Renato Morethson de Oliveira começou no comércio de bateria de carros e de tratores há cerca de 50 anos, em São Paulo. Depois, adquiriu a linha de ônibus de Resende Costa. Chegou a ter linhas de ônibus dentro de São João e de São João para Barbacena, Lavras, Vitória e Penedo. Abriu mão de tudo e foi para Belo Horizonte, onde tocou serviço de ônibus com 12 carros.
De volta a São João del-Rei, abriu uma oficina de mecânica pesada, principalmente reforma de caminhão. “Eu tinha curso especializado pra mexer com Mercedes, Scania, Alfa Romeo...”. Por falta de mão de obra especializada, fechou a oficina e abriu a loja de peças e baterias para caminhão, ônibus e automóvel.
Atualmente, a loja “Renato Bateria” vende baterias, peças de carro e principalmente peças de moto. “Hoje, são os filhos que tocam”. Aposentado, Morethson tem sítios no Elvas (perto de Tiradentes) e no município de São João (de nome Inhambu), onde cria peixes.
JL – E a aviação?
Renato – Parei de mexer com avião porque ficou muito caro...
JL – O que o avião teve a ver com o primeiro carnaval de Resende Costa?
Renato – Do primeiro carnaval, participaram Moacir Coelho, Luis Chaves, Zé Aristeu, Antônio Batista, o Né do Chico Daniel e muitos outros de que não recordo os nomes. O Moacir vendia cotas para começarmos o centro recreativo. O Né, que tocava clarinete na banda, conseguiu convencer o Zé Aristeu a tocar trombone de vara no clube e ainda levou um rapaz acanhado, de nome Antônio Dias, para abrir o show do carnaval no centro recreativo. O Adão, que era delegado, ajudou também na organização. E na parte feminina, principalmente a dona Elmira minha esposa, a Nilza, filha do Zé Barbosa e a Adair, filha do Chico Canela.
JL – Como é essa história do centro recreativo?
Renato – Quando eu adquiri a linha de ônibus, voltei a morar em Resende Costa. Senti muito o impacto, pois São João del-Rei tinha muitos bailes (Athletic, Minas, etc.) e o carnaval era famoso no mundo inteiro. Em Resende Costa, não existia vida noturna; só tinha o footing nos Quatro Cantos e uma hora depois a cidade morria. Então, surgiu a idéia de conseguir um local para fazer um clube. O Teatro Municipal estava totalmente abandonado, mas ninguém tinha coragem de mexer naquilo. Fomos conversar com o Antonio Honório, que era o prefeito. Com muito custo ele cedeu e conseguimos reformar o Teatro Municipal. Foi uma luta danada para retirar os bancos de madeira compridos, quase tudo quebrado. A pressão da igreja foi grande. O padre Nelson, o Sérgio Procópio, o pessoal da igreja quiseram até me tomar a chave do prédio. Quando perceberam, já estava reformado. Então, surgiu o centro recreativo, diversão para a rapaziada que não tinha para onde ir. Começamos a fazer os bailes, festa de aniversários. E surgiu a idéia dos bailes de carnaval...
JL – E o avião?
Renato – Na inauguração dos blocos de rua, não havia fantasias pra comprar por causa do carnaval de São João del-Rei. Pedi ao Luis Chaves para ir a Belo Horizonte com os desenhos mandar fazer as fantasias. Então, o Luisinho me telefona: “Não vai dar para fazer a inauguração no dia marcado, não tem passagem pra São João del-Rei.” “Mas tem que ter.” Ele respondeu: “Só se eu for de avião, mas eu estou com pouco dinheiro”. “Então, pega o avião que eu pago”. A fantasia veio de avião até São João, eu levei pra Resende Costa e o carnaval foi inaugurado no dia marcado – nessa época, havia linha aérea diária de Belo Horizonte a São João, a OMTA (Organização Mineira de Transportes Aéreos), mais conhecida por Organização Mineira de Tombos Aéreos.
JL – Como foi esse primeiro desfile de blocos...
Renato - As pessoas estavam incentivadas a fazer o carnaval de rua, mas tinha o problema da iluminação. A lâmpada dos postes era bem ruim, pequena e não clareava nada. De noite, era um problema sério. Nessa época, o tio Prudêncio era o encarregado da Companhia Azevedo que fornecia luz, mas dificultava tudo porque eu era sobrinho dele. Então, um eletricista conhecido em São João falou: “Por que você não bota lá uma fiação com lâmpadas?” Ele e um tal de Mário, músico muito inteligente e que gostava de carnaval, foram lá comigo. “Umas 300 lâmpadas dá”. A idéia era colocar entre o Fórum (antiga cadeia) e a porta do armazém do Duque. Aí eu fiz o pedido de 280 lâmpadas, mas o tio Prudêncio cortou para 80. Foi aquela luta. Resultado? Negaram. Um dia, eu fui a São João fazer compras na Casa Artur Azevedo, do mesmo dono da usina que mandava luz para Resende Costa. Lá encontrei o Luso, filho dele, que disse: “Se você pagar, nós colocamos luz na cidade inteira”. Aí voltou a história das 280 lâmpadas. Ele fez a conta. Eu tinha de pagar 400 e tanto na moeda da época. No final, nós acertamos por 250, mas ele escolhia as lâmpadas. “Nós vamos colocar; se não ficar bom, você não paga”. O tio Prudêncio ficou com uma bronca danada, foi aquela dificuldade, mas conseguimos colocar as lâmpadas. Então, o bloco saiu: a Nilza puxando na frente, a Adair e outras colegas dela e a nossa turma. Assim começou o carnaval de rua e a cidade ainda ganhou um novo footing. Depois, o tio Prudêncio me ajudou na primeira sorveteria de Resende Costa.
JL – Como foi isso?
Renato – Em Resende Costa tinha um tal de reservado para tomar cerveja, mas a cerveja era servida quente numa baciinha. Então, surgiu a idéia da sorveteria. Eu e o Jair do Saturnino, que foi meu sócio, resolvemos abrir uma sorveteria. Compramos o motor do Edgar Teixeira, vendedor de máquinas em São João e quando fomos colocar a sorveteria, não quis funcionar. Nessa época, só tinha força à noite, mas às três e meia da tarde a usina fazia um teste de pouco mais de um minuto. Então, eu fui atrás do tio Prudêncio. “Eu falei que não ia funcionar, que não tem força!” Fomos falar com o dono da empresa. “Não tem jeito!” Eu estava desanimado. Tudo montado e não podia funcionar. Um dia, tio Prudêncio chegou lá em casa e ficou chateado de me ver sofrendo com aquilo. “Só tem um jeito: se você pagar a fiação da distribuidora até aqui, eu consigo fazer um reforço na sua luz e o motor vai funcionar. Mas o dono não pode saber”. Eu comprei a fiação. Tio Prudêncio falou: “Vou conversar com o encarregado da usina em Carandaí (perto de Coroas), mas tem que dar uma gorjeta pra ele. Ele vai mandar essa luz mais cedo (mais ou menos uma hora e meia antes do horário do teste) e eu vou concentrar a energia só nessa rede”. Então pagamos a diferença para a usina e, na hora do teste, tio Prudêncio cortou o resto da luz e deixou a minha ligada para o motor funcionar. As máquinas gelavam tudo, e conservavam. Mas só deu certo porque surgiu em São Paulo uma solução química moderna, que foi inaugurada comigo em Resende Costa, através do Edgar Teixeira. Antes, as sorveterias funcionavam com salmoura, que precisava de mais de oito horas para levar a temperatura a graus tão baixos que pudessem formar o picolé. Com essa solução química, conseguiu funcionar com sessenta por cento do tempo. Então, conseguimos fazer os primeiros picolés e sorvetes e conservar até o outro dia. Foi uma festa na cidade. Depois eu vendi para o Jair.
JL – É verdade que o Sr. teve a primeira moto de Resende Costa?
Renato – Antes disso, por volta de 1939, estávamos, um grupo de meninos, jogando pelada descalço na frente da igreja matriz, quando ouvimos um barulho diferente. Corremos para os Quatro Cantos: ali tinha uma bomba de gasolina manual que era do seu Osório e encontramos na esquina um cara com uma moto. Juntou gente pra ver e na saída ele quase atropelou um velho que passou na frente. Lembro disso porque, apesar de ainda menino, eu já dirigia caminhão. Eu tinha oito anos quando levei o Sossó pra casar em São Tiago. Deve ter sido nessa época que apareceu a primeira moto em Resende Costa. Depois disso, eu fiz absurdos, como andar em pé na minha moto.
JL – Isso já durante a guerra?
Renato – Foi na época da guerra, porque meu pai já era dono da jardineira, e não tinha gasolina. Para não parar, ele conseguiu adaptar a jardineira para andar com carvão. Era uma dificuldade para pegar de manhã. Ele vinha com um saco de carvão, botava lá em cima, acendia a boca do forno embaixo e ficava na aceleração. A gasolina era só para funcionar os motores, para esquentar. Meu pai recebia cotas de 30 litros por mês, mas não dava para nada, porque a jardineira gastava muito. E eu saía escondido com a moto porque nem carro nem moto podiam rodar. Apenas dava um giro no quarteirão e guardava a moto por um mês. Era uma Vitória, sem amortecedor na traseira e com mola na frente. Depois, já em 1952, eu tive outra Vitória, mais moderna. É possível que a primeira moto de Resende Costa tenha sido minha.
JL – É verdade que o Sr. chegou a entrar no Buraco do Inferno?
Renato – Três vezes. O Alfredo, filho da Nhanhá, morava em frente da minha casa. Um dia contaram pra ele que tinha um lobo dentro do Buraco do Inferno. Ele era aventureiro, gostava muito de aparecer. Eu era criança, e ele me convidou para ir com ele. Ele levou uma espingarda e nós entramos lá dentro, mais ou menos uns vinte e tantos metros. Tudo escuro, nós com umas lamparinas porque não existia lanterna elétrica. E ele deu uns tiros lá pra dentro, mas não apareceu lobo nenhum. Outra vez eu fui convidado pelo Ari do Sô Bico. “Vamos entrar lá no Buraco do Inferno?” “Vamos”. “Vamos ver se é verdade que chega debaixo da igreja”. Aí ele apareceu com dois gasômetros: eram umas peças grandes onde você botava o carbureto e acendia um holofote que tinha na frente. Aquilo clareava longe. Ali tinha carbureto que dava para funcionar muitas horas. Mas lá dentro é horrível, uma sujeira danada, tem diversas entradas, você está sujeito a se perder, tem lugar que você precisa passar deitado. Eu fiquei com muito medo. Tinha muito morcego, mas eles fugiam da luz do gasômetro. Fomos caminhando e a certa altura o Ari disse: “O gasômetro está apagando”. Bombava, mas a chama não aumentava. A luz foi ficando fraca. Então, começamos a voltar, e aí a luz foi melhorando. Daí, deduzimos que estava faltando oxigênio.
JL – E a terceira vez?
Renato – Foi depois que meu pai comprou a chácara. Depois de uma conversa com meu pai sobre morcegos, o Chico Daniel foi ao Buraco do Inferno. “Tem muito morcego aqui por perto, eu vou dar uma olhada lá dentro”. Eu fui até a porta, ele entrou sozinho e ficou mais de duas horas lá dentro. Contou que viu muito morcego e que precisava combater. Mas ninguém tomou providência.
Renato Morethson conta histórias de avião e de Resende Costa (final)
Entrevistas
José Venâncio de Resende 13/12/20090

Renato Morethson