Português como Língua de Herança na Europa: "Quase dois anos" depois do encontro de Munique

Este é o primeiro balanço das atividades de associações de famílias de imigrantes brasileiras, que poderá ser atualizado sempre que surgirem novas informações.


Educação

José Venâncio de Resende0

Genebra, Suíça, sede do III SEPOLH, em outubro próximo (Fonte: Cidades em fotos).

Atualizado em 24/06/2017

Quase dois anos depois do II Simpósio Europeu sobre o Ensino de Português como Língua de Herança (SEPOLH) - que reuniu cerca de 80 representantes de 17 países em outubro de 2015 em Munique (Alemanha) - pode-se dizer que o balanço é positivo.

De modo geral, verifica-se o aumento das atividades pedagógicas e culturais, como encontros, workshops e oficinas para pais e professores; leitura, contações de histórias e brincadeiras para crianças; eventos comemorativos de datas importantes no Brasil; apresentações de bandas musicais e cantores brasileiros; palestras de escritores brasileiros e criação de bibliotecas em português. Muitas atividades lúdicas que permitem que crianças e jovens se sintam brasileiros no exterior, como observa bem Denise Castro, da Associação Linguarte (Munique).

O III SEPOLH, que acontecerá no período de 20 a 22 de outubro na cidade de Genebra (Suíça), certamente abrirá espaço para os participantes relatarem os avanços ocorridos nestes dois anos em seus países, a partir do evento de Munique. O evento é organizado pela Associação Brasileira de Educação e Cultura (ABEC) e pela Associação RAÍZES, que oferecem os cursos de português como língua de herança (POLH) nas escolas públicas suíças, um trabalho que já existe há 20 anos.

Desde o II SEPOLH, surgiram novas iniciativas para a promoção do português, segundo Camila Lira, da Linguarte, que foi coordenadora do evento de Munique. Ela cita como exemplo, na Alemanha, a criação de malas de herança (em Erlangen e Frankfurt, por exemplo), assim como outras iniciativas em prol do português como língua de herança (PLH), sendo a mais recente o surgimento em Bensheim (Estado de Hessen na Alemanha) do Grupo Uirapuru. “O que também vi nestes dois anos é que iniciativas mais antigas passaram a oferecer mais encontros e atividades à comunidade.”

Segundo a criadora da Mala de Herança (antiga Mala de Leitura) de Munique, Andréa Menescal Heath, o surgimento de novas malas de herança extrapolou as fronteiras. Além de Stuttgart (Alemanha), ela cita como exemplo malas de herança em Innsbruck e Viena na Áustria e Valência na Espanha. 

Na Áustria, Julliane Rüdisser criou a Mala de Herança de Tirol e tem trabalhado para propagar esta ideia.  "Como omo coordenadora desta Mala, eu tenho viajado e oferecido consultoria à comunidade brasileira em outros estados com a intenção de animá-los a tomar iniciativa. A Mala de Herança de Viena é fruto deste empenho, no estado de Vorarlberg também se formou um grupo "POLH em Vorarlberg" que trabalha desde março sob a minha orientação. O estado de Niederösterreich começa a se mover e a comunidade brasileira na Áustria em geral ficou mais atenta e ativa em transmitir e querer manter o português." 

Também na Irlanda foi criada em 2016 a Mala de Herança de Dublin, pela professora Clarissa Oliveira que trabalha com a Associação das Famílias Brasileiras na Irlanda (AMBI) na capital, mas faz incursões também pelo interior do país. Além disso, foi organizada uma biblioteca exclusivamente para crianças e pais que participam das aulas de português aos sábados, completa Cintia O´Toole da AMBI.

Na Holanda, foi criada em Amsterdã uma mala de leitura pelo projeto “Cirandar”, uma iniciativa de famílias brasileiras que surgiu recentemente para trabalhar com o português como língua de herança. E a Escolinha de Língua e Cultura Brasileira “Brasileirinhos”, da pedagoga Jaqueline Menezes, vai iniciar, em julho, uma “biblioteca móvel”. “Temos em média 30 livros e 50 almanaques da Turma da Mônica.” Ela lamenta que até agora não haja uma associação. “Estamos tentando patrocínio do governo para que nos tornemos um trabalho voluntário, mas por enquanto isto ainda não aconteceu.”

Embora não tenha criado propriamente uma Mala de Herança, desde 2015 a Casa do Brasil de Florença (Itália) promove leitura de livros para crianças, conta Ana Luiza de Souza (Analu). Com o apoio da Embaixada brasileira em Roma, abriu uma minibiblioteca que já conta com 250 livros infantis.

Em Málaga (Espanha), a maior dificuldade é que ainda não existe uma associação de famílias brasileiras, conta Fernanda Silveira. “Este continua sendo o nosso desafio.” Mas existe uma “biblioteca ambulante” que é uma espécie de Mala de Herança. “Já tínhamos uma mala com aproximadamente 100 livros que foram doados por amigos e familiares do Brasil, seguimos recebendo doações durante este último ano tanto de livros usados como novos.” Encontros como o de Florença (Oficinas de Ensino do Português como Língua de Herança, 7 a 9 de outubro de 2016) servem de inspiração para as contações de histórias e de referência para continuar com a Mala de Herança, acrescenta Fernanda.

Em Dubai (Emirados Árabes Unidos), 2016-17 tem sido para a “Hora do Conto” um período de colher frutos da semente plantada do POLH, comemora Magaly Dias de Quadros. “O número de famílias cresceu bastante. E tivemos a felicidade de receber o Jardim de Cataventos para a inauguração da mala de herança!”

No Reino Unido, vale ressaltar o trabalho da escritora de livros infantis Sylvia Roesch que conta histórias tanto nas escolas complementares brasileiras quanto nas escolas regulares inglesas. 

Mais alunos

Entre outros resultados, a comunidade brasileira também passou a perceber o movimento em prol do POLH na Alemanha, constata Camila. Basta ver que aumentou a procura por grupos de famílias, atividades e cursos em relação a 2015.

“Na Linguarte, por exemplo, o número de alunos aumentou cerca de 20%. Também vemos mais discussões nos grupos de brasileiros na Alemanha sobre o ensino de POLH e o interesse por parte dos pais faz com que mais grupos apareçam e mais atividades sejam colocadas em prática, como também a oferta de workshops para professores.” 

No Reino Unido, o número de escolas complementares brasileiras aumentou, entre 2015 e 2016, de 13 para 18 escolas que atendem aproximadamente 500 alunos, conta a professora e pesquisadora Ana Souza, diretora da Associação Brasileira de Iniciativas Educacionais no Reino Unido (ABRIR). Uma destas escolas é o Centro Educacional e Cultural Brasileiro (BREACC) cujo presidente, Graciano Soares, da opção escolhida: “A gente ensina a língua através da cultura. Existe uma relação muito forte entre língua e cultura que permeia o nosso trabalho. Então, a gente traz esses aspectos culturais brasileiros para que nossas crianças aprendam o português também estudando essas manifestações culturais.”

As escolas complementares brasileiras têm investido no empoderamento dos pais, ressalta Ana Souza. “Com este fim, frequentemente oferecem oficinas sobre os mitos do bilinguismo e questões sobre língua e identidade”. Essas oficinas são realizadas por escolas mais recentes como Ipê Amarelinho, Escolinha do Brasil e Centro Cultural (EBeCC), Clube dos Brasileirinhos, Curumin e ABCD Escolinha de Português.

O número de alunos nas aulas de português também aumentou na Irlanda, diz Cintia O´Toole da AMBI. “Quando assumimos em abril de 2016, tínhamos 14 alunos, agora estamos com 25 alunos e o projeto de abrir uma turma de português como segunda língua em setembro. Sabemos que o número de alunos ainda é pequeno para quantidade de famílias brasileiras, mas aos poucos estamos estruturando melhor as aulas e criando mais credibilidade na comunidade.”

A Casa do Brasil de Florença já conta com a participação de 30 famílias, conta Analu. “No II SEPOLH, estávamos presentes somente eu e a Leila do Projeto Pirulito, éramos os únicos projetos. Atualmente somos oito projetos. Em setembro, pretendemos começar as aulas regulares a partir do ano letivo de 2017.”

Na Holanda, também aumentou o número de alunos de português, segundo Jaqueline da Brasileirinhos. Só na escolinha, já são 20 alunos, ela revela. “As crianças tem-se sentido cada vez mais parte de um grupo e, consequentemente, se aceitado mais brasileiras fora do Brasil.”

Um aspecto relevante enfatizado por Ana Souza é formação de professores. No caso do Reino Unido, as escolas complementares continuam investindo nesta formação. A EBeCC e o Clube dos Brasileirinhos, por exemplo, oferecem sessões de supervisão pedagógica aos seus professores sob orientação de Ana Souza. As escolas no Reino Unido também contam com a oportunidade de oferecerem cursos online para desenvolvimento profissional a valores simbólicos. Esses cursos são organizados pela própria Ana Souza uma ou duas vezes ao ano.

Escolas públicas

A inclusão do português nas escolas públicas alemãs é um tema discutido em diversos âmbitos do poder e cada estado federativo tem suas leis, explica Camila, da Linguarte. “Portanto, se em Baden-Württemberg o português faz parte do currículo, ainda não conseguimos este feito com o português brasileiro na Baviera, embora tenhamos tido progresso e conseguido que alguns ginásios aceitem o português como segunda língua estrangeira para seus alunos, o que para nós já é uma grande conquista.”

Na Irlanda, o governo anunciou este ano que vai incluir o português como língua de herança no curriculum do “Leaving Certificate”, o exame nacional do ensino médio que permite o ingresso à universidade, segundo o jornal Irish Times. O português já tinha sido incluído como língua estrangeira, explica Clarissa Oliveira. “Como língua de herança, será uma porta de entrada para políticas de ensino em nível básico incluindo educação primária e secundária. O governo está mirando com esta proposta, a longo prazo, mercados emergentes como Brasil e China. Estamos apenas engatinhando. Ainda haverá muitas discussões antes da inclusão no ensino regular, mas já é um avanço.”

Na Áustria, os “Brasileirinhos no Tirol” passaram a ter direito de receber educação formal na língua de herança, depois de mais de dois anos de luta. “Precisei escrever uma tese, precisei formar uma comunidade, precisei comprar briga, precisei aprender a não desistir quando a resposta foi não, precisei aprender a exercitar a diplomacia, precisei aprender a não deixar de acreditar e a confiar", resume Julliane.  A vitória em relação às aulas de português, além da oferta cultural regular, continua a gerar frutos. "A partir de setembro, teremos o terceiro estado austríaco , Vorarlberg, na lista dos estados que oferecem POLH nas escolas. Isso se dá por um profundo trabalho de conscientização realizado pela Mala de Herança de Tirol em relação ao resgate de raízes e identidade cultural, aos benefícios da educação bilíngue, aos direitos de minorías e em relação a importância do português no contexto mundial."

Na Itália, as portas das escolas públicas estão abertas ao projeto “português como língua de herança”, diz Analu da Casa do Brasil. Em Florença, por exemplo, foi feito um acordo com a escola pública e as atividades devem começar em setembro. “Esperamos a adesão de muitas famílias.”

Em Málaga, ainda não houve avanço na inclusão do português na rede pública de ensino, diz Fernanda. “Mas há regiões na Espanha, como Extremadura e Galícia, que já contemplam o ensino de português.”

Outras atividades

Além do incentivo à leitura, surgem iniciativas de apoio a autores de livros infantis, como ocorre na Irlanda. A partir de 2016, a Mala de Herança de Dublin apoiou, no Cultura fest - festival que celebra o dia internacional da língua portuguesa –, o lançamento dos livros infantis das escritoras emergentes Aline Bridi (“Sofia busca mensagens do anjinho pela cidade”) e Janine Henriques (“A bruxinha roxa e o besouro beeze”). “Esta é uma maneira de propagar o trabalho deles e incentivar a leitura entre as crianças brasileiras e até portuguesas”, conta Clarissa.

Outra iniciativa importante foi a inauguração, em 2016, da primeira biblioteca de língua portuguesa, especializada em literatura infanto-juvenil brasileira, da Associação Brasileira de Iniciativas Educacionais no Reino Unido (ABRIR). A biblioteca, instalada na Casa do Brasil em Londres, abriu com um acervo de 200 obras, com previsão de logo ultrapassar as 600 obras. Há também livros de referência para uso de professores no ensino de português, de acordo com Sylvia Roesch, coordenadora do projeto.

Embaixadas

Segundo Camila Lira, da Linguarte, ultimamente melhorou bastante a relação com o Itamaraty e suas embaixadas. “Especialmente por conta da entrega da carta de Munique (II SEPOLH) e da carta de Florença, o que vejo é que os diplomatas e o governo estão notando que estamos crescendo e necessitando de apoio. Além disso, no último encontro do conselho de cidadãos brasileiros em Brasília, houve uma mesa de discussão do POLH, o que já é o maior dos avanços, a meu ver.”

Nesse sentido, os anos de 2015 e 2016 foram muito importantes para o Ensino de POLH no Reino Unido, de acordo com Ana Souza, da ABRIR. “A então Cônsul, Embaixadora Maria de Lujan Caputo Winkler, se aproximou de todas as escolas através de reuniões com os educadores brasileiros e também através de várias visitas às escolas complementares brasileiras.”

LINKS RELACIONADOS: 

- Uma língua como herança – documentário educativo sobre o ensino do POLH na Inglaterra: https://www.youtube.com/watch?v=OAmHgBFwDf8

- Carta de Munique: https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/cresce-na-europa-movimento-de-maes-imigrantes-pelo-portugues-e-a-cultura-brasileira-/1745/

- Carta de Florença: https://www.jornaldaslajes.c-om.br/integra/lingua-de-heranca-educadores-brasileiros-lancam-carta-de-florenca-e-pedem-apoio-do-governo-no-exterior-/2034

 

 

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