Na década de 1990, a visitação ao painel de pinturas rupestres existente da Serra de Santo Antônio, em Andrelândia (MG), era realizada em quantidade cada vez mais crescente. Contudo, a ausência de estruturas adequadas para as visitas, bem como a inexistência de ações de gestão da área, que estava inserida em uma propriedade rural privada voltada para a produção de leite e cereais, sem qualquer tipo de proteção jurídica específica, acabavam por expor os vestígios arqueológicos a ações de vandalismo e depredação, a exemplo de pichações.
A situação era preocupante e, se nada fosse feito, em pouco tempo o sítio arqueológico da Toca do Índio poderia ser totalmente mutilado ou mesmo destruído, entrando para o rol de centenas de outros que tiveram o mesmo destino em nosso país.
Ante tal cenário, os integrantes do Núcleo de Pesquisas Arqueológicas do Alto Rio Grande (NPA) decidiram iniciar uma campanha objetivando adquirir a área do sítio para ali implantar o “Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio”, que seria o primeiro parque arqueológico pertencente a uma associação civil no país.
O projeto começou a ganhar contornos de realidade quando a maioria da população andrelandense, comerciantes, ex-moradores e amigos da cidade, apoiaram entusiasticamente a iniciativa do Núcleo, que, entre doações e vendas de souvenirs conseguiu reunir a importância necessária para adquirir, no ano de 1994, a área necessária para a implantação do Parque Arqueológico.
Com a área de nove hectares adquirida em nome do NPA, foi conseguida a construção de uma estrada de acesso, obra realizada pela Prefeitura Municipal de Andrelândia e que possibilitou a chegada de automóveis à unidade, facilitando o transporte de materiais e ferramentas essenciais à implantação da infraestrutura de visitação, permitindo a construção de uma guarita, com banheiro, alojamento para vigia e depósito de materiais, onde os visitantes são recebidos e orientados.
Na sequência, foi iniciado o projeto de reflorestamento da unidade, com o plantio de mais de cinco mil mudas de essências nativas (ipês, cedros, quaresmeiras, araucárias, jacarandás, entre outros) em áreas então degradadas pelas queimadas e pelo plantio de cereais. As árvores plantadas hoje já são adultas e contribuíram sobremaneira para o aumento da biodiversidade e da disponibilidade hídrica na região. Em seguida, houve o planejamento e a abertura de trilhas, bem como a instalação de sinalização interna para facilitar a visitação dos atrativos sem riscos para as pessoas e sem o pisoteamento de plantas.
No ano de 2001, a requerimento do NPA, a área foi oficialmente reconhecida pelo IBAMA por meio da Portaria 161/2001, como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), uma unidade de conservação de uso sustentável voltada para a pesquisa científica, além da visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais. Também naquele ano ocorreu o tombamento municipal do painel de pinturas rupestres, homologado pelo Decreto n° 014/2001.
O Parque conta com um regulamento de funcionamento que prevê ações objetivando a visitação sustentável dos atributos existentes em seu território, como a exigência de acompanhamento por monitores credenciados, o registro de entrada, a proibição de camping e a limitação do número máximo de visitantes por dia.
Em 2003, o Núcleo de Pesquisas Arqueológicas do Alto Rio Grande recebeu o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. A iniciativa foi considerada a melhor ação de defesa do patrimônio arqueológico brasileiro após concorrer com 126 ações de todo o Brasil.
No ano de 2005, conseguiu-se a instalação de energia elétrica no Parque, possibilitando condições de maior segurança e funcionalidade para a unidade de conservação.
Em 2012, com recursos obtidos junto ao Fundo Estadual de Reparação de Direitos Difusos (FUNDIF), o NPA conseguiu implantar uma passarela para visitação do painel rupestre (evitando o pisoteamento do sedimento arqueológico e o toque nas pinturas), bem como a instalação de corrimãos e sinalização indicativa definitiva em toda a unidade de conservação, contribuindo, sobremaneira, para a melhor gestão do espaço.
No ano de 2014, o Parque Arqueológico recebeu uma canoa de madeira de 9,10 m de comprimento e 70 cm de largura, escavada em um único tronco, encontrada fortuitamente por proprietários rurais no leito do Rio Grande, nas proximidades da divisa com o município de Santana do Garambéu. Em janeiro de 2015, o NPA providenciou o envio de uma pequena amostra da madeira da canoa para o Laboratório Beta Analytics, situado em Miami, e o resultado da datação por radiocarbono indica que a embarcação foi construída por volta de 1610, ou seja, cerca de 80 anos antes da chegada das primeiras bandeiras paulistas à região do Sul de Minas, o que comprovou sua natureza pré-histórica.
Objetivando a adequada conservação do artefato, foi construído um abrigo para a exposição da canoa, obra ainda não totalmente concluída, mas que tem servido para a realização de exposições de artefatos arqueológicos e para ministrar aulas para estudantes e turistas que visitam o Parque Arqueológico.
A implantação do Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio, em Andrelândia – MG, que em 2024 completa trinta anos de criação, demonstra concretamente a possibilidade de a comunidade contribuir para a manutenção de seus bens culturais, evitando a degradação e o perecimento de seus referenciais e permitindo que as gerações vindouras possam conhecê-los e transmiti-los aos que ainda estão por chegar.
Conheça e preserve o Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio!
Para informações, acesse no Instagram: @parquearqueologicossa
*Promotor de Justiça em Minas Gerais, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Academia de Letras do Ministério Público de Minas.