depredação por moradores do entorno, que não têm a mesma preocupação da Elisângela e do Jeferson, estão reduzindo a Capoeira Nossa Senhora da Penha a apenas um resquício de mata.

O que restou da mata batizada com o nome da padroeira de Resende Costa está condenado: a fauna, espécies de árvores nativas e nascentes. Se nada for feito, a Capoeira Nossa Senhora da Penha ficará apenas na lembrança de resende-costenses que tiveram oportunidade de, no passado, percorrer as trilhas limpas, tomar água fresca e cristalina nas fontes e observar os passarinhos, que estão sendo espantados da mata pela ação predatória e voraz de uma urbanização mal planejada e criminosa.

Comentários

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    Uma pena a situação de nossa Capoeira Nossa Senhora da Penha. A ONG Ambiental IRIS tenta, desde 2016, desenvolver um projeto que transforma o horto em uma Unidade de Conservação, cadastrada no Setor de Áreas Protegidas do IEF. O projeto, no primeiro momento, foi apoiado pelo poder Executivo que, através de um convênio com nossa ONG, proporcionou a elaboração dos estudos técnicos necessários para a institucionalização do Parque. Infelizmente o apoio do poder executivo acabou naquele momento. Logo após a finalização do convênio, o IRIS enviou todos os estudos ao IEF e logo o Instituto Estadual de Florestas retornou pedindo correção de alguns aspectos dos estudos apresentados. Entre as correções, duas coisas eram de responsabilidade exclusiva do governo municipal: 1) conseguir o registro da área do parque e 2) revogar duas leis antigas que criavam unidades de conservação incompatível com a Capoeira Nossa Senhora da Penha para que, a partir disso, fosse enviado ao legislativo outra lei criando a Nova Unidade de Conservação: o Parque Municipal. De 2016 até o presente momento foram DIVERSAS tentativas de negociação com a prefeitura para que eles pudessem cumprir o seu dever e obrigação de proteger estas áreas verdes no município, mas nada foi feito! Sabemos que a primeira medida para tornar a Capoeira uma área recreativa com enorme relevância social e ambiental para o município é reconhecer e legalizar seus limites. Infelizmente hoje o parque vem sofrendo invasões de suas fronteiras. Após isso, outra ação seria resolver o esgoto e as águas pluviais que estão sendo direcionadas ao parque, como evidencia a reportagem. Parabéns pela excelente reportagem! Precisamos cobrar do poder executivo ações voltadas ao Meio Ambiente local. Mais investimento e preocupação com essa área... Para conhecer a ONG IRIS: www.portaliris.org.br Projeto de Institucionalização da Capoeira Nossa Senhora da Penha na integra: http://www.portaliris.org.br/ong/download/projetoparquemunicipal.pdf


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