Pandemia mudou a rotina da criação de animais para pesquisa na UFSJ


Educação

José Venâncio de Resende0

Daniela Regina no NUCAL da UFSJ (foto arquivo pessoal)

Todos os dias, às 6h35min, Daniela saía de casa para tomar o ônibus rumo a São João del-Rei. Para chegar ao CTAN-UFSJ (Campus Tancredo Neves, da Universidade Federal de São João del-Rei), onde funciona o Núcleo de Criação de Animais de Laboratórios (NUCAL), ela pegava lotação ou ia a pé. Até que, em março de 2020, a pandemia mudou tudo. A partir de 19 de março, paralisaram-se todas as atividades da Universidade e começou o trabalho remoto. “Hoje, como vou apenas uma vez na semana (segunda-feira), saio às 6h15min de casa no meu carro.”

Daniela Regina Resende é descendente de Gervásio Pereira de Resende, conhecido por Vavazo, que já deu nome à atual Avenida Alfredo Penido – a “Avenida dos Artesanatos”. Seus pais são Camilo de Lelis Resende e Laura Maria das Dores Resende e seus avós, Antônio Fausto de Resende, conhecido por Antônio do Vavazo, e Ana Augusta de Resende, a Nitinha.

Licenciada em Química (2003), pela UFSJ, e em Ciências Biológicas (2010), também pela UFSJ, trabalhou como professora em Resende Costa entre 2004 e 2010. Ensinou na escola Sementinha (até 2007) e, como contratada, na Escola Municipal Paula Assis (licença de outros professores), além de algumas aulas na Escola Estadual Assis Resende. Também deu aulas no telecurso, fruto de parceria entre a prefeitura e o Senai/São João del-Rei.

Em janeiro de 2011, Daniela trocou a docência pela oportunidade de trabalhar como técnica concursada de laboratório na UFSJ. “No NUCAL, a gente cria animais para experimentação. Agora estou mais feliz, eu gosto de trabalhar com os animais, eu fico até mais calma.” Ela é a única servidora: os outros três funcionários são terceirizados: Jean, que cuida dos camundongos; Luciano e Moisés, que cuidam da limpeza, colocam maravalha (cama dos animais) nas caixas e enchem bebedouros.

São três linhagens de ratos: o “Wistar” (branco de olhos vermelhos) e camundongos (o branco suíço e o preto C57BL6). Cada pesquisador envia seu formulário reservando os animais. “A gente tem que criar esses animais para a entrega”, conta Daniela. A liberação dos animais depende de aprovação do projeto pela comissão de ética da universidade. “Cada protocolo de pesquisa tem uma vigência e número de animais por espécie, sexo e idade. Nós seguimos as determinações do CONCEA (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal).”

O NUCAL é coordenado pelo professor Paulo Henrique de Almeida Campos Júnior, pesquisador em áreas, como, células tronco, reprodução assistida e transplante gonadal, entre outras.A unidade atende demandas da área biomédica (Medicina, Bioquímica, Farmácia e Enfermagem) do Campus Centro-Oeste, em Divinópolis, e de áreas como Medicina, Neurociências e Bioengenharia dos Campi de São João del-Rei.

 

Pandemia

No dia em que o coordenador disse que iria fechar tudo, “nós nos assustamos”, recorda Daniela. “O nosso medo, no início da pandemia, era: ´quem vai cuidar dos animais se todo mundo aqui pegar Covid e ter que ficar de quarentena?´ ficamos muito apreensivos. O nosso coordenador pediu para tomarmos muito cuidado. Se algum de nós estivesse com gripe, era para não aparecer lá.”

No início, foi elaborada uma escala presencial semanal. Daniela passou a comparecer  toda segunda-feira, “porque não tem como abandonar os bichinhos”. Neste dia, ela cuida dos ratos, verifica o estoque de material e as necessidades de cada sala. A carga horária é completada em casa – acompanhamento do cotidiano dos animais por meio de ferramentas, como e-mails e reuniões online. Os três funcionários terceirizados, que iam duas vezes por semana, para não serem demitidos voltaram a marcar presença todos os dias.

“Foi uma loucura, os professores começaram a cancelar pedidos de animais porque não tinham como entrar na Universidade para fazer os experimentos, não havia transporte para levar os animais para Divinópolis…”, conta Daniela. Os laboratórios estavam liberados apenas para quem fazia mestrado ou doutorado, poi havia prazo a se  cumprir e também experimentos em andamento que não podiam ser interrompidos. “A  gente entregou alguns animais no meio da pandemia para aqueles pesquisadores que não puderam parar.”

Com a desistência dos pesquisadores, a solução foi reduzir o número de animais para se adaptar à nova situação. “Começamos a diminuir o número de casais das três linhagens, uma vez que não era necessário reproduzir tanto. A gente tinha ninhada de ratos, por exemplo, de 17 animais.” Desde então, ao nascerem, passaram a ser separados dois machos e duas fêmeas para se repor algum casal, e o restante era sacrificado.

Em janeiro de 2020, havia 1011 animais no NUCAL; número que caiu para 803 em março. Um ano depois (março de 2021), eram 787 animais. “Em novembro de 2019, entregamos aos pesquisadores 443 animais e, em abril de 2020, entregamos 66”, conta Daniela.

Em 2021, começaram a chegar novos pedidos de animais, mas numa escala bem menor”, acrescenta Daniela. Em março deste ano, a quantidade entregue aos pesquisadores atingiu 109 animais. “Mas, até hoje, a gente não aumentou o número de casais; o que temos dá para atender à solicitação de reservas.”

O NUCAL mantém cerca de 800 animais para atender às entregas, que diminuíram bastante, diz Daniela. “As coisas estão voltando ao normal porque os laboratórios foram liberados e os pesquisadores começaram a fazer novos pedidos de animais. Eu acredito que vai aumentar mais a partir do ano que vem.”

 

Incerteza

“Fomos guerreiros! Fizemos tudo para manter as colônias e nenhuma precisou ser eliminada!”, comemora Daniela. Ela ressalta o esforço persistente realizado até agora, porém expressa preocupação quanto ao futuro. “Nós até que tentamos comprar novos animais porque essas colônias precisam ser renovadas, mas a USP (Universidade de São Paulo) – de quem compramos muito – não tem animais para vender. E não pode ser qualquer animal.”

A dúvida é até quando as atuais colônias vão manter um bom padrão genético, acrescenta Daniela. “Eu tenho medo de chegar uma hora em que a nossa colônia não esteja boa geneticamente... e a gente precisar comprar e não ter!”

Mas o problema mais imediato é mesmo a pandemia, preocupa-se Daniela. “A gente segue com medo, pois pode ainda acontecer de todos terem Covid mais ou menos ao mesmo tempo. Porém, vamos com fé e tomando todos os cuidados. Pelo menos, todos nós estamos vacinados (1ª dose) e vamos ver o que essa variante Delta vai fazer.”

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