Pandemia, incerteza e a esperança pela vacina


Economia

José Venâncio de Resende0

Barros: “feliz ano (de 2021) com quase todo mundo vacinado”.

Em meio ao negacionismo, uma voz sensata. O presidente do Banco Central, Roberto de Oliveira Campos Neto, foi o primeiro membro do governo federal a reconhecer a importância da vacina para a saúde da economia: “a vacina custa menos do que uma ajuda emergencial”. Motivo de regozijo para o economista e ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, que no entanto defende outra postura do governo para reduzir o número de mortes e a incerteza: “Não basta que existam vacinas com eficácia comprovada. Para salvar vidas e restabelecer a normalidade da economia, é preciso vacinar 100% da população no prazo mais curto possível, como já está ocorrendo na Europa e nos EUA” (O Estado de S. Paulo, 20/12/2020).

Pastore reclama da ausência de um plano eficiente de vacinação, que evite nova desaceleração da economia, maior pressão por mais gastos e mais desemprego. O que existe e um elevado grau de incerteza, jamais visto no Brasil. O “índice de incerteza da economia” da FGV (com base 100) atingiu 210 pontos no início da pandemia. Embora tenha recuado, mantém-se em 150 pontos, que ainda elevado. “Com tal nível de incerteza, é literalmente impossível admitir que a retomada dos investimentos em capital fixo será uma força motriz da recuperação da economia em 2021”, estima Pastore.

A variável chave para um maior crescimento futuro é o investimento privado, que requer um quadro menos turbulento e incerto como o que o país tem presenciado, reforça o economista Aluizio Barros, professor aposentado da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). “O governo Bolsonaro faz agora uma aliança política para governar sem sobressaltos. Mas o preço a pagar tem sido o adiamento ou abandono da agenda das reformas (administrativa, tributária, e privatizações). A PEC Emergencial do ministro Paulo Guedes deixou de ser ´emergencial´ ou ´urgente´.”

Aliás, Barros lembra a importância de esclarecer a diferença entre recuperação cíclica (de prazo mais curto) e recuperação sustentável. “A primeira é o crescimento do PIB realizado com maior ocupação da capacidade ociosa na economia (máquinas e mão-de-obra). A recuperação sustentável é o crescimento do PIB realizado com investimentos que ampliem a capacidade produtiva do país.”

Para 2021, o Banco Central (relatório de setembro de 2020) projeta, “ainda com incerteza acima da usual”, crescimento de 3,8%, observa Barros. “Ressalte-se que essa perspectiva está condicionada à continuidade do processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira, condição essencial para permitir a recuperação sustentável da economia”. Acrescente-se que este crescimento ocorrerá sobre uma base negativa do PIB em 2020, de -4,4% de acordo com a última projeção do BC. Ele alerta para a dificuldade de instituições como BC e FMI em fazer projeções econômicas em meio à pandemia.

Efeito Biden

Barros teme que o governo tenha abandonado a agenda de reformas que o elegeu. Se isto se confirmar, “o Brasil perde uma oportunidade rara de juros muito baixos para por em ordem o desequilíbrio estrutural das contas públicas, porque, quando os juros voltarem a subir (e voltarão), o impacto será devastador para a credibilidade do setor público, o risco Brasil e as taxas de juros praticadas”.

Um mau agouro é a aprovação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), em dezembro, com o acolhimento das 257 emendas parlamentares, sem definir prioridades. “Quando tudo é prioridade, nada é prioridade”, é o adágio que Marcos Mendes (economista e professor do Insper) nos traz à lembrança, observa Barros.

É aqui que entram os Estados Unidos e o novo presidente Joe Biden. Embora considere “algo distante no cenário” o aumento de juros nos Estados Unidos, Barros assinala que “é o pior que nos pode acontecer no novo governo de Joe Biden”. Em algum momento futuro, os juros subirão nos Estado Unidos, acredita o professor. Os efeitos “conhecemos bem: aumento do fluxo de saídas de dólares do Brasil, valor do dólar pressionado, maior expectativa inflacionária, elevação da taxa básica de juros (Selic), deterioração do déficit público”.

Resta-nos esperar de EUA e China, nossos grandes parceiros comerciais, “crescimento econômico, que gera demanda por nossos produtos, independentemente das relações diplomáticas que praticamos. A eleição de Joe Biden melhora o ambiente de cooperação entre as nações para a construção de uma agenda comum. O isolacionismo de Trump (´America first´) prejudicava essa agenda de cooperação, que é importante para enfrentar os desafios do mundo pós-pandemia, que não está longe com as vacinas eficazes que a ciência vem produzindo”.

Ante a incerteza acima do usual em 2020, Barros deseja um 2021 com uma certeza: “feliz ano com quase todo mundo vacinado”. 

 

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