Pontevedra (Espanha), há mais de 20 anos sem carros no centro histórico


Cidades

José Venâncio de Resende0

Bruno no centro de Pontevedra em 2004 (foto: arquivo pessoal).

Há mais de 20 anos, automóvel não entra na cidade galega de Pontevedra, a menos que seja para serviços essenciais à comunidade. Foi uma mudança radical, liderada pelo alcaiade (assim denominam o prefeito em Espanha) Miguel Anxo Lores. Pontevedra (Galícia) tem uma população de 83 mil habitantes, equivalente à de São João del-Rei.

Antes, milhares de veículos entravam e saiam de Pontevedra. “Mais carros passavam pela cidade num dia do que pessoas moravam aqui”, conta Lores. Em 1999, ele foi um visionário, ao promover o início de grandes transformações amplamente discutidas no nosso tempo. Hoje, cerca de 72% das deslocações são feitas a pé ou de bicicleta e as crianças vão sozinhas para a escola.

É aqui que entra o professor de Educação Física resende-costense Bruno Henrique Ribeiro, 42 anos. Ele morou na cidade galega, entre 2003 e 2006, onde jogava futsal pelo Leis Pontevedra FS. “Foi a cidade da Espanha onde morei e mais gostei e me adaptei. Acho que por a Galícia lembrar tanto Minas Gerais, pela sua geografia (muitas montanhas, muito verde ). A única coisa de lá que não temos aqui são as lindas praias da região galega.”

Bruno andava para todos os lados da cidade a pé. “Só pegava carro para me locomover para outra cidade. O centro era fechado, somente carros de entregas (com horários estabelecidos) ou de urgência passavam no centro.” O chamado centro histórico, como São João del-Rei. “A noite, sair pelos pubs e restaurantes da região era uma maravilha. Você encontrava com quase todos da cidade, todos os bares e pubs ficavam no centro histórico.”

Estratégia

A retirada dos veículos de circulação foi o ponto central da estratégia para reconquistar o espaço público e levar para a rua os residentes, especialmente crianças, idosos e a população com mobilidade reduzida, explica Lores. “Decidimos inverter a tendência. Colocamos as pessoas em primeiro lugar e o carro privado em último - atrás do pedestre, do ciclista, do motociclista, do transporte público e das cargas e descargas de mercadorias.”

Logo no primeiro ano, os carros particulares foram expulsos do centro histórico e, no seu lugar, foram surgindo, nos anos seguintes, passeios e áreas de pedestres, trajetos escolares e algum estacionamento subterrâneo. As ruas foram calçadas com granito. Agora, consegue-se ir de um lado ao outro a pé em menos de 25 minutos, bicicletas andam nas ciclovias, pedestres estão por todo o lado, há carrinhos de bebê e crianças a brincar nas ruas.

A interdição alcançou quase todo o centro urbano, conta o prefeito. Cerca de 60% a 70% da área da cidade ficou destinada ao espaço público e cerca de 20%, 30% aos carros. Os semáforos foram substituídos por rotundas e a velocidade reduzida para 30 km/hora (há zonas com limites de 20 km/hora e de 10 km/hora).

Atualmente, apenas 28% das deslocações são feitos com veículos motorizados. As crianças caminham sozinhas para a escola e “tem melhores notas”, de acordo com Lores. Os pais, por outro lado, já não têm os “estresses matinais” com o trânsito: “O mais importante é que as pessoas já não tem medo dos carros”.

Pontevedra ganhou os holofotes internacionais: zero mortes no trânsito; redução de 66% nas emissões de CO2 (níveis de poluição abaixo do recomendado pela OMS); aumento do turismo e da receita comercial; 12 mil novos habitantes e maior número de crianças entre 0 e 14 anos devido à crescente procura por parte das famílias.

Paraty

No Brasil, Paraty (RJ) é um exemplo de cidade onde não entram veículos no centro histórico, considerado pela UNESCO como o conjunto arquitetônico colonial mais harmonioso e Patrimônio Nacional tombado pelo IPHAN. O centro histórico de Paraty remonta aos anos 1820, quando suas ruas já possuiam o calçamento pé de moleque.

Protegidas por correntes que impedem a passagem dos carros, suas ruas preservam ainda o encanto colonial, aliado a um variado comércio e a expressões culturais e artísticas muito intensas. Os carros podem circular apenas nas ruas que fazem limite com o centro.

Vertentes

Bruno Ribeiro acha interessante pensar esta medida para São João del-Rei, cidade mais ou menos do tamanho de Pontevedra. “Aqui em São João del Rei seria muito bom. Além de ser mais fácil de se locomover, ajudaria a preservar as construções históricas do centro.”

Em Resende Costa, a medida “seria melhor ainda, pela distância entre os bairros”, sugere Bruno. Ajudaria na questão da saúde, pois faria as pessoas andarem um pouco, acrescenta. “Hoje, todos pensam em ir de carro ou moto, e tem que parar na porta só pra não andar.”

Questionado sobre uma consulta popular para a mudança da rodoviária e a retirada do trânsito de veículos pesados do centro, Bruno aprova a ideia. “Com certeza vai haver várias discussões e opiniões diferentes.”

 

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