Sem opções para internato em São João del-Rei, alunos do curso de medicina da UFSJ fazem manifestações nas ruas da cidade

Convênio entre UFSJ e Santa Casa da Misericórdia não foi renovado, instituição de saúde oferecia estágio de ginecologia e pediatria aos alunos


Educação

Vanuza Resende0

Manifestação dos alnos de medicina da UFSJ nas ruas do centro de São João del-Rei (Foto Thais Andressa - Por Outro Olhar)

Desde 2014, a Universidade Federal de São João del-Rei oferece no Campus Dom Bosco o curso de Medicina. O curso é o que possui nota de corte maior na instituição, ou seja, é o mais concorrido entre os cursos da UFSJ.

Ao longo dos sete anos de curso de medicina, os últimos dois são reservados para que os alunos façam o internato. Nesse período, os alunos fazem estágios em instituições de saúde nas grandes áreas da medicina: obstetrícia, cirurgia, pediatria, saúde mental, medicina de família e comunidade, clínica médica, urgência e emergência. Como a UFSJ não possui um hospital universitário, a Santa Casa da Misericórdia de São João del-Rei é a instituição de saúde que oferece oportunidade para que os alunos do curso façam o internato.

De 2017 a 2019, a parceria foi cumprida e os alunos realizaram na Santa Casa as práticas do internato. O aluno do 9° período do curso de medicina, Vinícius Santos, destaca que durante o internato há uma troca de conhecimentos: “É importante falar que o serviço de precipatoria é uma forma de alinhar a prática com o ensino. Então, ao mesmo tempo em que ele (médico preceptor) está praticando, exercendo o ato médico, ele também está ensinando.”

Com os cortes de verbas feitos pelo governo federal, os valores pagos à Santa Casa para acolher os alunos diminuíram em quase três vezes. Assim, a instituição não assinou um novo edital com a UFSJ. “Fomos pegos de surpresa com essa decisão. A UFSJ sempre contou com a Santa Casa para ajudar na formação dos alunos da Universidade. Não tínhamos um plano B para essa decisão. Isso fez com que mais de 20 alunos ficassem sem campo de prática, sem estágio hospitalar para pediatria e ginecologia, que são duas áreas fundamentais para a formação do médico que vai dar contar de atender as demandas da população”, relata Vinícius Santos. Ainda de acordo com Vinícius, o internato tem uma carga horária de 32 horas, e tem aluno cumprindo apenas 6 horas dessa carga horária semanal. Os alunos de medicina da UFSJ também atuam em toda a rede de sáude de São João del-Rei: posto de saúde, secretaria de saúde da família, Viva Vida, Núcleo de Sáude Mental, Núcleo Materno Infatil, UPA, Hospital Nossa Senhora das Mercês, CAPS, CAPS-ad.

Vinícius diz que, além de prejudicar a formação dos alunos e a conclusão do curso, a situação prejudica o município. “Quando o curso veio para cá, além de formar profissionais médicos, a intenção era melhorar a saúde (na cidade e região). Colocar profisisonais que fossem mais humanizados, que tivessem domínios da nova técnica, que pensassem no SUS (Sistema Único de Saúde) também. E com essa dificuldade de inserção dos alunos nos campos de prática de saúde aqui em São João del-Rei esse objetivo maior talvez não consiga se concretizar. E quem perde não são os alunos, mas a população também”, analisa o aluno de medicina da UFSJ.

 

Busca de solução

Com a decisão da Santa Casa, a UFSJ está buscando parceria com hospitais fora de São João del-Rei para solucionar a demanda imediata. É o que disse o reitor da instituição, Prof. Sérgio Cerqueira, por meio de nota: “A Universidade está buscando parcerias com hospitais, mesmo distantes, visando ao atendimento das demandas imediatas dos estudantes. Essa solução não nos satisfaz a longo prazo, já que, ao instalarmos o curso de medicina em São João del-Rei, tínhamos como preocupação a melhoria da saúde na cidade e região. Continuaremos a buscar soluções locais que sejam compatíveis com as disponibilidades orçamentárias da UFSJ, destaca o comunicado.

Vinícius entende que deslocar-se até outras cidades para fazer o internato não é a situação ideal. “Quando a gente faz estágio ao longo do curso, às vezes era muito interessante perceber que ao mesmo tempo em que você atendia uma paciente com alguma questão, você conseguia atender de forma muito mais compelta no período de internato.”  

Ainda em nota, a Universidade divulgou que “os valores pedidos por hospitais da região são incompatíveis com a situação orçamentária das instituições federais de ensino com os cortes na Educação. O Governo Federal repassa à universidade menos de ? do montante cobrado por aluno pelos hospitais para o exercício do estágio. Para garantir a experiência prática dos estudantes, a UFSJ pagava o restante do valor com os recursos de custeio da instituição. O corte de 40% aplicado pelo Ministério da Educação nestes recursos, em 2019, impactou diretamente na disponibilidade da UFSJ em custear esta diferença.”  

De acordo com Vinícius, foram realizadas diversas reuniões com alunos, professores e direção da Santa Casa. Ainda assim, a instituição diz que não pode atender a proposta de valor oferecido pela UFSJ. Como a cidade tem uma instituição de ensino particular, o Uniptan, os convênios estão sendo firmados entre a Santa Casa e os alunos da instituição de ensino particular, uma vez que esses possuem condições de pagar o valor pedido pelos profissionais da instituição de saúde são-joanense.

A direção da Santa Casa respondeu, em entrevista à Rádio Emboabas FM 92,7, que o convênio com a UFSJ vigora há 7 anos, desde quando o curso de medicina foi implantado apenas no Campus da universidade em Divinópolis. Devido ao fato de os valores não terem sido reajustados desde o início do convênio, de acordo com a Santa Casa não há mais condições de a instituição contratar um médico para acompanhar o estágio dos alunos. A Santa Casa informou que “continua de portas abertas para negociação da parceria.”

A Santa Casa da Misericórdia de São João del-Rei também foi procurada pela reportagem do JL, mas até o fechamento desta edição não obtivemos resposta.

 

Manifestações

Na última semana de agosto, os alunos do curso de medicina da UFSJ realizaram manifestações pelas ruas do centro de São João del-Rei. De acordo com o aluno Vinícius Santos, as paralisações tiveram o objetivo de mobilizar os órgãos, entidades e alunos envolvidos com o curso de medicina. “Eu acredito que os maiores resultados em relação às paralisações foram: em primeiro lugar, a mobilização que a gente teve da reitoria, coordenação, departamento e estudantes para resolverem os problemas. Pensar em soluções imediatas e paliativas em relação ao internato que está parado. E, um outro ponto, foi a questão dos alunos se unirem e contarem com o apoio da cidade em relação ao curso de medicina, que não é só dos alunos e da UFSJ, mas é um curso da comunidade”, concluiu Vinícius.

A previsão é que os alunos de medicina da UFSJ voltem a fazer o internato a partir da terceira semana de setembro em instituições de saúde de outras cidades da região do Campo das Vertentes.

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