Olhos tristes no horizonte.


Jl e Você

Ariel Campos Pinto 1

fotoCidadãos aglomerados e sem máscara na Rua Gonçalves Pinto. Imagem retirada das Redes Sociais.

Clichê o título, não?! Mas pela primeira vez na vida me encontrei objetivamente com a sensação de olhar no horizonte e não encontrar possibilidade outra que não seja ter os “olhos tristes”. Digo isso pois não encontro forças para olhar ao longe, olhar o horizonte, e ter a felicidade que é ver e viver a vida impedida por uma massa real de fumaça. Faço duas perguntas aos leitores: Vocês notaram a densa massa de fumaça que estava a cobrir nosso céu resende-costense nessas últimas semanas? Vocês notam a densa fumaça que cobre nossos olhos para questões da vida?
A segunda pergunta não é tão fácil de ser respondida. Digo isso pois já se tornou comum ter perdido das vistas aquela dimensão do horizonte que diz respeito ao devir da vida, aquilo que alguns chamam de destino. E hoje, dia 26 de setembro, plena pandemia, me parece mais difícil do que nunca notar o horizonte.

No dia 25 de setembro de 2020, o Brasil ultrapassava a marca de 140.000 (cento e quarenta mil) mortes em todo seu território. Isso diz respeito a mais ou menos 14 cidades de Resende Costa incluindo a nossa zona rural. No mesmo dia 25, Resende Costa enfrentava uma questão que diz respeito diretamente à situação pandêmica que vivemos. Não sei se é revolta, não sei se é perversão, não sei se é ignorância, mas sei que dezenas, talvez uma centena de cidadãos resende-costenses comemoravam algo em plena Rua Gonçalves Pinto (avenida). O que eles estavam comemorando? Eu não faço ideia. Mas seguem o mesmo movimento do fim de semana anterior, entre os dias 18 e 20 de setembro, em que houve outra comemoração tão grande quanto a segunda, e que contou ainda (de acordo com relatos) com VAIAS da população a uma profissional integrante do Comitê de Enfrentamento ao Vírus, que tentava, de alguma forma, convencer aquela massa de pessoas a voltar para suas casas.

Talvez o que a população estivesse comemorando fosse justamente a liberação e a “volta ao normal” da rotina da cidade pela Prefeitura Municipal de Resende Costa. Que, de praxe, simplesmente ignora todos os esforços dos profissionais de Saúde que correm risco constante de contaminação em nosso hospital (não tão bem equipado) e nossos postos de saúde, além do descaso com os profissionais da Vigilância Sanitária, que 24h por dia estavam atentos às questões de controle da pandemia. Outro ponto importante é que essa “comemoração”, permitida pela gestão municipal, influencia diretamente na abertura das atividades comerciais na cidade. Se os donos de estabelecimento passaram por restritivas medidas de controle e tiveram prejuízo e dificuldade de pagar seus funcionários e suas contas, foi justamente para evitar que o vírus circulasse sem impedimentos. No entanto, com aglomerações semanais, acho muito pouco provável que o que aconteça seja o controle das contaminações. Resende Costa ainda se encontra no programa “Minas Consciente”, e com a elevação dos casos os comércios têm de ser fechados novamente.

Esses pontos esclarecem um pouco a segunda pergunta feita no início. O que há é um esfumaçamento das vias do sentido. Pessoas insistem em não olhar sua vida como um ponto radical de uma comunidade, e que como vida em comunidade, deveriam reconhecer os limites do próprio direito. Acredito que esse esfumaçamento não diga respeito exclusivamente à vida de cada uma daquelas pessoas que se submetem a atitudes como as que se veem nessas aglomerações. É antes de tudo um movimento manipulado e exigido socialmente. Uma prefeitura que se nega a prestar os serviços mínimos de contenção ao vírus, mais do que influencia jovens e adultos a se aglomerarem, ela exige que o respeito que deveria ser mantido entre toda a população seja desfeito e negado.

E quanto à fumaça que cobria nossos céus? Vejo como a materialização dessa negação coletiva. O básico que o ser humano necessita para se construir enquanto sociedade é de um local para seu assentamento e subsistência. Foi assim na passagem da humanidade enquanto hordas primitivas migratórias para civilizações tribais pecuaristas e agricultoras, há milênios. Nosso horizonte de criação está diretamente ligado à natureza. Sendo assim, os 9,2 mil quilômetros quadrados desmatados na Amazônia, que correspondem a um aumento de 34% no desmatamento em relação ao ano anterior, de acordo com o Jornal da USP, e os 2.842.000 (dois milhões oitocentos e quarenta e dois mil) de hectares queimados no Pantanal Mato Grossense, que correspondem a muito mais do território do estado de Sergipe, de acordo com a CNN Brasil, dizem respeito diretamente à estada do ser humano na terra enquanto civilização.

Qual a relação do horizonte negado pela fumaça dessas queimadas com o horizonte negado da pandemia? A questão primeira se encontra na materialidade que pode ser apreendida da coisa. Em um, as queimadas e o desmatamento expressivo atuam diretamente no mundo, destruindo fisicamente biomas com todas suas plantas e seus animais, enquanto o outro atua também diretamente na vida das pessoas, mas a nível social; por isso, não pode ser tão percebida assim pelos olhos. A pandemia, o vírus, atuam nos corpos dos seres humanos e nos matam, nos deixam incapacitados e nos causam prejuízo, e o maior dos prejuízos sempre será a morte. Mas em momentos de necessidade estrutural de união, a morte passa a ser social e coletiva a partir da atuação da classe política que não se preocupa com a população e da população não se preocupa com ela mesma. A destruição do ser humano, a negação de nossos horizontes, passam à nossa frente e não nos damos conta, sejam elas uma fumaça que enevoa o céu e destrói nossa natureza ou uma que enevoa os sentidos e destrói nossa humanidade.

Comentários

  • Author

    A sensatez, a coerência, a clareza e o caráter informativo deste texto, fazem de seu autor, Ariel Campos Pinto, um Cidadão Consciente, comprometido com o futuro de Resende Costa, e suas palavras conseguem, por um breve momento, limpar a névoa das insanas queimadas, da negligência dos gestores públicos e do descaso frente à pandemia que enfrentamos. Infelizmente, a proximidade das eleições levaram a imensa maioria dos municípios a afrouxarem ou fazerem vistas grossas diante de um vírus que, só poderá ser motivo de comemoração , quando houver vacina à disposição para todos, e quanto a isto não há nenhuma certeza. Parabéns, Ariel, por mais um grande texto neste espaço livre e democrático do Jornal das Lajes. A leitura ou o ato de ler é e sempre será transformadora, libertadora e informativa.


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